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Clássicos do Espiritismo
Ano 5 - N° 220 - 31 de Julho de 2011
ANGÉLICA REIS
a_reis_imortal@yahoo.com.br
Londrina, Paraná (Brasil)


O Espiritismo perante a Ciência

 Gabriel Delanne

(Parte 13)

Damos continuidade nesta edição ao estudo do livro O Espiritismo perante a Ciência, de Gabriel Delanne, conforme tradução da obra francesa Le Spiritisme devant la science, publicada originalmente em Paris em 1885.

Questões preliminares

A. Onde podemos encontrar a gênese da corrente materialista surgida no século 18?

Foi o enfraquecimento das concepções religiosas em face do avanço das pesquisas astronômicas e das ciências em geral. A concepção de Universo até então ensinada com o apoio da Igreja ruiu com os estudos de Copérnico e Galileu. Ampliaram-se os conhecimentos humanos e, com isso, o infinito descobriu os seus espaços. As estrelas não eram mais pontos brilhantes disseminados pela mão do Criador, para iluminar as noites, mas mundos imensos que rolam no vazio, sóis radiantes, que arrastam em sua corrida, através do infinito, um cortejo de planetas. O Universo inteiro ostentou diante do homem os esplendores de sua harmonia eterna, a simetria inalterável de suas transformações, sua imutabilidade, sua imensidade! Diante de tão novos espetáculos, reconheceram os homens a inanidade de suas crenças primitivas, queimaram o que haviam adorado e, levando o desdém do passado aos últimos limites, repeliram a noção de Deus e a da alma, como de entidades vetustas, sem nenhum valor objetivo. Assim se estabeleceu a corrente materialista nascida no século 18 da luta contra os abusos. (O Espiritismo  perante a Ciência, Terceira Parte, Cap. I - Provas da imortalidade da alma pela experiência.)

B. Há duas fases distintas na história do Espiritismo. Quais são elas?

A primeira compreende o período que vai do ano de 1846, data de sua aparição, até o ano de 1869, que foi o da morte de Allan Kardec. Durante esse tempo, estudou-se em toda parte o fenômeno espírita, as experiências se multiplicaram e os observadores sérios descobriram que os fatos novos eram produzidos por inteligências que viviam uma existência diferente da nossa. Dessa certeza nasceu o desejo de estudar tão curiosas manifestações, e, com documentos recolhidos em toda parte, Allan Kardec, compôs O Livro dos Espíritos e, mais tarde, O Livro dos Médiuns, que são o indispensável às pessoas desejosas de se iniciarem nessas novas práticas. O segundo período, que se estende de 1869 até os nossos dias, é caracterizado pelo movimento científico, que se voltou para as manifestações dos Espíritos. (Obra citada, Terceira Parte, Cap. I - Provas da imortalidade da alma pela experiência.)

C. Em que data ocorreram os fatos que tornaram a família Fox e Hydesville conhecidos em todo o mundo?

Foi no dia 31 de março de 1848 que se registrou a primeira conversa estabelecida nos tempos modernos entre os seres deste e do outro mundo, e com isso nascia o chamado Espiritismo moderno. (Obra citada, Terceira Parte, Cap. I - Provas da imortalidade da alma pela experiência.)

Texto para leitura

326. Braid pretendera estabelecer, por suas experiências, que o sonambulismo magnético não era determinado pela ação fluídica do operador sobre o paciente. Ele empregava irritantes físicos para produzir o sono, mas só tinha visto um lado da questão. Poder-se-ia responder-lhe, agindo com os anestésicos, que só esses agentes eram capazes de produzir o sonambulismo. Em suma, de todos esses reparos, se verifica que a alma se desprende, quando o sistema nervoso sensitivo está paralisado.

327. Cremos, portanto, bem estabelecido, que os diferentes estados do corpo humano conhecidos pelos nomes de sonambulismo natural, sonambulismo magnético, hipnotismo e estado anestésico são devidos, simplesmente, à ação de irritantes de diversas naturezas do sistema nervoso sensitivo.

328. A fascinação é o primeiro grau da ação modificadora, a letargia é um estado mais acentuado do fenômeno, o sonambulismo é a ação integral do irritante sobre o sistema nervoso e, enfim, a catalepsia é o exagero da ação irritante, o começo dos estados mórbidos.

329. Este é o lado puramente material de tais fenômenos. Os aspectos psíquicos, que se têm querido atribuir a uma superexcitação dos sentidos, são devidos ao desprendimento da alma. Enquanto não se nos tiver demonstrado que estamos em erro por outros argumentos que não os que se têm apresentado até agora, temos o direito de afirmar que a existência da alma está experimentalmente provada pelos fatos do magnetismo, do hipnotismo e da anestesia.

330. À pergunta – existe a alma? – a ciência responde talvez, os fenômenos do magnetismo, do hipnotismo e da anestesia dizem que sim, e nisso confirmam todas as deduções da filosofia e as afirmações da consciência.

331. Constrangidos, pela evidência dos fatos, a admitir uma força diretriz no homem, grande número de materialistas se refugiam em uma última negativa, sustentando que essa energia se extingue com o corpo, de que ela não era senão uma emanação. Como todas as forças físicas e químicas, dizem eles, a alma, essa resultante vital, cessa com a causa que a produz; morto o homem, está aniquilada a alma.

332. Será possível? Não seremos mais que um simples conglomerado vulgar de moléculas sem solidariedade umas com as outras? Deve desaparecer para sempre nossa individualidade cheia de amor e, do que foi um homem, não restará verdadeiramente senão um cadáver destinado a desagregar-se, lentamente, na fria noite do túmulo?

333. Temos, contudo, provas seguras da existência da alma após a morte; podemos estabelecer irrefutavelmente que estamos com a verdade, e isto com o auxílio de experiências simples, práticas, ao alcance de todos, e para cuja explicação não se faz mister um gênio transcendente. O ignorante pode, como o sábio, ter uma convicção, e esse resultado é devido a uma ciência nova – o Espiritismo.

334. A fé cega, imposta pelos padres, produziu erros e crimes sem número, contra os quais se revoltou o espírito humano, livre dos preconceitos. Ninguém encara, sem horror, as matanças dos valdenses, dos albigenses, dos camisardos. Os fanáticos que condenaram Galileu nada conheciam das maravilhas do Universo; a fé estreita e intolerante que possuíam só podia gerar a ignorância e a credulidade.

335. Os cristãos da idade média faziam mesquinha ideia de nosso Mundo, que só conheciam em parte. Consideravam-no como a base do Universo; não viam no Céu senão a morada de Deus e nas estrelas mais que pontos luminosos. Tinham, assim, estabelecido uma hierarquia grosseira, colocando o inferno no centro da Terra e o paraíso acima do Sol, de sorte que éramos o eixo de toda a criação, e fora do nosso mundículo nada existia.

336. A Astronomia, porém, veio destruir essa fabulosa concepção. Ampliaram-se os nossos conhecimentos e aos nossos olhos, enlevados, o infinito descobriu os seus espaços. As estrelas não são mais pontos brilhantes disseminados pela mão do Criador, para iluminar as noites, porém mundos imensos que rolam no vazio, sóis radiantes, que arrastam em sua corrida, através do infinito, um cortejo de planetas. A imensidade nos apareceu com suas profundezas insondáveis; sabemos que nossa Terra é parte ínfima dessa poeira de mundos que turbilhonam no éter, de sorte que as crenças baseadas em nosso orgulho apagaram-se ao sopro da realidade.

337. O Universo inteiro ostentou diante de nós os esplendores de sua harmonia eterna, a simetria inalterável de suas transformações, sua imutabilidade, sua imensidade! Diante de tão novos espetáculos, reconheceram os homens a inanidade de suas crenças primitivas, queimaram o que haviam adorado e, levando o desdém do passado aos últimos limites, repeliram a noção de Deus e a da alma, como de entidades vetustas, sem nenhum valor objetivo. Assim se estabeleceu a corrente materialista nascida no 18º século, da luta contra os abusos.

338. O homem de nossa época não quer mais crer, desconfia mesmo da razão e se refugia na experiência sensível como a única que lhe pode trazer a verdade; eis por que exige  provas positivas dos fenômenos que eram, até então, do domínio da filosofia, o que explica o pouco êxito de escritores eminentes como Ballanche, Constant Savy, Esquiros, Charles Bonnet e Jean Reynaud, que pregaram a imortalidade da alma.

339. Em nossos dias, um filósofo e sábio, Camille Flammarion, segue a rota gloriosa desses grandes homens. Este vulgarizador de gênio semeia a mancheias as ideias da palingenesia humana, e os resultados correspondem a seus nobres esforços; ele deve, porém, a fama que alcançou, mais à beleza do estilo que às ideias que emite. O espírito humano, agitado há séculos entre os mais diversos sistemas, está cansado das especulações metafísicas e se aferra à observação material como a uma tábua de salvação. Daí o grande crédito dos homens de ciência no momento atual. Eles formam uns corpos sagrados, cujos julgamentos não têm apelação. Possuem a soberba dos antigos colégios sacerdotais, sem lhes partilhar as raras virtudes, e em ambas as partes a intolerância é a mesma.

340. A maioria do povo, que só percebe o exterior das coisas, vendo os conhecimentos antigos destruídos pelos descobrimentos modernos, crê cegamente em seus novos condutores e se lança, após eles, no materialismo absoluto. Não mais se raciocina; vai-se de cabeça baixa às últimas consequências, e, porque está provado que o cérebro é a sede do pensamento, já não existe a alma; porque não se acredita mais em Jeová a pairar sobre as nuvens, Deus não passa de fabuloso mito.

341. Contra essas tendências é que o Espiritismo vem reagir. Sendo o nosso século o da demonstração material, ele apresenta ao observador imparcial fatos bem verificados, deixa de parte as teorias nebulosas, desprende-se dos dogmas e das superstições e vai apoiar-se na base inabalável da observação científica.

342. Há 50 anos que essa doutrina reapareceu no Mundo, foi submetida a críticas apaixonadas, a ataques muitas vezes desleais. Seus adeptos foram escarnecidos, ridicularizados, anatematizados; quis-se fazer deles os últimos representantes da feitiçaria; entretanto, apesar das perseguições, acham-se na hora atual mais numerosos e mais poderosos do que nunca; encontram-se, não entre os ignorantes, mas entre os esclarecidos, os escritores, os artistas, os sábios. A que é devida essa progressão formidável? Tão-só à simplicidade dos ensinos espiritistas, baseados na justiça de Deus, e, sobretudo, aos meios práticos que essa nova ciência emprega para convencer a todos da imortalidade da alma.

343. Há duas fases distintas na história do Espiritismo, que é útil assinalar. A primeira compreende o período que vai do ano de 1846, data de sua aparição, até o ano de 1869, que foi o da morte de um escritor célebre, Allan Kardec. Durante esse tempo, estudou-se em toda parte o fenômeno espírita, as experiências se multiplicaram e os observadores sérios descobriram que os fatos novos eram produzidos por inteligências que viviam uma existência diferente da nossa. Dessa certeza nasceu o desejo de estudar tão curiosas manifestações, e, com documentos recolhidos em toda parte, Allan Kardec, compôs O Livro dos Espíritos e, mais tarde, O Livro dos Médiuns, que são o indispensável às pessoas desejosas de se iniciarem nessas novas práticas.

344. O segundo período, que se estende de 1869 até os nossos dias, é caracterizado pelo movimento científico, que se voltou para as manifestações dos Espíritos. A Inglaterra, a Alemanha, a América parecem caminhar de acordo nessas pesquisas. Já os mais autorizados sábios desses países proclamam alto a realidade dos fenômenos espiritistas.

344. Passou o tempo em que se podia, a priori, repelir as nossas ideias sem lhes dar a honra de as discutir; hoje, o Espiritismo se impõe à atenção pública. É preciso que os absurdos preconceitos que o acolheram no berço desapareçam diante da realidade. É necessário saber que, longe de serem visionários, de possuírem cérebro oco, os espiritistas são observadores frios e metódicos, que só relatam os fatos bem observados.

345. A nova ciência que ensinamos não consiste, somente, no movimento de uma mesa, porque, tão grande é a distância que vai destes modestos ensaios às suas consequências, quão a maçã de Newton à gravitação universal. O Espiritismo repele o milagre com todas as forças. Faz de Deus o ideal da justiça e da ciência; diz que o Criador do Mundo, tendo estabelecido leis que exprimem seu pensamento, não pode derrogá-las, pois que elas são a obra da razão suprema e é impossível qualquer infração a essas leis.

346. A parte espiritual do homem foi desprezada pelos sábios; seus trabalhos versavam tão-só sobre o corpo e eis que os Espíritos invadem a Ciência que os havia desdenhado.

