MARCELO HENRIQUE
PEREIRA
cellosc@floripa.com.br
Florianópolis,
Santa Catarina
(Brasil)
A
religião e o
direito
de
decidir
Certa feita, o
programa
“Fantástico”, da
Rede Globo de
Televisão,
exibiu matéria
baseada em uma
pesquisa do
Ibope,
demonstrando que
a maioria dos
jovens católicos
do Brasil não
seguia à risca
as regras
impostas pela
Igreja. Por
exemplo, 79% dos
dois mil
entrevistados
diziam aprovar o
sexo antes do
casamento,
prática
condenada pela
Igreja.
Uma das razões
para a recente
visita do papa
Bento XVI ao
Brasil foi a
constante perda
de fiéis
católicos para
outras Igrejas
(as chamadas
neo-pentecostais,
principalmente
e, até mesmo,
para a filosofia
espírita) e a
insistência da
condenação pela
religião romana
de certas
práticas
consideradas
“pecado”, mas
que são adotadas
pela Sociedade.
Vale lembrar que
a Igreja segue,
claramente, sua
ideologia ou
filosofia
teológica.
Construiu,
historicamente,
a partir dos
Concílios,
regras e
orientações,
muitas das quais
verdadeiros
dogmas e, de
modo muito
inteligente, tem
disseminado sua
“forma de
entender” o
mundo aos
chamados fiéis –
e não somente a
eles, já que,
pelos meios de
comunicação, é
disseminada a
crença católica,
que, de certo
modo, influencia
mesmo quem não
esteja albergado
sob a religião,
como adepto.
A Igreja,
também,
historicamente,
esteve durante
muito tempo
ligada ao poder
temporal
(político-social),
influenciando
não só a
“formação” das
leis, quanto o
próprio modelo
de gestão
(administração)
de inúmeros
Estados. Em
outros países,
mesmo não
atrelada aos
poderes
políticos,
manifesta sua
influência (vide
a respeito a
audiência do
Presidente da
República com o
sumo pontífice,
durante a
visita, em que o
Papa “cobrou” do
Brasil o empenho
em algumas
matérias
relevantes,
considerada a
visão católica
dos mesmos), e
ocupa espaços
(inúmeros
sacerdotes
exercem ou já
exerceram cargos
políticos – no
executivo e no
legislativo – e
há, ainda,
adeptos do
catolicismo
formando
“bancadas” no
Congresso
Nacional). Este
não é um
fenômeno
exclusivo da
religião romana,
pois os
evangélicos agem
de igual
maneira. Com
isso, tentam
influenciar a
tomada de
decisão
(principalmente
no campo da
aprovação de
leis e
regulamentos)
que sejam
conformes à sua
ideologia.
Visivelmente,
Bento XVI veio
ao nosso país
para fortalecer
a “fé
brasileira”
(católica,
evidentemente),
já que o Brasil
– considerado,
em número de
adeptos, o maior
país católico do
mundo – nunca
havia tido um
filho seu como
“santo”. Seu
discurso e suas
encíclicas (já
pronunciadas ou
que estão por
vir) tentam,
também,
aproximar a
Igreja da
Sociedade,
tratando de
temas que tenham
visibilidade e
apelo social.
Neste aspecto,
forma-se um
“hiato” entre a
filosofia
católica e a
práxis, já que o
discurso
religioso nem
sempre é aceito
pela maioria da
população
(veja-se, neste
sentido, a
recente Lei do
Aborto
portuguesa, em
que a grande
quantidade de
profitentes da
religião romana
não conseguiu
demover a
população de
responder
favoravelmente
ao plebiscito
convocado para
tal fim). No
Brasil,
igualmente,
apesar dos
protestos dos
mais “fanáticos”
religiosos de
diversos matizes
(católico,
evangélico e
espírita,
principalmente),
a tendência é
pelo
“afrouxamento”
das vedações
penais ao
aborto, mesmo
considerando que
a reforma legal
inclua a revisão
das balizas
contidas na
Constituição
Federal, que, a
meu ver, impedem
a “liberação” ou
a previsão de
novas hipóteses
descriminalizadoras
do aborto.
