A
Personalidade Humana
Fredrich
Myers
(Parte 18)
Damos
sequência ao estudo
metódico e sequencial do
livro A Personalidade
Humana, de Fredrich
W. H. Myers, cujo título
no original inglês é Human
Personality and
Its Survival of Bodily
Death.
Questões preliminares
A. Segundo Myers, a
sugestão é o único meio
de provocar a hipnose?
Sim. Depois de analisar
os diferentes processos
utilizados pelos
especialistas em
hipnose, Myers afirma
que todos eles
constituem tão-somente
maneiras diversas de
praticar a sugestão, o
que o levou a
considerar, com a escola
de Nancy, a sugestão
como único meio de
provocar a hipnose.
(A Personalidade Humana.
Capítulo V – O
hipnotismo.)
B. O estado hipnótico
facilita e torna
possível a direção
supraliminar do eu
subliminar?
Conforme o pensamento de
Myers, sim. O estado
hipnótico tem este
objetivo: facilitar e
tornar possível a
direção supraliminar do
eu subliminar. Essa
direção se exerce por
dois caminhos diferentes
e atua quer por
inibição, quer pela
dinamogenia, isto é,
reprimindo certos atos,
certas emoções e certos
estados afetivos, ou
provocando e favorecendo
outros.
(Obra citada. Capítulo V
– O hipnotismo.)
C. No tocante ao
desenvolvimento das
chamadas virtudes
pessoais, qual o
entendimento de Myers?
Segundo Myers, as
virtudes pessoais
dependem, antes de tudo,
do poder da inibição,
enquanto que a
dinamogenia se torna
necessária quando estas
virtudes têm necessidade
de ser antes estimuladas
que contidas,
aplicando-se o estímulo
aos instintos já
existentes.
(Obra citada. Capítulo V
– O hipnotismo.)
Texto para leitura
415. Certos técnicos
recorreram, para
praticar a sugestão, ao
que se chama de
estimulação monótona.
Dessa forma, Auguste
Voisin, ao se ocupar de
pessoas incapazes de
fixar sua atenção,
recorreu ao seguinte
procedimento: depois de
separar as pálpebras com
a ajuda de um
instrumento apropriado,
fazia com que fixassem a
vista durante horas
seguidas num ponto ou
num objeto qualquer, por
exemplo, uma lanterna
elétrica acesa. Os
indivíduos acabavam por
cair num estado
semicomatoso, que os
tornava extremamente
suscetíveis à sugestão.
Trata-se, neste caso, de
um antecedente
verdadeiramente
fisiológico do sono
hipnótico? Não o creio.
A excitabilidade mórbida
dos indivíduos
constituía simplesmente
um obstáculo para a
hipnose e, se tivessem
sido capazes de prestar
uma atenção suficiente à
sugestão verbal (que foi
necessária em todos os
casos), o sono hipnótico
teria sido obtido sem
estimulação monótona.
416. As estimulações
monótonas, por exemplo,
o tique-taque de um
relógio, o ruído
produzido pela hélice de
um navio, longe de serem
capazes de provocar
sempre a hipnose, na
maioria dos casos
terminam por desviar a
nossa atenção ou por nos
incomodar. O mesmo
ocorre com o embalo, que
ainda que sirva para
adormecer algumas
crianças, atua de
maneira irritante sobre
outras. Em todo o caso,
o embalo atua sobre os
centros espinais e os
canais semicirculares, e
sua ação soporífica
deve-se menos à sua
repetição monótona do
que aos movimentos
maciços do organismo.
417. Mesmo os “passes”
atuam menos como
estimulação monótona do
que como simples
sugestão e isso de
acordo com a experiência
de técnicos como Milne
Bramwell, que os
empregam sempre com
êxito. A conclusão que
se depreende de nossa
análise dos processos
que se supõe exerçam uma
ação fisiológica que
termina no sono
hipnótico, é que estes
comportamentos
constituem somente
maneiras diversas de
praticar a sugestão e
isso nos leva a
considerar, com a escola
de Nancy, a sugestão
como único meio de
provocar a hipnose.
