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Crônicas e Artigos

Ano 5 - N° 243 - 15 de Janeiro de 2012

MARIA ENY ROSSETINI PAIVA
menylins@terra.com.br
Lins, SP (Brasil)
 

 Sócrates, a democracia corintiana e Kardec


Em O livro dos Espíritos, Allan Kardec, na questão 878, questiona os Espíritos superiores. Indaga, com razão, se se estabelecer o direito próprio como a base do direito do semelhante não iria levar á anarquia de todos os poderes. A resposta é magistral:

“Os direitos naturais são os mesmos para todos os homens, desde o menor, até o maior. (...) De resto cada um percebe bem sua força ou sua fraqueza e saberá ter sempre uma espécie de deferência para aquele que a mereça pela sua virtude e sua sabedoria (...). A SUBORDINAÇÃO NÃO ESTARÁ COMPROMETIDA, QUANDO A AUTORIDADE FOR DADA À SABEDORIA”.

Após o desenlace do famoso Sócrates, o “doutor” que era o melhor e mais popular jogador do CORINTHIANS, time que possuía e possui a maior torcida no Estado de São Paulo, comentou-se sobre a democracia corintiana. Famosa na década de 80, a democracia corintiana foi uma experiência vencedora. Democraticamente o time se regia pelo voto de todos os jogadores, auxiliares, técnicos, massagistas e diretores. Não ficava sob as ordens e determinação do técnico e dos diretores do clube.

Ficamos pensando como pôde ser possível que um time de futebol, após a perda do título, fracassado e endividado, alterando-se a diretoria e o técnico, conseguisse tanto sucesso, tantos títulos, utilizando a democracia e a autogestão.  Votavam e decidiam pelo voto o que o time faria, quanto treinaria, em que horário viajariam, como deveriam jogar. Não apenas isso, também decidiam sobre regras da concentração, demissões, escalações, local da concentração. A experiência deu ao time o campeonato brasileiro em 1982 e 1983 e, quando deixaram o poder, além de pagarem todas as dívidas deixadas por um time perdedor, passaram o caixa com uma reserva de 3 (três) milhões de dólares. Um sucesso absoluto, além de um trabalho de relacionamento humano que vale hoje teses de mestrado.  Lamentável que nunca mais se haja tentado fazer o mesmo em outros times. A experiência impediria ou dificultaria a corrupção, o personalismo, os desmandos de toda espécie...

Em um trabalho tão altamente técnico como o futebol, quando a palavra e o trabalho do técnico parecem ser tudo, como foi possível que uma ideia tão brilhante mostrasse seu potencial e, o mais importante, sua eficiência?

Alguns podem pensar que a democracia corintiana foi apenas uma forma de protestar inteligente e pacificamente contra a ditadura militar que vinha, dois decênios, governando o Brasil e impedindo o povo de escolher seus dirigentes pelo voto direto, além de outras restrições à imprensa, à educação e à liberdade pessoal na arte e outras. No entanto, ainda que assim fosse, deu certo... A coisa funcionou. Por quê?

Se nos reportarmos às respostas dadas a Allan Kardec pelos Espíritos, talvez possamos entender por que deu certo.

Vamos ver quem eram os jogadores que auxiliaram e lideraram a democracia corintiana: Sócrates, Wladimir, Casagrande e Zenon lideravam o trabalho no time, todos eles jogadores politizados. Todos, craques reconhecidos pelo excelente futebol, ou seja, eles detinham a autoridade do conhecimento, além de pertencerem a uma época em que os jogadores de futebol vestiam a camisa dos times e não tinham ainda sido transformados em objetos de venda e consumo de times milionários. Isso significa autoridade do conhecimento e autoridade moral em termos profissionais.

O técnico, além de ser conhecedor do assunto (conhecimento), era sociólogo (conhecimento) e tinha ideais democráticos, (moral social ou, como se diz hoje, consciência da cidadania). O presidente, cujo voto tinha o mesmo valor do faxineiro do time, acreditava na gestão colegiada (visão filosófica e moral), colaborou e deixou a visão autoritária dos que acreditam que a posição de presidente lhes permite dirigir tudo, como se fossem pequenos reis.

Poderíamos perguntar: Será que a democracia corintiana poderia ser aplicada em todos os quadrantes de nossa vida? Poderíamos deixar os professores e alunos decidirem o que fazer na escola? Decidirem, junto com o diretor, o faxineiro, o inspetor de aluno, o supervisor da escola, o coordenador pedagógico, como dirigir a Escola, o que ensinar, como ensinar? A reposta é simples: Se os professores fossem craques, se o coordenador fosse, além de um técnico, um especialista em relações humanas e um idealista moralmente voltado ao humanismo, é possível que funcionasse e bem. Mas o mais importante: É PRECISO QUE HAJA UM CAMPEONATO PARA GANHAR, ou seja, é preciso que um objetivo, claro e evidente, dirija os esforços de todos e sirva para avaliar. Que todos sejam julgados pela sua competência em atingir esse objetivo estabelecido...

Uma democracia ainda que dirigida por pessoas que tenham competência e moralidade deve atingir os objetivos éticos de uma sociedade, caso contrário não será democracia.

É simples entender isso: Se os professores democraticamente utilizarem o voto para diminuir seu trabalho, para eliminar os controles, as avaliações, e estabelecer uma liberdade prazerosa, mas sem metas e responsabilidade, não haverá autogestão, nem aprendizagem. Os alunos podem também decidir como, onde e até com quem aprender, ou, ainda, como preferem ser controlados e avaliados, mas deverão realmente GANHAR AUTONOMIA, MOSTRAR COMPETÊNCIA NAS AVALIAÇÕES, CAPACIDADE EM AUTODISCIPLINA E APRENDIZAGEM REAL.

A experiência da Escola da Ponte em Portugal é vitoriosa nessa autonomia democrática, mas todos sabemos que quem estabelece as metas para avaliação e quem avalia são os professores, além da avaliação do próprio sistema, que é extremamente exigente em seus exames de competência, a que estão sujeitas as escolas particulares e públicas.

A espiritualidade superior bem respondeu a Kardec, pois a autoridade da sabedoria (moralidade e conhecimento) não compromete a subordinação aos que a possuem.


 


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O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita