A
Personalidade Humana
Fredrich
Myers
(Parte 49)
Damos
sequência ao estudo
metódico e sequencial do
livro A Personalidade
Humana, de Fredrich
W. H. Myers, cujo título
no original inglês é Human
Personality and
Its Survival of Bodily
Death.
Questões preliminares
A. Verifica-se entre os
Espíritos – que Myers
chama de homens
desencarnados – a mesma
evolução que ocorre
entre os encarnados?
Sim. Nossa suposição é
que, enquanto os homens
encarnados evoluíram do
estado selvagem ao
civilizado, os homens
desencarnados fizeram o
mesmo. Certamente eles
se tornaram mais capazes
e ansiosos de servir-se,
nas suas comunicações
com a Terra, das leis
que presidem as relações
entre o mundo material e
o espiritual.
(A Personalidade Humana.
Capítulo X – Conclusão.)
B. Os fenômenos
transcendentais são
antigos como o homem?
Parece que sim. Sempre
devem ter existido
pontos de contato em que
as coisas invisíveis se
chocassem com as
visíveis. Sempre houve
“migrações
clarividentes”, durante
as quais o espírito do
feiticeiro ou do bruxo
distinguia coisas
distantes da terra pelo
poder incursivo do
espírito. Sempre
existiram aparições no
momento da morte,
efeitos conscientes ou
inconscientes do choque
que separa a alma do
corpo e sempre houve
assombrações quando o
espírito já desencarnado
voltava a ver, num sonho
perceptível a outros, as
cenas a que assistira
antes. Com base nesses
fenômenos
desenvolveram-se a
religião das
adivinhações, antes, e
depois a religião
cristã. As oferendas em
ouro de Creso ao oráculo
de Delfos nos
proporcionam, a favor da
clarividência de Pítias,
o único testemunho que
podemos esperar de uma
tradição que nos vem dos
primórdios da história.
(Obra citada. Capítulo X
– Conclusão.)
C. A fé é suficiente
para dirimir os grandes
paradoxos da vida?
Não. Enquanto o
pessimista pensa que os
seres sensíveis são um
erro no sistema das
coisas, o egoísta age
concorde com a máxima de
que o universo carece de
significação moral e que
cada um por si “é a
única lei indiscutível”.
“O mundo, dizem alguns,
é uma residência
imperfeita e nosso dever
é fazer o possível para
melhorá-la. Mas o que é
que nos impele a sentir
um entusiasmo religioso
por um universo no qual
um único ser esteja
condenado pela sua
sensibilidade às dores
inevitáveis?” A resposta
a esses escrúpulos
morais não pode ser
ditada apenas pela fé.
Se, com efeito,
soubéssemos que nada
existe além da vida
terrestre, seria, de
nossa parte, uma fraude
moral atribuir o poder e
a bondade à primeira
causa, pessoal ou
impessoal, de semelhante
destino. Mas se
acreditamos na
existência de uma vida
infinita, com infinitas
possibilidades de
aprimoramento humano e
de justificação divina,
então parece exato
afirmar que o universo é
ou perfeitamente bom, ou
em via de sê-lo, pois
pode transformar-se, em
parte, graças ao ardor
de nossa fé e de nossa
esperança.
(Obra citada. Esboço
provisório de uma
síntese religiosa.)
Texto para leitura
1187. O amor, que,
segundo a definição de
Sófocles, impulsiona “as
bestas, os homens e os
deuses” com idêntica
força, não é o efeito de
um impulso carnal ou de
um capricho emocional.
Pode-se, agora, melhor
definir o amor, como
fizemos com o gênio, em
termos que lhe dão um
novo sentido, mas
relacionando com os
fenômenos que
descrevemos. O gênio é
uma espécie de
clarividência exaltada,
mas não desenvolvida.
