Mulheres e
labirintos
O objetivo da
vida é realizar
um caminho com
significado?
E quem não
aspira chegar,
em um dia
distante, àquele
campo florido
onde poderemos
residir em suave
contentamento?
Na verdade,
sabemos que a
vida, por si
mesma, não é
assim; nosso
trajeto é
frequentemente
arenoso; nosso
caminho, longo,
nebuloso. Grande
parte do tempo
estamos
desorientados,
sobrecarregados
pelos deveres
cotidianos,
sacudidos por
temores, metas
excessivas e
coisas
semelhantes. Mas
isso é tudo o
que podemos
esperar?
A relutância de
muitas crianças
em vir ao mundo
é compreensível.
Pois (re)nascer
implica cair no
intemporal na
história, e
depois de um
breve prelúdio,
somos obrigados
a tentar nos
conectar ao
mundo complexo à
nossa volta para
nos dedicarmos a
nossas tarefas
evolutivas.
A natureza do
adulto, em
consequência,
pressupõe
avançar em
direção ao
mundo, não ser
apanhado em
comportamentos
regressivos e,
ainda, em nossa
época, não se
deixar apanhar
pelas ilusões e,
quiçá, não ser
obrigado a
diariamente
escolher entre a
ansiedade ou a
sentença de uma
vida não
escolhida.
Infelizmente,
quanto mais
problemático o
ambiente no qual
somos convocados
a estagiar mais
tênue a linha
divisória entre
dias luminosos e
dias sombrios.
Contudo, uma
coisa é certa: é
a observação
continuada de
nossa realidade
(e o que
assumimos/sacrificamos)
que promove,
mesmo em
silêncio, alguma
chance de
mudança -
estrutural e
positiva - na
nossa Casa
Comum.
Em outras
palavras, quando
examinamos nosso
caminho, e
nossas
circunstâncias e
hábitos,
descobrimos que
podemos, em
razão de nosso
livre-arbítrio,
suportá-lo e/ou
aceitar/renunciar
aspectos
destrutivos
desse caminhar,
pois aquilo que
conseguimos
suportar olhar
diretamente pode
nos fazer passar
por maus
momentos, exigir
ajustes
dolorosos, mas
não mais nos
possuirá ou nos
subjugará - e,
aqui, quase
sempre de
maneira
inconsciente.
Agora, posso ir
direto ao ponto.
Vejo mais e mais
mulheres
sobrecarregadas,
feridas,
divididas.
Muitas me
procuram para
pedir ajuda
(terapêutica);
narram suas
histórias,
lamentam-se e
dizem sentir
falta de esteios
contra o oceano
da angústia que
as atormentam
quando pensam no
peso da jornada
cotidiana.
E essa angústia
faz ruído à hora
do sono,
impedindo-as
muitas vezes de
acordar com
leveza.
Muitas,
portanto, ficam
furiosas porque,
simplesmente,
querem dar conta
da casa, do
romance, dos
filhos, da
carreira... -
dar conta com
eficiência e
elegância do
projeto
"privado-anímico"...
Mas alguma
mulher mortal
pode dar conta
de tudo isso?
Sim, diriam
muitas; outras,
com ironia,
discursariam
hinos
feministas.
Eu (euzinha)
pertenço ao
grupo
minoritário do
"não", isto é:
no creo,
compañeras.
É impossível dar
conta de tudo
isso.
Algumas mulheres
se dedicam com
rigor ao mundo
do trabalho e,
bem-sucedidas,
fingem assumir o
papel de mãe e
dona de casa. E
elas fingem não
por maldade,
porém
justificadas na
ordem econômica
- é salutar
sobreviver e
sustentar seus
filhos, pois são
provedoras do
lar. Alguém
diria que estão
erradas?
Outras,
trabalhadoras,
mães e esposas,
renunciam a uma
autocrítica
honesta de que
seus filhos
passam parte
crucial de sua
infância,
especialmente o
primeiro
setênio,
assistidos por
um "cuidado
terceirizado"
(babás,
berçários,
avós). E o fazem
desse modo para
mitigar a culpa
e escapar
sutilmente de
maiores
ansiedades;
afirmam, pois,
para si mesmas
que suas
crianças ao
menos não estão
expostas cedo
demais à arena
da vida, porque
protegidas por
gente
qualificada e
experiente.