Por fim, quanto
à “perda” de
fiéis, encaro a
questão com
muita
naturalidade, de
vez que as
individualidades
humanas são
livres para
professarem sua
fé e, neste
sentido, é comum
encontrarmos
pessoas que,
mesmo tendo
nascido sob
determinado
berço religioso
e terem sido
educadas segundo
dados princípios
religiosos, na
idade jovem ou
adulta optam
conscientemente
por outras
filosofias, o
que pode
significar
“maturidade” ou
“despertamento”
para
determinadas
questões. Se há,
com certeza, um
componente
“econômico” na
diminuição de
fiéis, este
acaba sendo o
motivo de maior
preocupação dos
líderes
religiosos, que
terão que
“adequar-se aos
novos tempos”.
Menos adeptos
significam,
amiúde, menos
contribuições,
menos vendagem
de “produtos”
religiosos,
menos dinheiro
para “obras
sociais ou
litúrgicas”
etc.
Em tudo e por
tudo, devemos
valorizar a
busca do ser
pelas
explicações que
mais lhe
satisfaçam em
todos os campos
do conhecimento
humano e,
inclusive, no
mais destacado
deles, o
espiritual.
Estudiosos
elencam fatores
que mais
influenciam as
pessoas e a
própria
Sociedade nas
escolhas de
quais regras
seguir. Muitos
deles falam na
questão da
dicotomia entre
Ética e Moral. A
Ética de
conviviabilidade
é, muitas vezes,
distinta da
Moral Religiosa
(individual ou
coletiva – esta
última em termos
de liturgia). No
que tange à
conduta (quais
regras seguir,
quais não, como
você pergunta),
devemos sempre
apelar para o
uso da
consciência
humana
(espiritual). A
consciência é
aquele freio
que, dependendo
da
individualidade,
nos impede de
cometermos
certas ações que
sejam “erradas”.
Evidentemente, a
consciência (do
bem e do mal, do
certo e do
errado, do que
fazer e do que
não fazer) é
pessoal e
intransferível.
Criaturas mais
despertas
conseguem
perceber a
influência do
meio em si e, em
termos pessoais,
adequam seu
comportamento (e
sua consciência
íntima) aos
padrões sociais.
Outras, não;
vivem em eterno
conflito. Não
queremos dizer
que “todas” as
convenções
exteriores sejam
verdadeiras,
benéficas e
úteis. Longe
disso! Daí a
diversidade de
regimes,
sistemas,
ideologias,
políticas... Em
todo caso, a
regra áurea da
convivência
social é a do
respeito ao
semelhante, o
tratar os outros
com os mesmos
parâmetros que
desejaria ser
tratado. Parece
que um certo
personagem
“religioso” já
prelecionou, há
muito tempo, tal
comportamento,
não? Se
verificarmos
bem, a grande
maioria das
crenças e
filosofias
religiosas de
nosso tempo
endereçam o ser
para esta
prática:
respeito ao
semelhante, para
ser respeitado.
Queremos Ética
melhor do que
esta?
Há quem diga que
as Igrejas
também “dançam
conforme a
música” e, para
granjear ou
manter adeptos,
de tempos em
tempos, pode se
observar certas
“mudanças” nas
orientações que
emanam de seus
líderes e
representantes.
Fala-se muito,
hoje, em termos
de sociologia,
que a abertura e
a liberdade
sexual dos
tempos presentes
podem levar a
uma revisão dos
posicionamentos
(principalmente
da Igreja
romana) sobre a
prática de
atividades
sexuais, o
divórcio e o
aborto, porque
pressionada por
seus fiéis
seguidores. De
modo geral,
entendo que isto
não vem
ocorrendo nos
ministérios
religiosos. A
Igreja tem
posições claras,
construídas ao
longo dos
séculos,
baseadas em seus
dogmas,
mandamentos e
sacramentos, e
dificilmente se
vê coagida por
qualquer pressão
do público. O
que ocorre,
muitas vezes, é
um certo
“relaxamento”
das próprias
pessoas, em
relação às
prescrições da
fé, esperando
que, algum dia,
recebam o
“perdão Divino”,
por meio dos
próprios
ministrantes
religiosos. Os
temas de hoje
podem não ser os
de amanhã,
porque as
preferências e
as prioridades
se alteram
conforme o curso
da evolução
social.