1188. A invasão
subliminar que inspira o
poeta ou o músico
dá-lhes uma profunda
percepção, porém vaga,
desse mundo invisível,
no qual o vidente ou o
médium lança um olhar
mais restrito, porém
mais exato. Da mesma
forma, o amor é uma
espécie de telepatia
exaltada, mas não
especializada, a
expressão mais simples e
universal dessa
soberania dos espíritos,
que são o fundamento da
lei da telepatia.
1189. Essa é a resposta
ao medo de outros
tempos. O medo tornou a
sociabilidade do homem
uma coisa exterior e a
solidão uma coisa
interior; fez-nos
considerar os laços que
nos unem a nossos
semelhantes como
resultado da luta pela
existência, como gerados
pelas necessidades do
poder e coesão
gregárias; e temia-se
que o amor e a virtude
desaparecessem como
haviam nascido.
1190. Essa é a resposta
aos que temem que pela
separação dos centros da
consciência estejamos
condenados a ser sempre
estranhos, quando não
hostis, uns aos outros,
que as uniões e as
sociedades sempre sejam
interesseiras e
ilusórias e o amor um
armistício momentâneo no
curso de uma guerra
infinita e inevitável.
1191. Esse medo
desaparece desde que
admitamos estarmos
unidos pela alma aos
nossos semelhantes, que
o corpo separa, mesmo
quando pareça unir, de
sorte que “jamais o
homem vive ou morre só”,
senão que, num sentido
mais amplo que o da
metáfora, “todos somos
membros uns dos outros”.
Como os átomos, como os
sóis, como as
vias-lácteas, nossos
espíritos são sistemas
de forças que vibram
continuamente sob a
dependência mútua de
suas forças atrativas.
1192. Tudo isso está
apenas esboçado; são os
primeiros contornos de
um esquema de pensamento
que demorará séculos
para se desenvolver. Mas
podemos supor que,
quando o conceito do
vínculo existente entre
as almas tenha se
enraizado, os homens
desejarão voltar ao
antigo egoísmo, ao
antigo estado de
beligerância? Não verão
que esse conhecimento
que alarga o mundo é,
por sua vez, antigo e
novo, que die
Geisterwelt ist nicht
verschlossen? Que as
revelações desse gênero
sempre existiram, mas
que agora adquirem para
nós um sentido mais
amplo, graças à ciência
mais exata dos que as
enviam e dos que as
recebem?
1193. Temos aqui,
seguramente, um conceito
mais amplo e exato do
que todos os conhecidos,
desta “educação
religiosa do mundo”,
sobre a qual os teólogos
gostavam de insistir.
Não temos necessidade
nem de “intervenção
sobrenatural”, nem de
“plano de redenção”.
Apenas temos que admitir
que o mesmo processo
expresso em nossos dias
sempre se manifestou
neste e no outro mundo.
1194. Suponhamos que,
enquanto os homens
encarnados evoluíram do
estado selvagem ao
civilizado, os homens
desencarnados fizeram o
mesmo. Suponhamos que se
tornaram mais capazes e
ansiosos de servir-se,
nas suas comunicações
com a Terra, das leis
que presidem as relações
entre o mundo material e
o espiritual.
1195. De acordo com esta
hipótese, os fenômenos
automáticos que se
produzissem não seriam
intencionalmente
modificados pelo poder
espiritual. Sempre devem
ter existido pontos de
contato em que as coisas
invisíveis se chocassem
com as visíveis. Sempre
houve “migrações
clarividentes”, durante
as quais o espírito do
feiticeiro ou do bruxo
distinguia coisas
distantes da terra pelo
poder incursivo do
espírito. Sempre
existiram aparições no
momento da morte,
efeitos conscientes ou
inconscientes do choque
que separa a alma do
corpo e sempre houve
assombrações quando o
espírito já desencarnado
voltava a ver, num sonho
perceptível a outros, as
cenas a que assistira
antes.
