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Crônicas e Artigos

Ano 4 - N° 185 - 21 de Novembro de 2010

GEBALDO JOSÉ DE SOUSA 
gebaldojose@uol.com.br
Goiânia, Goiás (Brasil)


“Uma só coisa é necessária”


"Marta
! Marta! Andas inquieta e te preocupas com muitas cousas. Entretanto, pouco é necessário, ou mesmo uma cousa; Maria, pois, escolheu a boa
parte
e esta não lhe será tirada.”
1 - Jesus – Lc., 10:41/2.
 

O destaque acima integra o relato de Lucas acerca de uma das passagens de Jesus pela aldeia de Betânia, situada a dois quilômetros a leste de Jerusalém, ao do Monte das Oliveiras. Ali hospedara-se em casa de Marta, irmã de Lázaro e Maria. Contudo, no breve episódio que ora estudamos, não referência àquele irmão, que bem podia ser um dos ouvintes.

O Mestre, cônscio de sua missão, colhia todas oportunidades, ainda que aparentemente triviais, para nos transmitir sublimes ensinos. E o Evangelista, sabiamente, registra nessa passagem significativa lição.

Naquele lar, Ele era recebido com muito carinho e real intimidade.

Provavelmente numerosa caravana acompanhava o Divino Amigo e era, assim, justa a preocupação da dona da casa, para bem atendê-los. Servir-lhes alimentos e, quem sabe, pousada, implicava, certamente, em muito trabalho.

E Marta, justamente por isso atarefada, solicitava, sem sucesso, à irmã que a auxiliasse.

Esta, indiferente aos aspectos materiais do instante, “(...) quedava-se assentada aos pés do Senhor a ouvir-lhe os ensinamentos”.

Imaginemos a cena ali vivida! Que raro e doce privilégio desfrutava Maria, nesse momento singular! As vibrações puríssimas, sublimes, que emanavam de Seu Espírito, impregnavam o modesto ambiente de plena Paz, de serena Harmonia. Somadas a elas, o magnetismo de Sua voz, de Sua amorável presença; e ouvir a Verdade que fluía, cristalina, de seus lábios! Tudo, enfim, que d’Ele emanava era, e é, doce refrigério às almas sedentas de luz. Maria rendera-se a estes suaves encantos, pois quedara-se a Seus pés. Numa entrega total, com toda sua alma, voltara-se para Ele, ouvindo-O, fascinadamente.

Natural que, sintonizada naquele clima de rara beleza, se mantivesse alheia aos apelos da irmã, ou que nem mesmo a ouvisse chamá-la, tão embevecida se encontrava! Que outra tarefa poderia ser mais urgente que ouvir-Lhe as sábias palavras, que privar de Sua breve passagem por seu lar? O essencial era ouvi-Lo. Contudo, Marta, ou porque não despertara ainda para as lições de natureza espiritual, ou por delicadeza para com o nobre hóspede e seus acompanhantes, “agitava-se de um lado para outro, ocupada em muitos serviços”.

Portava-se como a maioria de nós, na azáfama do dia-a-dia, seja na busca do ganha pão, seja mesmo nas atividades de natureza beneficente. Inquietamo-nos, desequilibramo-nos, à mercê da impaciência, de aspectos formais, de horários, de rotinas etc. — faltando as mais das vezes com a sublime virtude da Caridade, ainda que no afã de praticá-la.

Preocupada em bem servir e, quem sabe, cansada de pedir ela mesma à irmã que a ajudasse na urgente e inesperada tarefa, dirige-se, com manifesta intimidade, a Jesus, recorrendo à Sua autoridade:

– “Senhor, não te importas de que minha irmã tivesse deixado que eu ficasse a servir sozinha? Ordena-lhe, pois, que venha ajudar-me”.

Este, buscando despertá-la não para a grandeza do momento, mas também para a importância do aprendizado espiritual razão de Sua vinda entre nós –, responde-lhe, incisivo

– “Marta! Marta! Andas inquieta e te preocupas com muitas cousas. Entretanto, pouco é necessário, ou mesmo uma cousa; Maria, pois, escolheu a boa parte e esta não lhe será tirada”.

Carlos Torres Pastorino2 afirma-nos:

“...de bem pouco precisa o homem na Terra para seu sustento. As complicações e complexidades são criadas pelos desejos do próprio homem, não pela necessidade. Ora, nãorazão para preocupações desnecessárias: o essencial é pouca coisa; aliás, o essencial é apenas uma coisa: o reino de Deus.

Assim sendo, Maria é que está com a razão. Escolheu o que é bom, a “boa parte”, e esta jamais lhe será tirada. Trata-se da conquista do Espírito que, à medida da evolução, aprende a selecionar o essencial do supérfluo. (...)

