Especial

por Rogério Coelho

A morte é a maior de todas as liberdades

 

Os supostamente “mortos” são invisíveis, mas não ausentes.


“O túmulo é um lugar de restituição onde tudo se reencontra, onde a alma recobra o Infinito e recupera a sua plenitude”. 
- Victor Hugo[1]


Com sua singular acuidade intelectual, Léon Denis observou[2]: “(...) o homem que chora a perda de seres caros, de que a morte o separou, procura antes de tudo uma prova da sobrevivência na manifestação dessas almas diletas ao seu coração, e que para ele também se sentem atraídas pelo amor. Uma palavra afetuosa, uma prova moral delas provenientes, farão muito mais para convencer que todos os fenômenos materiais.

Até agora, para a maioria dos homens, a crença na vida futura não havia sido mais que vaga hipótese, fé oscilante a todos os embates da crítica. As almas, depois de separadas dos corpos, eram apenas a seus olhos Enti­dades mal definidas, enclausuradas em lugares circuns­critos, inativas, sem objetivo, sem relações possíveis com a humanidade. Mas hoje sabemos que os Espíritos dos mortos nos rodeiam e se imiscuem em nossa vida. Aparecem-nos como verdadeiros seres humanos, providos de corpos sutis, tendo conservado todos os sentimentos da Terra, suscetíveis, porém, de elevação, tomando parte, em aumentativo grau, na obra e no progresso universais e possuindo energias consideravelmente superiores às de que dispunham em sua condição antiga de existência.  Sabemos que a morte não ocasiona mudança alguma essencial à natureza íntima do ser, que permanece, em todos os meios, o que a si mesmo se fez, levando para além do túmulo suas tendências, seus ódios e afetos, suas virtudes ou fraquezas, conservando-se ligado pelo coração aos que na Terra amou.

Estabelece-se entre o mundo visível e o oculto uma comunhão que se vai ampliando à proporção que as faculdades mediúnicas se multiplicam e aperfeiçoam... Fortalece os laços de solidariedade que vinculam as duas humanidades e lhes permite, por meio de cons­tantes relações, por contínua permuta de ideias, combi­nar suas forças, suas aspirações comuns, orientá-las no sentido de um mesmo grandioso objetivo e trabalhar con­juntamente por adquirir mais luz, mais elevação moral e, conseguintemente, mais felicidade para a grande família das almas, de que homens e Espíritos são membros.”

Tal visão oferecida pelo Espiritismo é totalmente oposta ao ensino e ao cerimonial das Igrejas e algumas peças teatrais que não têm contribuído pouco, representando a morte com formas lúgubres.

Entendemos com Léon Denis[3] que “(...) a morte é uma simples mudança de estado, a destruição de uma forma frágil que já não proporciona à vida as condições necessárias ao seu funcionamento e à sua evolução. Para além da campa, abre-se uma nova fase de existência. O Espírito, debaixo da sua forma fluídica, imponderável, prepara-se para novas reencarnações; acha no seu estado mental os frutos da existência que findou.

Por toda parte se encontra a vida. A Natureza intei­ra mostra-nos, no seu maravilhoso panorama, a renova­ção perpétua de todas as coisas. Em parte alguma há a morte, como, em geral, é considerada entre nós; em parte alguma há o aniquilamento; nenhum ente pode perecer no seu princípio de vida, na sua unidade consciente. O Universo transborda de vida física e psíquica. Por toda parte o imenso formigar dos seres, a elaboração de almas que, quando escapam às demoradas e obscuras prepa­rações da matéria, é para prosseguirem, nas etapas da luz, a sua ascensão magnífica.

A vida do homem é como o Sol das regiões polares durante o estio. Desce devagar, baixa, vai enfraquecendo, parece desaparecer um instante no horizonte. É o fim, na aparência; mas, logo depois, torna a elevar-se, para novamente descrever a sua órbita imensa no Céu.

A morte é apenas um eclipse momentâneo na grande revolução das nossas existências; não devemos temê-la, mas, antes, nos esforçar por embelezá-la, preparando-se cada um constantemente para ela, pela pesquisa e conquista da beleza moral.” 

O Espiritismo é conhecido pelo codinome “Consolador” não só porque foi com este nome que Jesus o profetizou[4], - e o meu Pai vos enviará outro Consolador -, como também porque tanto a Imortalidade da Alma como a Comunicabilidade dos Espíritos estão arroladas como pontos básicos da Doutrina.