1196. Com base nesses
fenômenos
desenvolveram-se (para
não falar na Europa
civilizada) a religião
das adivinhações, antes,
e depois a religião
cristã. As oferendas em
ouro de Creso ao oráculo
de Delfos nos
proporcionam, a favor da
clarividência de Pítias,
o único testemunho que
podemos esperar de uma
tradição que nos vem dos
primórdios da história.
1197. Não
compreenderemos melhor o
caráter único e a
realidade da revelação
cristã, considerando-a
como o grau culminante
de uma evolução mais do
que como uma exceção,
como sendo chamada não
para destruir a lei
cósmica, senão para
completar a sua
efetivação?
1198. Pela primeira vez
na história humana
chegou do mundo
invisível uma mensagem
almejada por todos os
corações, uma mensagem
que satisfazia às
necessidades
fundamentais não só
desta época, mas das que
a seguem.
Intelectualmente essa
mensagem não podia
satisfazer todas as
épocas vindouras, em
função da evolução do
conhecimento e do poder
que devia realizar-se
quer do lado dos
espíritos encarnados,
quer dos desencarnados.
1199. Ninguém, no
momento da revelação,
suspeitava dessa
uniformidade, dessa
continuidade do Universo
que uma longa
experiência quase
transformou num axioma.
Ninguém poderia prever o
dia em que a busca de um
milagre se transformasse
na busca de uma lei
superior.
1200. Essa nova
orientação científica
não constitui, a meu
ver, privilégio
exclusivo dos habitantes
terrestres. O mundo
espiritual, como creio
ter demonstrado,
apresenta manifestações
dessa mesma índole. Mas
essas manifestações se
produzem e devem
produzir-se de acordo
com o esquema da
evolução normal. Devem
repousar na educação, na
separação do que entre
os mortais constitui
parte do invisível e
participa do mundo
imortal.
1201. O processo deve
ser rápido e contínuo de
ambos os lados.
Achamo-nos na presença
não de alguns
acontecimentos isolados
no passado (suscetíveis
de ser interpretados de
uma ou de outra forma,
mas nunca renováveis),
mas de um estado de
coisas real e que se
confunde com o mundo,
que reconhecemos com uma
clareza crescente de ano
para ano, e que se volta
numa direção cada vez
mais previsível. Esse
novo aspecto das coisas
tem necessidade de uma
nova generalização, de
uma nova disposição;
mostra-nos a
possibilidade de uma
síntese provisória da fé
religiosa que
constituirá a verdadeira
conclusão desta obra.
1202. Esboço
provisório de uma
síntese religiosa –
Tenho motivos para
esperar que não
estejamos longe de uma
síntese religiosa que,
apesar de seu caráter
provisório e rudimentar,
acabará estando mais
relacionada com as
necessidades racionais
do homem do que qualquer
das que a precederam.
Esta síntese não pode
ser obtida nem graças ao
mero domínio de uma das
religiões existentes,
nem pelo processo de
sincretismo ou de
ecletismo.
1203. A condição prévia,
necessária à sua
existência, consiste na
real aquisição, quer com
o auxílio das
descobertas, quer em
consequência de
revelações, de novos
conhecimentos,
utilizados de modo que
todas as principais
formas de pensamento
religioso possam,
através de uma expansão
e um desenvolvimento
harmonioso, formar
simples elementos
constitutivos de um todo
mais compreensível. E
acredito que, até o
presente, adquirimos
conhecimentos
suficientes para me
permitirem submeter aos
leitores as
consequências religiosas
que, a meu ver, deles
decorrem.
1204. Por isso o nosso
conceito de religião
deve ser ao mesmo tempo
profundo e claro,
conforme a definição que
demos e que é a de uma
resposta normal e sadia
do espírito humano a
tudo que conhecemos da
lei cósmica, isto é, a
todos os fenômenos
conhecidos do universo,
considerados como um
todo inteligível.
