Os supostamente “mortos” são invisíveis, mas não
ausentes.
“O túmulo é um lugar de restituição onde tudo se
reencontra, onde a alma recobra o Infinito e recupera a
sua plenitude”. -
Victor Hugo
Com sua singular
acuidade intelectual, Léon Denis observou: “(...)
o homem que chora a perda de seres caros, de que a morte
o separou, procura antes de tudo uma prova da
sobrevivência na manifestação dessas almas diletas ao
seu coração, e que para ele também se sentem atraídas
pelo amor. Uma palavra afetuosa, uma prova moral delas
provenientes, farão muito mais para convencer que todos
os fenômenos materiais.
Até agora, para a maioria dos homens, a crença na vida
futura não havia sido mais que vaga hipótese, fé
oscilante a todos os embates da crítica. As almas,
depois de separadas dos corpos, eram apenas a seus olhos
Entidades mal definidas, enclausuradas em lugares
circunscritos, inativas, sem objetivo, sem relações
possíveis com a humanidade. Mas hoje sabemos que os
Espíritos dos mortos nos rodeiam e se imiscuem em nossa
vida. Aparecem-nos como verdadeiros seres humanos,
providos de corpos sutis, tendo conservado todos os
sentimentos da Terra, suscetíveis, porém, de elevação,
tomando parte, em aumentativo grau, na obra e no
progresso universais e possuindo energias
consideravelmente superiores às de que dispunham em sua
condição antiga de existência. Sabemos que a morte não
ocasiona mudança alguma essencial à natureza íntima do
ser, que permanece, em todos os meios, o que a si mesmo
se fez, levando para além do túmulo suas tendências,
seus ódios e afetos, suas virtudes ou fraquezas,
conservando-se ligado pelo coração aos que na Terra
amou.
Estabelece-se entre o mundo visível e o oculto uma
comunhão que se vai ampliando à proporção que as
faculdades mediúnicas se multiplicam e aperfeiçoam...
Fortalece os laços de solidariedade que vinculam as duas
humanidades e lhes permite, por meio de constantes
relações, por contínua permuta de ideias, combinar suas
forças, suas aspirações comuns, orientá-las no sentido
de um mesmo grandioso objetivo e trabalhar
conjuntamente por adquirir mais luz, mais elevação
moral e, conseguintemente, mais felicidade para a grande
família das almas, de que homens e Espíritos são
membros.”
Tal visão oferecida pelo Espiritismo é totalmente oposta
ao ensino e ao cerimonial das Igrejas e algumas peças
teatrais que não têm contribuído pouco, representando a
morte com formas lúgubres.
Entendemos com Léon Denis que
“(...) a morte é uma simples mudança de estado, a
destruição de uma forma frágil que já não proporciona à
vida as condições necessárias ao seu funcionamento e à
sua evolução. Para além da campa, abre-se uma nova fase
de existência. O Espírito, debaixo da sua forma
fluídica, imponderável, prepara-se para novas
reencarnações; acha no seu estado mental os frutos da
existência que findou.
Por toda parte se encontra a vida. A Natureza inteira
mostra-nos, no seu maravilhoso panorama, a renovação
perpétua de todas as coisas. Em parte alguma há a morte,
como, em geral, é considerada entre nós; em parte alguma
há o aniquilamento; nenhum ente pode perecer no seu
princípio de vida, na sua unidade consciente. O Universo
transborda de vida física e psíquica. Por toda parte o
imenso formigar dos seres, a elaboração de almas que,
quando escapam às demoradas e obscuras preparações da
matéria, é para prosseguirem, nas etapas da luz, a sua
ascensão magnífica.
A vida do homem é como o Sol das regiões polares durante
o estio. Desce devagar, baixa, vai enfraquecendo, parece
desaparecer um instante no horizonte. É o fim, na
aparência; mas, logo depois, torna a elevar-se, para
novamente descrever a sua órbita imensa no Céu.
A morte é apenas um eclipse momentâneo na grande
revolução das nossas existências; não devemos temê-la,
mas, antes, nos esforçar por embelezá-la, preparando-se
cada um constantemente para ela, pela pesquisa e
conquista da beleza moral.”
O Espiritismo é conhecido
pelo codinome “Consolador” não só porque foi com
este nome que Jesus o profetizou,
- e o meu Pai vos enviará outro Consolador -,
como também porque tanto a Imortalidade da Alma como a
Comunicabilidade dos Espíritos estão arroladas como
pontos básicos da Doutrina.