Há aquelas ainda
que renunciaram
à maioria dos
apelos da
sociedade
patriarcal e
apenas se
dedicam a um
trabalho
decente, embora
se sintam
desconfortáveis
quando o destino
lhes cobra o
desejo
inconfessável de
um
casamento-e-maternidade,
refletido na
inveja, de
imediato
tolhida, de
colegas grávidas
ou
recém-casadas.
Uma delas me
contou em tom
disfarçado: "eu
procuro me pôr a
distância de
colegas
casadas".
Sim. Às vezes um
distanciamento é
válido e para
que possamos
passar por uma
experiência
ocasional
traumática.
Contudo, quando
isso persiste e
nos afasta de
uma real
necessidade da
alma, podemos
estar a pisar em
falso e a nos
sabotar.
Alguma mulher
poderia
argumentar sobre
o peso
inegociável da
dimensão
econômica da
vida. As contas
estão aí e
exigem atenção.
E não discordo.
Então, qual é
(são) o(s)
problema(s) que
aflige(m) a
mulher de nossa
época?
Nós, mulheres,
queremos, no
geral, e segundo
os papéis
usuais, dar
conta da casa
(marido, filhos)
e do trabalho em
uma única
existência.
E quando
questiono "qual
é o problema",
retiro de forma
preventiva o
ponto de vista
anímico/espiritual,
pois quando
teríamos tempo
de refletir as
necessidades ou
um cuidado mais
profundo sobre
as urgências de
nossa alma?
Os anseios da
alma, logo,
muitas diriam (e
me dizem),
poderei
pensá-los, ou
executá-los,
“depois da minha
aposentadoria,
quando meus
filhos
crescerem,
quando eu
estiver
velhinha...",
elas me
confessam.
Não desisto, no
entanto.
É algo simples.
Não somos
supermulheres!!!!
Para viabilizar
uma existência
com menos
neuroses,
doenças e culpas
(e que irão
conosco no
momento da
grande viagem),
podemos
aceitar/assumir
o que não damos
conta. Eleger
prioridades, e
segundo nossas
necessidades
evolutivas.
Dito em outros
termos: não
damos conta da
casa-e-marido-e-filhos-e-trabalho...
Ignoramos, em
consequência, na
maior parte do
tempo, questões
emocionais,
sociais e
ambientais, pois
em que instante
do dia dar
espaço ao vazio
que dói ardido
ou, muito além,
ao potencial
político?
Sossegamos
porque
consumimos
produtos
orgânicos, e
ensinamos o
filho a não
jogar papel na
rua, pois isso é
ser solidário
com o planeta
exaurido - e
fazemos estes
sermões
educativos no
carro, quando o
levamos à
escola, pois é a
avó quem o
buscará no
portão no final
do dia. Ou o
transporte
escolar.
Não damos conta
de, além de tudo
que reclama
nossa atenção,
responder à
necessidade de
desenvolver uma
vida psicológica
rica.
A maioria de nós
consegue, às
vezes,
administrar as
necessidades do
corpo -
ginástica, ioga,
natação. Afinal,
reunimos assim
saúde e
estética,
porquanto somos
massacradas pelo
peso da
sociedade
imagética e seu
padrão de beleza
(inculcado em
nosso cérebro
desde que somos
gurias).
É urgente
assumir um fato
singelo: aceitar
que não damos
conta disso tudo
e no meio disso
tentar resgatar
a nossa alma.
O feminino não é
o masculino.
Feminino e
masculino se
completam no
mundo e apenas
juntos podem
fazer a vida ter
sentido; apenas
reunidos podem
assumir todas as
tarefas da vida
privada e
pública, sem
ignorar o
essencial da
alma humana
particular e seu
projeto
evolutivo.
O que de fato
queremos e/ou
podemos?
Apenas sinto que
(re)nascemos
mulheres e por
um propósito que
na maioria das
vezes é diluído
no contexto das
necessidades da
sociedade
materialista/hedonista...
No final,
recordemos,
somos tão-só
passantes e a
vida, sim, a
vida é breve –
dure ela trinta
ou noventa anos.