CHRISTINA NUNES
cfqsda@yahoo.com.br
Rio de Janeiro,
RJ (Brasil)
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Médiuns de ontem
e de hoje
Na excelente
obra Os
Cátaros e a
Heresia
Católica,
Hermínio Miranda
discorre
detalhadamente a
respeito das
características
da linda
sociedade
cristã, cátara,
que floresceu na
região do
Languedoc, no
sul da França,
nos idos do
século XIII.
Considerada
herética pela
Igreja Católica,
em razão de
afrontar
resolutamente
dogmas já
pétreos, através
dos quais se via
o legado
espiritual de
Jesus para o
mundo
completamente
distorcido.
Dentre as
convicções de
vanguarda
defendidas pelos
crentes cátaros
existia, já, a
da evolução do
Espírito ao
longo das vidas
sucessivas, e
também tratavam
sobre as
ocorrências
mediúnicas que,
para aquele povo
simples dos
séculos XII e
XIII, se
constituíam não
mais do que em
fatos comuns,
com os quais
lidavam com
naturalidade, e
dos quais
falavam
naturalmente
para as suas
crianças.
Viram-se, assim,
em apuros, na
conjuntura
delicada do
momento
histórico no
qual começaram a
ameaçar o
poderio
religioso e
político da
Igreja, ao passo
em que iam
amealhando
crescente
simpatia em
regiões várias
da Europa. E,
com a investida
das Cruzadas
Albigenses e, em
sequência,
encurralados
pela Inquisição
em tempos
imediatamente
posteriores,
quis o poder do
clero extinguir,
decidida e
definitivamente,
aquele povo e
suas ideias mais
fiéis aos
verdadeiros
ensinamentos de
Jesus –
respeitando como
iguais as
mulheres e a
liberdade de
pensamento,
refutando
duramente a
pompa das
hierarquias
sacerdotais e
vários de seus
dogmas centrais,
e, sobretudo,
falando
abertamente de
mediunidade e
reencarnação, um
conceito em
absoluto
renegado pelo
Alto Clero nos
postulados da
doutrina cristã,
nada embora
tivesse o
próprio Cristo
discorrido sobre
ele com
naturalidade, ao
longo de sua
missão
sacrificial.
A obra de
Hermínio Miranda
trata com
brilhantismo
ímpar do tema,
e, em seu
conteúdo, nos
oferece a
narração de um
caso
interessante,
que ilustra aos
espíritas atuais
que a realidade
do dom
mediunidade é
atributo comum
ao ser humano de
hoje como em
todo tempo
histórico,
indistintamente.
Narra o caso de
Arnaud Gélis, um
personagem
peculiar do
começo do século
XIV que,
naqueles tempos
difíceis de
martírios, era
médium confesso.
Submetido ao
cerco férreo da
Inquisição, no
entanto,
continuou agindo
e falando não
mais do que do
mesmo modo
natural,
espontâneo,
sincero, sobre a
sua convivência
diária com os
Espíritos, que
diante dele se
materializavam e
conversavam,
sem-cerimônia,
provenientes das
mais
disparatadas
situações
sociais; dotados
de variegadas
características
individuais, de
personalidade,
temperamentos e,
mesmo,
vestimentas –
para profunda
ira de seu
inquisidor,
Jacques Fournier,
bispo de Pamiers,
e, aliás, futuro
papa, resoluto
em atribuir
heresia a todo
aquele que
afrontasse a
prepotência
Católica em
definir o que,
ao ser humano
comum, deveria
ser considerado
como expressão
da verdade no
que se referia
ao que os
postulados
religiosos
queriam outorgar
ditatorialmente,
para melhor
manutenção do
poder temporal e
de domínio e
manipulação das
consciências do
mundo.
Todavia, não
havia como
Arnaud não se
comportar, à
compreensão
despótica do
inquisidor, como
um continuador
encarniçado da
já secular
heresia cátara,
se bem não fosse
ele,
faticamente, um
seguidor do
catarismo - e
não há, a esta
altura, no
século XXI, um
modo de
descartarmos
esta hipótese.