Agir com as mãos, meditar com o coração. Andar com os pés do corpo, enquanto o Espírito permanece “sentado” a conversar com o Amigo Sublime. Olhar as coisas com os olhos físicos, mantendo o olhar do Espírito preso às belezas do Amor. Raciocinar com o intelecto, deixando a mente a contemplar o Amor do Amado.”

Emmanuel analisa o versículo 42 do capítulo 10 de Lucas, em dois textos. Num deles, intitulado “O Necessário3, fala da transitoriedade de todas as circunstâncias de natureza material, e assinala:

“Uma coisa é necessária’, asseverou o Mestre, em sua lição a Marta, cooperadora dedicada e ativa.

Jesus desejava dizer que, acima de tudo, compete-nos guardar, dentro de nós mesmos, uma atitude adequada, ante os desígnios do Todo-Poderoso, avançando, segundo o roteiro que nos traçou a Divina Lei. Realizado essenecessário”, cada acontecimento, cada pessoa e cada coisa se ajustarão, a nossos olhos, no lugar que lhes é próprio. Sem essa posição espiritual de sintonia com o Celeste Instrutor, é muito difícil agir alguém com proveito”.

No segundo, denominado “A Boa Parte4, recomenda-nos valorizar o lado bom que em tudo e em todos:

“Não te esqueças da “boa parte que reside em todas as criaturas e em todas as coisas. (...) Busquemos o lado melhor das situações, dos acontecimentos e das pessoas.

‘Maria escolheu a boa parte, que não lhe será tirada’ – disse-nos o Senhor.

Assimilemos a essência da divina lição.

Quem procura a ‘boa parte’ e nela se detém, recolhe no campo da vida o tesouro espiritual que jamais lhe será roubado”.

Aquele era momento raríssimo, invulgar. Naquelas circunstâncias, talvez não se repetisse jamais em suas vidas: O privilégio de receber o Divino Mestre na própria casa, privar de sua companhia, no aconchego do lar humilde! Que outro assunto é mais relevante para nossos Espíritos eternos que o do aprendizado espiritual? Qual outro sobreleva-se a ele? Enquanto não despertamos, todos os outros nos escravizam. Mas a Verdade, ao chegar, liberta-nos a pouco e pouco.

Ouvir-Lhe a excelsa mensagem! Sentir o calor de Sua presença, de Seus pensamentos sublimados! Ouvir do Mestre maior, do Espírito de Verdade, conceitos de vida, com a clareza daquele que sabe as limitações dos discípulos e, didaticamente, desce ao nível de nossa compreensão infantil.

Para se fazer compreendido, fala, quase sempre, de coisas próximas às criaturas: do sal da terra; da árvore e de seus frutos; do semeador; da candeia; do joio; do grão de mostarda; do fermento; do tesouro escondido; da pérola; da rede; da ovelha perdida; do filho pródigo; dos trabalhadores na vinha; da figueira; dos lavradores maus; das bodas; do bom e do mau servo; da porta estreita; de um senhor que distribui talentos aos servos etc.

Apreender qual seja a vontade de Deus, nosso Pai, a nosso respeito, é a “boa parte”; aquela que nos cumpre realizar. Claro que sem descurar das obrigações que a vida material nos impõe e que exigem nossa dedicação sincera.

A questão circunscreve-se, em essência, à compreensão da prioridade de cada momento. Ao distinguirmos aquilo que é mais importante fazer a cada dia, damos grande passo, no caminho da Evolução. Pois “... há tempo para todo propósito debaixo do céu...” (Eclesiastes 3-1.)

Maria bem exemplificou-nos a correta utilização do tempo, na caminhada evolutiva. Soube sintonizar, no momento preciso, a “boa parte”.

Essa a tarefa maior que nos cabe: identificar, a cada dia, qual seja a boa, perfeita vontade de Deus a nosso respeito, e buscar realizá-la, com alegria nos corações, sem nos deixarmos enlear pelos enganos do mundo.

Importa-nos, pois, seguir a Maria, sem nos escravizarmos aos apelos dominadores da Marta!

Esta a forma ideal para também recebê-Lo em nossacasa’, em nosso coração; tornando-nos, assim, discípulos dignos do Mestre a nós concedido por acréscimo da misericórdia do Pai!

 

 

Referências bibliográficas:

1. Bíblia Sagrada. Trad. João Ferreira de Almeida. Brasília: Sociedade Bíblica do Brasil, 1969;

2. PASTORINO, Carlos T. Sabedoria do Evangelho. Rio de Janeiro: Sabedoria. v. 5, 1968, 184p. p. 20.

3. XAVIER, Francisco C. Vinha de Luz, pelo Espírito Emmanuel. 6ª ed. Rio de Janeiro: FEB, 1981. 376p. p. 17, Cap. 3;

4. XAVIER, Francisco C. Fonte Viva, pelo Espírito Emmanuel. 8ª ed. Rio de Janeiro: FEB, 1979. 415p. p. 79, Cap. 32.



 


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