Não é uma suprema consolação ter a certeza da Imortalidade da Alma e contar com a possibilidade de comunicarmo-nos com nossos amigos e entes queridos que nos antecederam na Grande Viagem?  Podemos perceber a magnitude dessa questão num tocante discurso-oração feito pelo célebre escritor francês Victor Hugo, diante do túmulo ainda aberto de uma jovem muito querida por seus familiares e conhecidos chamada Emily de Putron e na presença de uma multidão dolorosamente emocionada no Cemitério dos Independentes, em Guernesey. Diz o vate: “(...) Está aí o perpétuo estremecimento da vida! Inclinemo-nos, meus irmãos, diante do severo destino, mas inclinemo-nos com esperança... O coração não pode errar: a carne é um sonho; ela se dissipa. Se esse desvanecimento fosse o fim do homem, tiraria à nossa existência toda sanção. Quem quer que ame, sabe e sente que nenhum dos pontos de apoio do homem está sobre a Terra. Amar é viver além da vida. Sem esta fé, nenhum dom perfeito do coração seria possível; amar, que é o objetivo do homem, seria seu suplício. Esse paraíso seria o inferno. Não! Dizemo-lo bem alto, a criatura amante exige a criatura imortal. Emily de Putron acaba de desaparecer. Para onde foi? Para a sombra? Não! Somos nós que estamos na sombra. Ela está na aurora; ela está na irradiação, na verdade, na realidade, na recompensa... Ela foi procurar lá no alto a serenidade suprema.

O prodígio desta grande partida celeste, que se chama a morte, é que aqueles que partem não se afastam. Estão num mundo de claridade, mas assistem, testemunhas enternecidas, ao nosso mun­do de trevas. Estão no alto, e muito perto. Vós que tendes visto desaparecer no túmulo um ser querido, não vos creiais abandonados por ele. Ele está ao vosso lado mais do que nunca. A beleza da morte é a presença; presença inexprimível das almas amadas sorrindo aos nossos olhos em lágrimas. O ser chorado desapareceu, mas não partiu. Não lhe percebemos mais seu doce rosto... Os mortos são os invisíveis, mas não são os ausentes.  Rendamos justiça à morte... Não sejamos ingratos para com ela. É um erro crer que na obscuridade do túmulo tudo se perde. Muito pelo contrário: aqui tudo se reencontra. O túmulo é um lugar de restituição. Aqui a alma recobra o Infinito; aqui ela recupera a sua plenitude; aqui ela reentra na posse de sua misteriosa natureza; está desligada do corpo, desligada da necessidade, desligada do fardo, desligada da fatalidade...

A morte é a maior das liberdades, a ascensão resplandecente e sagrada.”

Analisando esse discurso-oração de Victor Hugo, Allan Kardec explica1: “(...) a estas notáveis palavras, não falta absolutamente senão o no­me EspiritismoNão é somente a expressão de uma vaga crença na alma e em sua sobrevivência; é bem o ser real, individual, presente em nosso meio, sorrindo àqueles que lhes são caros, vendo-os, escutando-os, falando-lhes pelo pensamento...   Não é exatamente o que ensina o Espiritismo? Que há, pois, de irracional em crer que es­ses mesmos seres que estão ao nosso lado, com o corpo etéreo, possam entrar em relação conosco? Ó vós! céticos que rides de nossas crenças, ride, pois, dessas palavras do poeta filósofo, de quem reconheceis a alta inteligência! Direis que ele é alucinado?! Que é louco quando acredita na manifesta­ção dos Espíritos?!

Lido o discurso acima na Sociedade Espírita de Paris, na sessão de 27 de janeiro de 1865, o Espírito da jovem Emile de Putron, que, sem dúvida, o escutava e partilhava a emoção da assembleia, manifestou-se espontaneamente pela senhora Costel e disse: "as palavras do poeta fizeram estremecer vossos Espíritos; evocaram minha alma que flutua incerta ainda no éter infinito! Ó poeta, revelador da vida, tu conheces bem a morte! Passei rápido e leve, apenas esflorando as alegrias ternas da vida. Ó minha mãe, minha irmã, meus amigos, grande poeta! Não choreis mais, mas estejais atentos! o murmúrio que roça vossos ouvidos é o meu; o perfume da flor pendente é o meu sopro. Misturo-me à grande vida para melhor penetrar o vosso amor. Somos eternos!"


 


[1] - KARDEC, Allan. Revue Spirite de Fevereiro de 1865. 2.ed. Araras: IDE, 1997, p. 59-61.

[2] - DENIS, Léon. No Invisível. 19.ed. Rio de Janeiro: FEB, 2000, p. 40-41.

[3] - DENIS, Léon. O Problema do Ser, do Destino e da Dor. 232.ed. Rio de Janeiro: FEB, 2000, p. 129-132.

[4] - BÍBLIA, N.T. João. Português. O novo testamento. Tradução de João Ferreira de Almeida. Rio de Janeiro: Imprensa Bíblica Brasileira, 1983. cap. 14. vers. 16.  

    

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita