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Crônicas e Artigos

Ano 5 - N° 220 - 31 de Julho de 2011

MARCUS VINICIUS DE AZEVEDO BRAGA
acervobraga@gmail.com
Brasília, Distrito Federal (Brasil)
 

O titular da ação


Momentos recentes da política nacional trouxeram novamente a discussão da legalização do aborto para a pauta nacional, em um contexto de polarização entre religiosos e feministas/progressistas, nos debates inflamados e até violentos, permeados por disputas eleitorais e de grupos organizados de poder, onde vários movimentos religiosos cerraram fileiras sob a questão da criminalização do aborto, como se esse já não fosse um crime desde 1940, dada a sua previsão nos artigos 124 a 126 do Código Penal, em período que ultrapassa diversas gerações e perceptíveis mudanças de costumes.

Nesses embates calorosos, observa-se que terminamos por reduzir a luta em defesa da vida somente à sua dimensão político-legislativa, que, a despeito de sua grande importância como posição conquistada, não encerra as questões subjacentes à interrupção voluntária da gravidez, que na afronta aos mecanismos legais e órgãos repressores continua a ocorrer no cotidiano da clandestinidade e na opulência das clínicas luxuosas, ou até na simplicidade de remédios caseiros oriundos dos costumes populares, em um leque de soluções imediatistas que calam a consciência no assassinato de vidas indefesas.

Assim, a discussão desse breve artigo busca romper essa lógica enviesada de que apenas a luta no campo legislativo dá conta da complexa questão da defesa da vida, pois o titular da ação desse ato abominável transita entre nós, no ambiente profissional, familiar, religioso e urbano, exigindo de nós outras estratégias nessa luta.

Recente pesquisa da Universidade de Brasília em parceria com o Instituto de pesquisa Anis, divulgada em julho de 2010, revela que uma em cada sete brasileiras entre 18 e 39 anos já realizou ao menos um aborto na vida e que, dentre o total de mulheres que declaram na pesquisa já terem feito pelo menos um aborto, 64% são casadas e 81% são mães. Foi levantado também que pouco menos de 11/12 (onze doze avos) das mulheres que fizeram aborto são católicas ou evangélicas, ainda que a pesquisa não cite os espíritas e outras denominações menos presentes percentualmente e não teça considerações sobre o nível de envolvimento dessas mulheres com a prática religiosa professada.

Números surpreendentes e ainda que venhamos a respondê-los com críticas sobre a pesquisa universitária ser de origem materialista e que podem servir de panfletagem pró-aborto, os dados ali expostos encontram eco no cotidiano percebido, inclusive em grupos de declarada fé religiosa. Curiosamente, outra pesquisa, noticiada pelo Portal IG em 5/12/2010, indica que a rejeição à ideia do aborto tem altos patamares, tanto entre religiosos (86% dos evangélicos rechaçam a ideia) como entre os que dizem não ter religião (78%).

Esses dados nos conduzem à reflexão e nos servem de alerta para a questão de que o titular da ação abortiva não é uma mulher estereotipada, materialista, andando à margem da sociedade pelas esquinas e becos. Indicam tratar-se de pessoas comuns, com famílias e com religiosidade declarada socialmente. Na dicotomia do “contra” x “a favor”, ainda que a opinião geral seja contra, na verbalização de uma luta que julgamos ser exógena, no cotidiano essas mesmas pessoas praticam o aborto.

A questão é que esse problema está inserido na sociedade, e nos incluímos nesta como espíritas, devendo em nossas ações focar esse titular da ação abortiva e as suas motivações, onde podemos citar pesquisa realizada nos EUA em 2004 que apontam, entre outras: eu não estou pronta para uma criança, eu não tenho condições financeiras, eu não quero ser mãe solteira,  eu não sou madura o suficiente para cuidar de uma criança,  um bebê iria interferir na minha educação/carreira, eu não quero que os outros saibam que eu tinha relações sexuais, meu marido/namorado/pais querem que eu aborte.

Essas injunções cotidianas refletem valores, onde o genitor e a genitora adotam essa linha de ação como solução, em um teste real de sua crença viva, o que é muito mais consistente que uma mera opinião apresentada diante dos amigos.

Nesse ponto, devemos olhar de frente a questão e refletir que, se realmente defendemos a vida, se queremos reduzir as estatísticas abortivas no país, devemos focar no titular da ação  – feminino ou masculino, este pela sua influência – para que nas horas decisivas, dos problemas do mundo concreto, ele possa agir como cristão, encontrando estofo na sua fé para não adotar a porta larga asseverada por Jesus.

Fugir dessa discussão é admitir que ela pertence ao cotidiano dos ateus-materialistas e que ela não se faz presente, de forma casuística, nas fileiras religiosas, inclusive nas nossas; e que apesar da defesa aguerrida no plano do discurso, miramos os outros de forma a ocultar a gama de conflitos da vida humana, que a prática religiosa auxilia no enfrentamento, mas não nos isenta deles, como bem nos lembrou os dados da pesquisa da Universidade de Brasília.

Assim, a discussão desse assunto nas palestras públicas, nas aulas de evangelização e nos demais círculos de estudo, não deve desconsiderar essa realidade, desse público alvo posto entre nós e não oculto nas trincheiras do mundo exterior à casa espírita, já que se trata de um problema grave, concreto e que merece enfrentamento da melhor maneira possível.

Assim, na campanha a favor da vida, na idealização do titular da ação e de suas motivações, que o levam a realizar essa intervenção dolorosa e homicida, não nos esqueçamos de olhar para a comunidade que nos cerca, promovendo a reflexão sobre o assunto em nossas casas e templos, para que a visão da questão não seja mais uma posição polarizadora em um tema polêmico, que defendemos em momentos públicos peculiares, mas sim uma postura vivida no plano real, onde Jesus e os amigos espirituais conhecem muito bem cada um de nós.  



 


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O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita