Mas o que foi
que eu fiz?
Antes, rostos
simpáticos,
serenos. Depois,
não mais
semblantes
aprazíveis,
risos
contrafeitos; a
desconfiança, o
constrangimento,
o silêncio...
“Alguém me diga,
por favor, o que
foi que eu fiz?”
– pergunta o
aflito a si
mesmo e aos mais
próximos, pela
dúvida que lhe
consome as
energias.
Angustiosa
incerteza o faz
bater
inutilmente de
porta em porta,
na esperança de
sair desse
impasse, um
pesadelo em
claro.
Indefeso, o
indivíduo deseja
desesperadamente
saber quem,
quando e onde
tudo começou, e
diversos são os
efeitos das
pedradas
silenciosas do
falso juízo: a
tristeza do
encontro ou do
reencontro
malsucedido; a
vã espera; os
esforços
malogrados; a
ingratidão
daqueles com
quem mais se
contava, que, em
momento difícil,
renunciaram sem
nenhuma
explicação ou
com evasivas e
monossílabos; a
indiferença; a
ideia ou a
palavra
distorcida, e
outras possíveis
adversidades.
Calúnia: ato de
covardia,
doloroso golpe
traiçoeiro,
transe difícil
de vencer.
Trata-se de uma
imputação
injusta, de
incriminação
desairosa. Da
calúnia se serve
a inveja, base
do ciúme e, por
consequência, do
despeito,
desacreditando,
desmerecendo,
expondo
lesivamente ao
repúdio público
instituições,
pessoas
encarnadas ou
desencarnadas. A
calúnia nasce em
geral da
incapacidade de
se obter algo,
de algum
fracasso, da
vitória, do bom
êxito de um
desafeto.
Em nosso
parecer, a
calúnia pode ser
provocada pela
inveja
complexada, pela
inveja rancorosa
ou pelo medo da
responsabilidade
da ação ou da
omissão
prejudicial
reprovável, que
constitui crime.
O caluniador
pode valer-se de
um telefonema,
de um texto, de
um desenho ou de
uma foto, da
correspondência
eletrônica
(e-mail), de
salas de
bate-papo, de
blogs, de sites,
enfim, de toda
mídia ao
alcance. Ao
lançar mão dos
mencionados
recursos, ele
compartirá
informações,
opiniões com
indivíduos
parciais, ávidos
pela cata de
infâmias e
torpezas.
Aqueles que
sabem da
calúnia, e nada
fazem segundo o
direito e melhor
consciência,
preferindo
omitir-se ou
admiti-la,
colaboram da
mesma forma com
a corrente
maligna de
caluniadores e
seus objetivos
criminosos.
Medíocres
versus gênio
Caluniadores
sempre
existiram,
provavelmente,
desde que o
homem principiou
a viver em
bando. Muitos
chegaram a
sucumbir,
maltratados
pelas farpas da
acusação
desonrosa.
Diga-se a
propósito, o
filósofo e
escritor
Jonathan Swift
(1667/1745)
afirmou que, ao
aparecer um
verdadeiro gênio
no mundo, é
reconhecido de
imediato por
este sinal: os
medíocres
unem-se contra
ele — e dizemos
nós, sobretudo,
se esse sábio
expõe princípios
novos, ou a
origem de algo,
ou provas da
sequência de
estados de algum
sistema que se
transforme, de
conhecimentos
que impliquem
leis e regras
desconhecidas,
enigmáticas.
Um erudito
oferece a
proposição que
transcende os
limites da
experiência
possível. Surgem
logo opositores
gratuitos,
despeitados que,
além de
divergirem,
deturpam os
fatos com
sofismas,
externando-se
sem comedimento.
Dignos de fé
pela maioria e
aplaudidos por
ela, opinam
acerca de alguma
matéria,
apresentando-se
como peritos em
uma atividade
específica ou em
certas
disciplinas.
Cheios de si,
não raro, seus
pontos de vista
tendem para o
achismo,
refertos de
equívocos e
insinuações
satíricas,
preconceituosas,
presos a ideias
que tenaz e
exclusivamente
veem sob um
único anglo da
ótica
particular.
Até os dias de
hoje, muitos não
se curvam diante
dos fatos
espirituais em
relação ao mundo
físico. Um
ilustre pedagogo
e
livre-pensador,
da cidade de
Lyon, França, no
seu tempo,
século 19,
experimentou
grandes
dissabores por
conta da
intransigência
despeitada.
Falamos de Allan
Kardec,
pseudônimo do
professor
Denizard
Hippolyte Léon
Rivail
(1804/1869).
Diversas foram
as rejeições aos
princípios por
ele esposados.
Não tendo mais
como refutá-los,
os adversários
fizeram Kardec
suportar-lhes o
ódio através de
libelos infames.
Além de
suspeitas e
calúnias sobre
si dos inimigos
do Espiritismo,
ele as sofreu
também dos
confrades da
Sociedade
Parisiense de
Estudos
Espíritas.
Aliás, no tempo
do Codificador
do Espiritismo,
todo tipo de
ofensa à honra
era resolvido de
modo extremado e
funesto: pelo
duelo. Duelos
constam do
século 13 ao
século 19,
postos em uso na
França e em
outros cantos da
Europa, no
Oriente Próximo
e nas Américas.
Em pleno século
20, por incrível
que pareça, no
Uruguai,
mantiveram essa
prática
legalizada em
legislação
própria até a
década de 1980.
Na Parte
Especial do
Código Penal
Brasileiro,
capítulo V,
título I,
calúnia é crime
contra a honra.
Mas, em nossa
jurisprudência,
distingue-se
calúnia (artigo
138) de
difamação (art.
139) e de
injúria (art.
140). O ilustre
acadêmico de
Direito, Ricardo
Canguçu Barroso
de Queiroz1,
explicou que,
enquanto a
calúnia consiste
em atribuir
falsamente a
alguém a culpa
pela prática de
um fato
específico,
definido como
crime, a
difamação
consiste em
atribuir-lhe
fato
determinado,
ofensivo ao seu
crédito; já a
injúria, por sua
vez, funda-se no
ato de imputar
cunho negativo,
ofensivo à sua
dignidade ou ao
decoro.
Seja como for,
da calúnia,
decorrência da
inveja, resulta
todo tipo de
descrédito e
agravo à pessoa
humana; por
sinal, “a inveja
é obra dos que
não sabem
admirar”, já
dissera um
pensador. E não
nos esqueçamos
destes dois
monstros
devoradores de
todas as
inteligências,
fonte de todas
as misérias
terrenas, móbeis
das más paixões:
o orgulho e o
egoísmo.
Portanto, a
inveja é do
orgulho e
egoísmo seu
instrumento de
ataque e, a
calúnia, a sua
munição.
Outras
vítimas
Eis um rol de
espíritas
alvejados pelos
projéteis da
calúnia:
Olympio Teles de
Menezes
(1825/1893),
vítima de
maldosos
comentários, o
pioneiro do
Espiritismo no
Brasil e da
imprensa
espírita
brasileira,
fundador do
jornal O Echo d'Além-Túmulo;
Dr. Bezerra de
Menezes
(1831/1900),
acusado, segundo
alguns
espíritas, de
valer-se da
Federação
Espírita
Brasileira para
mais facilmente
alcançar um
cargo político;
Anália Franco
(1856/1919),
exemplar
educadora
caluniada com
ditos infames,
tachada de
“mulher
perigosa” e de
“causadora de
escândalos”,
conforme
acusação de
católicos
romanos
escravocratas e
monarquistas;
Cairbar Schutel
(1868/1938), o
fundador de O
Clarim, vitimado
também por
dissabores,
sobretudo,
promovidos por
um vigário
católico
despótico e
intolerante que
tencionava
impedir o
funcionamento do
Centro Espírita
Amantes da
Pobreza;
Eurípedes
Barsanulfo
(1880/1918),
incriminado de
exercer
ilegalmente a
medicina, ainda
que cumpridas as
condições para o
desempenho da
profissão afora
outras
descabidas e
injuriosas
denúncias;
Francisco
Cândido Xavier
(1910/2002),
ofendido muitas
vezes por
calúnias e
ofensas à sua
honra,
especialmente
proferidas por
vigários
católicos e
evangélicos, por
jornalistas, e
até (não se
admire de novo!)
por certos
espíritas;
Aparecida
Conceição
Ferreira
(1914/2009),
acusada de
valer-se para
proveito próprio
das doações e
das esmolas que
ela mesma
mendigava em
favor dos
portadores do
pênfigo
foliáceo,
perambulando por
ruas e ruas,
inclusive pelo
Viaduto do Chá,
centro da
capital
paulista, tendo
algumas vezes
sido presa por
vadiagem, uma
heroína que, com
as doações e
esmolas que
conseguia,
construiu um
hospital para
amorosamente
assistir aqueles
enfermos, o
Hospital do Fogo
Selvagem;
Divaldo Pereira
Franco (1927),
no meu entender
a personalidade
mais sábia e
culta de nossos
dias, além de
extraordinário
médium e
tribuno, contra
ele foram
desfechadas
calúnias,
desconfianças,
pareceres
desfavoráveis,
destacando-se a
denúncia de
plagiador, mais
um herói da boa
vontade e do
Bem, que encerra
esta lista de
verdadeiros
amigos e amigas
do Mestre
Jesus.
Invejosos,
caluniadores
traiçoeiros e
ingratos, dentro
ou fora do
âmbito espírita,
sempre existiram
e sempre
existirão.
Lembremos de que
ao próprio
Mestre impuseram
suplícios
infames sob o
bombardeio da
calúnia; mesmo
assim, fez o que
até hoje Ele nos
recomenda
através das
mensagens dos
bons Espíritos:
amar os
inimigos,
pagar-lhes o mal
com o bem,
orando por eles,
principalmente,
silenciando,
servindo sem
esmorecer, o
único meio de
defesa contra as
tramas da
falsidade.
“É necessário
que haja
escândalos (...)
Mas ai do mundo
por que venham
os escândalos”,
preveniu o
amorável Mestre,
ou seja,
seguimentos de
todas as
imperfeições
humanas, de todo
mau ato de
indivíduo para
indivíduo,
repercutam ou
não.2
“Com a medida
com que se mede,
seremos também
medidos”,
asseverou o
Excelso
Instrutor.
Pensemos nisto
hoje para não
chorarmos
amanhã. E
atenção!!! Esse
amanhã pode ser
já, já...
Notas:
1. Acessado em:
21 de maio de
2010, às 9h30.
Disponível em:
<http://www.advogado.adv.br/artigos/2000/barroso/caldifaminjuria.htm>.
2. KARDEC,
Allan. O
Evangelho
segundo o
Espiritismo.
Trad. Herculano
Pires. 62. ed.
São Paulo: Lake
— Livraria Allan
Kardec Editora,
2001. Cap. 8,
item 11, p. 121.
*
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Pensamento&Espiritualidade:
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