418. Mas como e em que
condições atua a
sugestão? É evidente que
a obediência à sugestão
não pode depender da
vontade do indivíduo,
pela simples e única
razão de que se dirige a
uma região situada muito
além da região em que se
manifesta a vontade. Tal
indivíduo pode desejar
curar-se de determinada
doença, pode desejar
obedecer, mas uma
simples expressão verbal
feita por alguém de seu
desejo, quer sob a forma
de uma ordem ou um
impulso, não basta para
concretizar sua cura.
Para que o resultado
desejado se produza é
necessária a
interferência de outro
fator, que até agora não
foi suficientemente
considerado: é
necessário que a
sugestão externa se
transforme numa sugestão
vinda de dentro, isto é,
numa autossugestão, e
assim a sugestão se
converte num “apelo
eficaz ao eu
subliminar”, não só
necessariamente ao eu em
seu aspecto mais central
e unitário, mas ao menos
a uma das camadas das
faculdades subliminares
que descrevi
anteriormente.
419. Ao formular essa
definição da sugestão,
não desejo, em absoluto,
dar qualquer explicação
acerca da sua eficácia
em certos casos e de sua
ineficácia em outros.
Tudo que posso dizer é
que a maior ou menor
eficácia da sugestão não
depende, como até agora
se acreditou, desta ou
daquela diferença entre
os diversos meios de
sugestão empregados. A
ação da sugestão é
caprichosa e não se
deixa reduzir a leis;
mas encontramos a mesma
aparência arbitrária e
fortuita nos fenômenos
da desintegração da
personalidade, do gênio,
do sono, do automatismo
motor e sensorial.
Encontramo-nos ali
diante de um mistério
que é parte do mistério
relativo às relações
existentes entre o eu
subliminar e o eu
supraliminar.
420. Podemos dizer,
assim, que, tendo
descoberto o fato de que
as faculdades
subliminares encontram
seu mais completo
desenvolvimento durante
a fase do sono, devemos
esperar que a evocação
artificial dessas
faculdades seja, por sua
vez, seguida do próprio
sono. Mas é precisamente
um estado particular
semelhante ao sono que
caracteriza
principalmente a
hipnose; e ainda que as
chamadas sugestões
hipnóticas manifestem,
às vezes, seus efeitos
durante a vigília, os
maiores êxitos
terapêuticos obtidos
mediante o hipnotismo
produziram-se durante um
sono mais ou menos
profundo, um sono
compatível com
atividades mais ou menos
estranhas, mas que é
seguramente mais
profundo do que o sono
normal.
421. Eu me absterei de
seguir a Bernheim, que
assemelha o sono
hipnótico ao sono
normal. Direi, antes,
que no hipnotismo, da
mesma forma que no
êxtase, na letargia e no
sonambulismo, o eu
subliminar aparece na
superfície de um modo
que conhecemos e
substitui ao eu
supraliminar na medida
necessária para o
cumprimento de sua obra.
O caráter dessa obra já
o conhecemos, só que
aquilo que vimos, em
outras ocasiões, se
realizar
espontaneamente, se
produz então, como
resposta ao nosso
chamado.
422. As fases hipnóticas
apresentam
personalidades
secundárias ou
alternativas de um tipo
superficial e por isso
mesmo eminentemente
próprias para
mostrar-nos a que gênero
de desintegração
subliminar são devidas
as desintegrações mais
profundas da
personalidade.
423. A fase mais
profunda do sono
hipnótico poderia ser
definida como uma
adaptação científica
feita, tendo em vista um
fim definido, em cuja
disposição se
intensifica o que pode
ser útil e se afasta o
que pode constituir um
obstáculo. Nosso sono
normal é, por sua vez,
instável e incapaz de
reação; podem-nos
despertar com o espetar
de uma agulha, mas
quando nos falam não
ouvimos nem respondemos
nada, a menos que nos
desperte o ruído das
palavras. Esse é o sono
criado pelas
necessidades de nossos
temerosos antepassados.
424. O sono hipnótico é,
ao mesmo tempo, instável
e capaz de reação;
resistente às excitações
que deseja ignorar,
facilmente acessível às
chamadas a que se decide
responder. Espete-se ou
belisque-se o indivíduo
hipnotizado e, ainda que
certas camadas de sua
personalidade possam ser
em determinado ponto
conscientes do ato, não
será o sono por isso
interrompido. Mas,
quando se lhe dirige a
palavra ou se conversa
pausadamente diante
dele, ouve, por mais
profunda que seja a sua
letargia aparente. Isso
ocorre na fase inicial
do sono; numa fase mais
profunda, o eu
supraliminar
encontra-se, finalmente,
em completa liberdade e
é capaz não só de
receber, mas também de
responder. O estado
hipnótico tem por
objetivo facilitar e
tornar possível a
direção supraliminar do
eu subliminar.
425. Esta direção se
exerce por dois caminhos
diferentes e atua quer
por inibição, quer pela
dinamogenia, isto é,
reprimindo certos atos,
certas emoções e certos
estados afetivos, ou
provocando e favorecendo
outros. Dinamogenia é,
como sabemos, a
exaltação funcional dum
órgão, sob a influência
duma excitação. Nisto a
sugestão hipnótica
aproxima-se da educação,
que, igualmente, tem por
objetivo impedir nas
crianças o
desenvolvimento de
certos instintos e
hábitos reputados maus e
favorecer outros
instintos e hábitos
reputados bons.
426. Sem dúvida, o
trabalho da dinamogenia
na educação apresenta
dificuldades muito
maiores do que o da
inibição. Sabemos muito
bem o que queremos
impedir que a criança
faça; é muito mais
difícil determinar o que
deve uma boa educação
ensiná-la a fazer. A
primeira lição que lhe
inculcamos, a atenção, é
na realidade de um
alcance do qual não nos
damos conta.
Contentamo-nos,
igualmente, com o lado
negativo da lição que
consiste na inibição do
pensamento disperso; a
intensidade da atenção
assim obtida constitui
um problema à parte.
427. A educação
intelectual que a
atenção torna possível
compreende o exercício
das faculdades de
percepção, de memória e
de imaginação; mas todas
essas faculdades
frequentemente
adquiriram um grau de
intensidade
considerável, mediante a
sugestão hipnótica. Por
sua vez, a educação
moral supõe o exercício
da atenção,
principalmente na
direção emocional, tanto
mediante a inibição como
a dinamogenia.
Eliminamos os temores
mórbidos inculcando os
conceitos de valor e de
respeito próprio;
servimo-nos do “poder de
expulsão dos novos
afetos” para suprimir os
desejos indignos.
Existem numerosos
exemplos que mostram o
poder da sugestão nos
casos em que a vida
parece irremediavelmente
arruinada por alguma
preocupação obsessiva ou
algum medo irresistível.
428. As virtudes
pessoais dependem, antes
de tudo, do poder da
inibição, enquanto que a
dinamogenia se torna
necessária quando estas
virtudes têm necessidade
de ser antes estimuladas
que contidas,
aplicando-se o estímulo
aos instintos já
existentes. Cada um de
nós deseja, em maior ou
menor grau, a saúde, a
riqueza, a consideração,
o êxito. Mas, quando das
virtudes pessoais
passamos às virtudes
altruístas, não estamos
seguros de encontrar um
impulso pronto a se
desenvolver.
429. Quando se alcançou
um certo grau de
generosidade e de
afabilidade,
encontramo-nos diante de
qualidades superiores de
abnegação, de entusiasmo
pessoal etc., que
superam o alcance da
educação comum e da
sugestão hipnótica
comum. Certos dipsômanos
e morfinômanos curados
levam uma vida digna de
consideração;
alcançaram, por assim
dizer, um certo grau de
estabilidade moral; mas
é pouco provável que
sejam capazes de
manifestar virtudes
superiores.
430. Ninguém pode pedir
ao médico que lhe
proporcione a santidade;
do mesmo modo que não
pode esperar que um
homem egoísta e feliz se
transforme num homem
generoso e separado dos
bens deste mundo: esse
homem se adaptou a seu
modo ao meio em que vive
e não pede para ser
mudado profundamente.
Não é, pois, nos quartos
dos hospitais nem nos
consultórios que
encontraremos as grandes
mudanças de caráter com
relação aos fins
espirituais. Essas
mudanças não podem ser o
objetivo de experimentos
realizados a sangue
frio. Assim não se
produzem.
431. Em todos os povos e
em todas as épocas houve
conversões, mudanças e
aprimoramentos de
caráter atribuídos à
graça divina e mais
tarde veremos que sobre
esse aspecto nosso exame
dos efeitos do
hipnotismo se confunde
com as considerações
mais amplas sobre o
poder espiritual do
homem. Mas, antes de
chegar a este ponto de
vista mais amplo,
devemos passar em
revista, sucessivamente,
as diferentes formas,
tanto de inibição como
de dinamogenia, que
constituem a educação
comum desde o berço.
432. A forma mais comum
de restrição ou de
inibição consiste, como
já dissemos, nos
esforços que fazemos
para evitar que a
criança adquira “maus
hábitos”. Essas
associações mórbidas dos
centros motores, de
início agradáveis,
acabam sempre por
tornarem-se incuráveis,
até o ponto de resistir
a qualquer tratamento,
até o ponto em que um
ato aparentemente
insignificante como
chupar o dedo pode
causar graves
distúrbios.
433. Sem dúvida, os
resultados da sugestão
são os mais
inexplicáveis, nos casos
desse gênero. Em parte
alguma assistimos a tão
completa libertação,
quase momentânea, de um
costume que anos
inteiros de penosos
esforços não conseguiram
suprimir.
434. Esses casos
equidistam da
terapêutica comum e da
persuasão moral. A
importância de encontrar
aqui o meio de
tratamento mais breve e
rápido salta à vista e
não temos razão alguma
para crer que as curas
assim obtidas sejam
menos completas e mais
permanentes do que as
devidas a um esforço
moral, lento e gradual.
Não se devem perder de
vista esses fatos quando
se percorre toda a série
de efeitos hipnóticos
superiores, porque são
de natureza a nos tirar
qualquer inquietude com
relação à exclusão
possível de todo
exercício ou esforço
moral, nos casos de cura
rápida e quase
milagrosa.
435. Devemos supor que
cada um desses esforços
consiste numa
modificação de certos
grupos de centros
nervosos e precisamente
nisso o resultado que o
treinamento moral obtém
na região da consciência
é mais lento e penoso.
Entre essas duas formas
de agir existe a mesma
diferença que separa os
resultados obtidos pela
aplicação intelectual
comum dos que realiza o
homem de gênio.
436. O homem a quem se
sugeriu a “sobriedade”
pode, sem dúvida,
liberar-se de todo
esforço de paciência e
de resolução, da mesma
forma que o escolar
Gauss, que escrevia as
soluções dos problemas
enquanto estes eram
enunciados, ao invés de
ficar horas refletindo
sobre eles. Mas o
progresso moral é,
essencialmente, tão
ilimitado quanto as
ciências matemáticas e o
homem cujo caráter
sofreu, num ponto
qualquer, uma
transformação, sem que
isso lhe custasse o
menor esforço, pode
ainda encontrar na vida
ocasiões de realizar um
esforço moral, de
adestrar seu caráter e
de tomar decisões.
437. Entre os maus
hábitos aqui tratados, a
cleptomania apresenta um
interesse particular,
porque é frequente um
indivíduo sentir a
tentação de se perguntar
se este, assim chamado,
costume mórbido não
serve de desculpa para
uma simples tendência
criminosa. Todavia, os
resultados obtidos pelo
tratamento são a melhor
prova da existência de
uma enfermidade; e
certas curas mostram que
o impulso, neste caso,
se deve realmente a uma
excitabilidade mórbida
dos centros motores,
movidos por um estímulo
especial, uma ideia fixa
que tende a se
transformar,
imediatamente, em ato.
438. Certas palavras e
atos violentos
correspondem à mesma
categoria dos casos em
que o impulso de gritar
ou de golpear adquiriu a
rapidez irracional e
automática de um tic, e
só podem ser inibidos
através da sugestão, da
mesma forma que certas
aberrações sexuais.
(Continua no próximo
número.)