1205. Contudo, a
resposta subjetiva da
maioria dos homens a
tudo o que os rodeia
cai, com frequência, sob
o nível do verdadeiro
pensamento religioso:
espraia-se em desejos,
aprisiona-se nos
ressentimentos ou se
deforma pelos medos
supersticiosos. Não é,
pois, desses homens que
falo, senão daqueles a
quem o grande espetáculo
inspirou uma vaga
tendência à fonte de
todas as coisas, em
direção às quais o
conhecimento gerou a
meditação e os desejos
elevados.
1206. Queria ver a
ciência, depurada pela
filosofia,
transformar-se em
seguida pela religião
numa chama abrasadora;
porque, na minha
opinião, nunca seríamos
demasiadamente
religiosos. Desejo que o
universo que nos
circunda e nos
atravessa, sua energia,
sua vida, seu amor,
ilumine em nós, na
medida em que nos
submetamos a ele, o que
atribuímos à alma
universal ao dizer:
“Deus é amor”, “Deus é a
luz”.
1207. A energia
inesgotável da
benevolência onisciente
que reside na alma
universal deve
transformar-se em nós
numa adoração e numa
colaboração
entusiástica, numa
obediência ardente ao
que nossos melhores
esforços nos permitem
distinguir como o
princípio regulador, em
nós e fora de nós.
1208. Se, porém,
tivermos da religião um
ideal tão alto,
elevando-a por sobre a
cega obediência e o medo
interesseiro, até o
ponto de tornar a
submissão a ela
inteiramente voluntária,
e de limitar suas
exigências a respostas
essencialmente
espirituais, temos o
direito de nos perguntar
se é justo e razoável
ser religioso,
considerar com uma
devoção tão completa um
universo aparentemente
incompleto e
irresponsável em um
princípio regulador que
tantos ignoram ou
colocam em dúvida.
1209. O pessimista é da
opinião de que os seres
sensíveis são um erro no
sistema das coisas. O
egoísta age concorde com
a máxima de que o
universo carece de
significação moral e que
cada um por si “é a
única lei indiscutível”.
1210. Atrevo-me a pensar
que da resposta ao
pessimista e ao egoísta
se depreende o ideal de
nossos novos
conhecimentos. Persiste,
é certo, uma dificuldade
mais sutil, que as almas
generosas sentem
instintivamente. “O
mundo, dizem essas
pessoas, é uma
residência imperfeita e
nosso dever é fazer o
possível para
melhorá-la. Mas o que é
que nos impele a sentir
(e a fração mínima de
nossa felicidade pessoal
justifica um sentimento
semelhante) um
entusiasmo religioso por
um universo no qual um
único ser esteja
condenado pela sua
sensibilidade às dores
inevitáveis?
1211. A resposta a esses
escrúpulos morais não
pode, em grande parte,
ser ditada pela fé. Se,
com efeito, soubéssemos
que nada existe além da
vida terrestre, ou (o
que é pior) que esta
vida só supôs
infindáveis sofrimentos
a uma só alma, seria, de
nossa parte, uma fraude
moral atribuir o poder e
a bondade à primeira
causa, pessoal ou
impessoal, de semelhante
destino.
1212. Mas se
acreditássemos na
existência de uma vida
infinita, com infinitas
possibilidades de
aprimoramento humano e
de justificação divina,
então parece exato
afirmar que o universo é
(de um modo que nos
escapa) ou perfeitamente
bom, ou em via de sê-lo,
pois pode
transformar-se, em
parte, graças ao ardor
de nossa fé e de nossa
esperança.
1213. Nada mais faço do
que mencionar estas
dificuldades do início;
e não insistirei sobre
elas. Falo aos homens
decididos, em virtude de
seu instinto ou de sua
razão, a serem
religiosos, a
aproximarem-se com uma
veneração devota a um
Poder e a um Amor
infinitos. Nosso desejo
é, simplesmente,
encontrar o meio menos
indigno de pensar em
coisas que,
necessariamente, estão
além de nosso pensamento
finito.
(Continua no próximo
número.)