Não é uma suprema consolação ter a certeza da
Imortalidade da Alma e contar com a possibilidade de
comunicarmo-nos com nossos amigos e entes queridos que
nos antecederam na Grande Viagem? Podemos perceber a
magnitude dessa questão num tocante discurso-oração
feito pelo célebre escritor francês Victor Hugo, diante
do túmulo ainda aberto de uma jovem muito querida por
seus familiares e conhecidos chamada Emily de Putron e
na presença de uma multidão dolorosamente emocionada no
Cemitério dos Independentes, em Guernesey. Diz o vate:
“(...) Está aí o perpétuo estremecimento da vida!
Inclinemo-nos, meus irmãos, diante do severo destino,
mas inclinemo-nos com esperança... O coração não pode
errar: a carne é um sonho; ela se dissipa. Se esse
desvanecimento fosse o fim do homem, tiraria à nossa
existência toda sanção. Quem quer que ame, sabe e sente
que nenhum dos pontos de apoio do homem está sobre a
Terra. Amar é viver além da vida. Sem esta fé, nenhum
dom perfeito do coração seria possível; amar, que é o
objetivo do homem, seria seu suplício. Esse paraíso
seria o inferno. Não! Dizemo-lo bem alto, a criatura
amante exige a criatura imortal. Emily de Putron acaba
de desaparecer. Para onde foi? Para a sombra? Não! Somos
nós que estamos na sombra. Ela está na aurora; ela está
na irradiação, na verdade, na realidade, na
recompensa... Ela foi procurar lá no alto a serenidade
suprema.
O prodígio desta grande partida celeste, que se chama a
morte, é que aqueles que partem não se afastam. Estão
num mundo de claridade, mas assistem, testemunhas
enternecidas, ao nosso mundo de trevas. Estão no alto,
e muito perto. Vós que tendes visto desaparecer no
túmulo um ser querido, não vos creiais abandonados por
ele. Ele está ao vosso lado mais do que nunca. A beleza
da morte é a presença; presença inexprimível das almas
amadas sorrindo aos nossos olhos em lágrimas. O ser
chorado desapareceu, mas não partiu. Não lhe percebemos
mais seu doce rosto... Os mortos são os invisíveis,
mas não são os ausentes. Rendamos justiça à
morte... Não sejamos ingratos para com ela. É um erro
crer que na obscuridade do túmulo tudo se perde. Muito
pelo contrário: aqui tudo se reencontra. O túmulo é um
lugar de restituição. Aqui a alma recobra o Infinito;
aqui ela recupera a sua plenitude; aqui ela reentra na
posse de sua misteriosa natureza; está desligada do
corpo, desligada da necessidade, desligada do fardo,
desligada da fatalidade...
A morte é a maior das liberdades, a ascensão
resplandecente e sagrada.”
Analisando esse discurso-oração de Victor Hugo, Allan
Kardec explica1: “(...) a estas notáveis
palavras, não falta absolutamente senão o nome
Espiritismo. Não é somente a expressão de uma
vaga crença na alma e em sua sobrevivência; é bem o ser
real, individual, presente em nosso meio, sorrindo
àqueles que lhes são caros, vendo-os, escutando-os,
falando-lhes pelo pensamento... Não é exatamente o que
ensina o Espiritismo? Que há, pois, de irracional em
crer que esses mesmos seres que estão ao nosso lado,
com o corpo etéreo, possam entrar em relação conosco? Ó
vós! céticos que rides de nossas crenças, ride, pois,
dessas palavras do poeta filósofo, de quem reconheceis a
alta inteligência! Direis que ele é alucinado?! Que é
louco quando acredita na manifestação dos Espíritos?!
Lido o discurso acima na Sociedade Espírita de Paris, na
sessão de 27 de janeiro de 1865, o Espírito da jovem Emile
de Putron, que, sem dúvida, o escutava e partilhava
a emoção da assembleia, manifestou-se espontaneamente
pela senhora Costel e disse: "as palavras do poeta
fizeram estremecer vossos Espíritos; evocaram minha alma
que flutua incerta ainda no éter infinito! Ó poeta,
revelador da vida, tu conheces bem a morte! Passei
rápido e leve, apenas esflorando as alegrias ternas da
vida. Ó minha mãe, minha irmã, meus amigos, grande
poeta! Não choreis mais, mas estejais atentos! o
murmúrio que roça vossos ouvidos é o meu; o perfume da
flor pendente é o meu sopro. Misturo-me à grande vida
para melhor penetrar o vosso amor. Somos eternos!"
- BÍBLIA,
N.T. João.
Português. O novo testamento. Tradução de
João Ferreira de Almeida. Rio de Janeiro:
Imprensa Bíblica Brasileira, 1983. cap. 14. vers.
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