347. Narremos sucintamente como se produziram os fatos. Pancadas, de que não se podia adivinhar a causa, se fizeram ouvir pela primeira vez em 1846, na casa de um tal Veckmann, numa pequena aldeia chamada Hydesville, não longe da Arcádia, no Estado de Nova York. Nada foi desprezado para descobrir-se o autor dos ruídos misteriosos; mas tudo resultou inútil. Uma vez, também, durante a noite, a família acordou com os gritos da mais jovem das filhas, de oito anos de idade, que assegurou ter sentido qualquer coisa como uma mão que tivesse percorrido o leito e, enfim, passado sobre o seu rosto, o que se dera em muitos outros lugares em que as pancadas se fizeram ouvir.

348. Desde esse momento nada mais se manifestou, durante seis meses, quando a família deixou a casa, que passou a ser habitada por um metodista, John Fox, e sua família, composta de mulher e duas filhas. Durante três meses a família aí viveu tranquilamente; depois as pancadas recomeçaram com maior intensidade.

349. A princípio eram ruídos ligeiros, como se alguém batesse no assoalho de um dos quartos de dormir, que vibrava a cada ruído; as pessoas deitadas percebiam a vibração e a comparavam à ação produzida pela descarga de uma bateria elétrica. As pancadas se faziam ouvir sem interrupção e não era possível dormir na casa; durante toda a noite esses ruídos leves, vibrantes, manifestavam-se suavemente, mas sem cessar.

350. Fatigada, inquieta, sempre à espreita, a família decidiu-se, enfim, a chamar os vizinhos para auxiliá-la a descobrir a chave do enigma. Desde então, as pancadas misteriosas detiveram a atenção de todos. Colocavam na casa grupos de seis ou oito indivíduos, ou então saíam todos, e o agente invisível batia sempre. A 31 de março de 1848, não tendo podido a Senhora Fox e suas filhas dormir na noite precedente, já exaustas, deitaram-se, cedo, no mesmo quarto, esperando, assim, escapar às manifestações que se produziam, ordinariamente, alta noite. O Senhor Fox estava ausente. Mas as pancadas recomeçaram logo e as duas moças, despertadas pelo ruído, puseram-se a imitá-lo, fazendo estalar os dedos. Viram, com grande espanto, que as pancadas respondiam a cada estalo; então, a mais jovem, miss Kate, quis verificar este fato surpreendente: ela deu um estalo, ouviu-se uma pancada, dois, três... e o ser ou agente invisível respondia sempre com o mesmo número de pancadas. A irmã, gracejando, disse: – Agora, faça como eu, conte um, dois, três, quatro... – e batia na mão o número indicado. As pancadas se seguiram com a mesma precisão, mas, como a mais moça das meninas se alarmasse com este sinal de inteligência, ela cessou logo a experiência.

351. Disse, então, a Sra Fox: – “Conte dez” – e imediatamente dez golpes se fizeram ouvir. Ela acrescentou: – “Quer dizer a idade de minha filha Catarina?” E as pancadas indicaram o número de anos que tinha essa criança. Perguntou depois a Senhora Fox se era um ser humano o autor das pancadas. Não houve resposta. Disse ela ainda: – “Se é um espírito dê duas pancadas.” Imediatamente elas se fizeram sentir. – “Se é um espírito a quem fizeram mal, responda da mesma forma.” – E as pancadas foram ouvidas.

352. Tal foi a primeira conversa estabelecida nos tempos modernos e verificada entre os seres deste e do outro mundo. Assim chegou a Senhora Fox a saber que o Espírito que lhe respondia fora o de um homem assassinado, havia muitos anos, na casa que ela habitava; que se chamara Charles Ryan 1; que era caixeiro viajante, e tinha 31 anos de idade quando a pessoa que o hospedara o assassinou para tirar-lhe o dinheiro.

353. Os vizinhos chamados não tardaram a chegar, contando rir à custa da família Fox; mas a exatidão dos pormenores fornecidos pelas pancadas, em resposta às perguntas dirigidas ao ser invisível, sobre os negócios particulares de cada um, convenceram os mais incrédulos. Espalhou-se longe a fama desses fatos e logo vieram de toda parte sacerdotes, juízes, médicos e uma multidão de pessoas. (Continua no próximo número.) 

 

1  Para alguns autores que escreveram sobre Hydesville, como Arthur Conan Doyle, o nome mencionado pelo Espírito é Charles B. Rosma, não Charles Ryan. O fato deve ter como causa o processo adotado na comunicação então obtida, que se fez por meio de pancadas. 

 

 


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