Paralelamente,
muitos fiéis
podem não
“conhecer” a
visão religiosa
– mesmo
frequentando
(com mais ou
menos
assiduidade) os
templos e as
reuniões
religiosas.
Assim, a
“lembrança” do
Papa, ao tocar
nestes assuntos
em seus
discursos, é uma
estratégia
necessária da
instituição para
reforçar sua
posição
(ortodoxa) em
relação a tais
assuntos.
De outra sorte,
em muitos
setores da vida
humana, quando a
Igreja
“interpreta” ou
se propõe a
analisar as
contingências da
vida, em razão
de seus dogmas e
seu
conservadorismo,
impede debates,
“fechando
questão” e
apondo “ponto
final”. Assim,
mesmo escorada
em sua proposta
ideológica e
tratando tudo
como “questão de
fé”, impede que
se discutam
racionalmente as
questões que
influenciam o
nosso viver,
distanciando-se
das próprias
pessoas. A
conclusão é
óbvia: fala para
si mesma, ou
para seus
adeptos, não
conseguindo
“atravessar” os
muros e as
paredes das
Igrejas. O
discurso, quando
não permite o
contraponto,
ressoa no vazio
e só faz
proselitismo,
nada mais!
Também é notória
a diferença
entre os
“estilos” da
Igreja Católica
e das
Neo-pentecostais.
As primeiras
passam uma
imagem sisuda e
censurativa,
enquanto as
últimas,
generalizadamente,
adotam um padrão
mais despojado e
alegre. Estes
dias, andando
pelo centro da
cidade, passei
em frente a uma
“livraria
evangélica” e,
curioso, entrei.
Lá dentro,
fiquei surpreso
com um livro na
estante, bem em
destaque, uma
espécie de
“guia” para
encarar o sexo,
como fonte de
prazer para o
crente. É um
avanço, levando
em consideração
que, há alguns
anos, o assunto
poderia ser
considerado tabu
em muitas
igrejas. O
“boom” das
igrejas
evangélicas –
que se
multiplicam aos
montes, a cada
dia, com novas
vertentes ou
dissidências –
deve-se ao fato
de que elas – as
Igrejas – também
têm se “moldado”
ao público que
pretendem
“cativar”. Não
sei, ao certo e
com franqueza,
qual a posição
de todas as
igrejas quanto
ao uso do
preservativo
sexual, a
posição em
relação ao
aborto e a
prática sexual
(antes ou fora
do casamento).
No entanto, não
é só isso que
conta. O que
vale, no meu
entender, é a
forma de se
relacionar com o
fiel. Há, mesmo
dentro da
filosofia
católica, o
movimento
carismático,
considerado mais
ruidoso e alegre
que os demais
(dentro do
próprio
catolicismo), o
que mostra a
“adaptação” para
atender aos
anseios dos
profitentes
daquela
filosofia
religiosa. Neste
âmbito, as
evangélicas “dão
de dez a zero”
no movimento
tradicional
católico, desde
a recepção – os
“obreiros” ficam
na porta
convidando a
entrar,
recepcionando,
convidando a
conhecer a
“casa”, a
participar de
tudo etc. E
usam, neste
expediente, os
próprios jovens
que atraem
outros jovens.
Também saem às
ruas, batem de
porta em porta,
entregam
folhetinhos,
fazem abordagem
(“marcação
cerrada”) para
convencer os
“indecisos” ou
os
“insatisfeitos”
a participar das
reuniões
evangélicas.
Outra diferença
capital: todo
dia há uma
reunião
diferente: para
empresários,
para
donas-de-casa,
para a família,
para os jovens,
e assim por
diante. Não sou
deste meio, mas
entendo que em
termos de
Marketing, os
evangélicos são
muito mais
eficientes...
Por fim, os
jovens se sentem
muito mais à
vontade na
Igreja
evangélica
porque tem
banda, baile,
comida, bebida (não-alcóolica),
shows etc.
Alguns
católicos,
ultimamente, têm
seguido o mesmo
“trajeto”,
promovendo
eventos
similares. Tudo
isto em nome da
“concorrência”
da fé!
De outra sorte,
há diferentes
formas de atrair
adeptos e
simpatizantes –
ou de
preservá-los
diante das
opções
disponíveis. Uma
delas é o
chamado
engajamento
social, a
participação em
movimentos do
povo, dos
trabalhadores,
dos sem-terra,
dos excluídos
etc. A
participação
social (da
igreja) é,
assim, um
importante
elemento para
esse Marketing.
No caso do
catolicismo, as
últimas
temáticas da
Campanha da
Fraternidade têm
sido
direcionadas às
necessidades
sociais e os
problemas
vividos pela
nação
brasileira, até
com relativa
agressividade na
abordagem. Mas,
em
contrapartida,
há padres e
religiosos que
abominam a idéia
da participação
direta na
política (ou em
políticas
sociais). Tudo
depende, então,
da liderança
religiosa local
e do “rebanho”.
Há os que são
mais sensíveis a
tais apelos e há
os que prefiram
(apenas) a
homilia
tradicional.
O fiel (ou o
adepto de dada
religião) é
aquele indivíduo
que está em
constante busca
(das respostas
para suas
indagações mais
íntimas). Fui
católico até os
11 anos de
idade, apesar de
ter um avô
espírita na
família. Comecei
a fazer algumas
perguntas ao
pároco da igreja
que frequentava,
e ele, sob o
“bombardeio” de
uma criança
irrequieta,
certa feita me
respondeu: “–
Meu filho, há
mistérios que o
homem não pode
penetrar. Há
coisas que não
podemos
explicar. São
obras da fé!”.
Agradeço a este
padre até hoje.
Ele me motivou a
procurar, a
tentar encontrar
respostas
“noutro lugar”.
E o fiz,
conhecendo a
filosofia
espírita que,
para mim, tem
sido
satisfatória e
suficiente. Não
digo que ela
seja melhor do
que qualquer
outra, nem que
seja destinada a
todos. Penso
muito mais que
cada um tem o
seu “timing”,
isto é, cada um
de nós se
encontra num
patamar e num
momento muito
próprio de
despertamento.
Para uns, a
filosofia
católica basta.
Para outros, a
evangélica ou a
budista são
melhores. Para
terceiros, o
Espiritismo
(mesmo que nem
todos o
considerem como
religião, nos
moldes que esta
se estrutura em
nosso mundo)
sacia sua fome e
sede de
conhecimento
acerca do
“sobrenatural”.
Todos estão
certos, pois o
que diferencia a
compreensão
“religiosa” é a
condição
individual de
cada um de nós,
que nos sentimos
satisfeitos (ou
insatisfeitos)
conforme aquilo
que nos é
apresentado.
Conheço pessoas
que já se
consideraram
adeptos de “n”
religiões. Cada
vez que as
encontro, elas
estão em um
“templo”
diferente.
Continuam
“buscando” e,
talvez, o façam
até o fim desta
vida. O
importante é
estar bem
consigo mesmo,
com sua
consciência, ou
seja, que a
filosofia, a
homilia, a
teoria não
“agridam” seus
sentidos, sua
consciência, sua
Ética pessoal.
Hoje e sempre
penso que o
perfil do fiel
(religião ou
seita) ou adepto
(filosofia) seja
personalíssimo.
Evidentemente
que num mundo
mais “liberal”
como o nosso,
isto é, sem a
influência de
regimes ou
sistemas
despóticos,
anuladores das
liberdades
(individuais e
coletivas) e com
a possibilidade
do pluralismo
(convivência
pacífica de
tantas
filosofias e
crenças), fica
“muito mais
fácil” escolher
e
“experimentar”,
até se contentar
com uma delas.
Todas as
religiões,
assim, no meu
entender, são
válidas e
oportunas
(exceto, é
claro, aquelas
“seitas” que
visam prejudicar
uns ou outros e
que conduzam,
por exemplo, a
suicídios
coletivos, como
a história
registra) e,
neste sentido, é
preferível
“estar no
caminho” a
“sentar à beira
do caminho”...
Em que situação
você está?