Arnaud fora
iniciado nas
suas práticas
mediúnicas,
conforme nos
elucida Hermínio
Miranda com base
em seus estudos
históricos,
justamente sob a
batuta de um
cônego da
catedral de
Pamiers, Hugues
de Dufort, por
volta de 1311 ou
1312. Fora a
orientação do
Espírito de um
cônego, assim,
que levara Gélis
a assumir a sua
então tida como
“macabra”
atividade de
comunicação com
os defuntos.
(1)
Textualmente,
Miranda nos diz,
às fls. 184 de
sua obra:
“Gélis não
tinha culpa de
ser médium. Os
Espíritos que
ele via e com os
quais conversava
e dos quais
recebia recados
a serem
transmitidos aos
vivos eram uma
realidade
indiscutível. A
realidade que
Gélis
testemunhava não
conferia com a
que a Igreja
adotara e
impunha. Para o
chamado
Cristianismo de
então – e que
perdura até hoje
– as almas dos
‘mortos’ têm que
ficar quietinhas
nos seus túmulos
até o dia mágico
da ressurreição
da carne, quando
então lhes seria
dada a
destinação
final. Ainda que
isto fosse
admissível para
as que tenham
ido parar no
purgatório, não
se aplicaria a
mesma norma para
as que teriam
ido para o céu
ou para o
inferno. Já não
são, estas,
destinações
definitivas?
Ademais, as
almas pareciam
ignorar os
dogmas e as
proibições e
continuavam a se
manifestar ao
pobre médium.
Para a desgraça
de Gélis, ele as
via por toda
parte e com elas
se entendia. Os
sacerdotes
mortos, por mais
elevadas que
tenham sido suas
posições
hierárquicas no
mundo dos vivos
– bispos e até
arcebispos – não
estavam no céu,
e sim
perambulando
pelos lugares
ermos,
obviamente
infelizes,
perdidos, sem
rumo nem destino
(...)”.
Mas não era só
Dufort que se
apresentava aos
colóquios com
Gélis, mas
“muitos outros
veneráveis
cônegos, como
Hugues de Ros,
Athon d’Unzent,
Pierre Durand. O
cenário em que
se manifestavam
era aquele mesmo
que frequentaram
enquanto ‘vivos’
– o claustro dos
mosteiros ou as
igrejas ou as
igrejas às quais
estavam ligados
(...). Os
mortos, segundo
Gélis, sentiam
frio no inverno
e tinham sede no
verão. (...)”
(2)
Hermínio
menciona em
parágrafos
posteriores que,
segundo o
conteúdo da obra
de Christian
Bernadac,
estudioso
histórico,
inclusive,
simpático à
causa e às
interpretações
católicas
distorcidas do
catarismo, na
qual encontramos
a descrição
desses registros
inquisitoriais,
Arnaud Gélis não
seria
considerado um
mal-intencionado
ou fraudador
consciente - mas
visionário
alucinado! Um
pobre infeliz,
autoiludido,
crente nas
próprias
fantasias,
provavelmente,
induzidas pelas
influências do
diabo. Muito
provavelmente,
padecendo de
distúrbios
mentais!
Ora, amigo
leitor e
leitora, onde, e
em quantas
vezes, nos
tempos atuais,
já vimos a
repetição da
mesma história?
De vez que, em
muitos quesitos
importantes,
vitais mesmo, os
dogmas cristãos
em nada se
modificaram, e
em se observando
a trajetória
daqueles que
hoje em dia,
guardadas as
semelhanças de
compreensão
destas
realidades da
vida, bem
poderiam ser
tachados de
neocátaros, em
quantos
episódios não
soubemos de
semelhante
perseguição
desfechada por
pessoas que
apenas se
transferiram de
séculos,
repetindo, nem
mais nem menos,
do que as mesmas
vivências
infortunadas
contra Arnaud
Gélis?
Descartando a
bem-vinda
circunstância de
não mais haver
tribunais
inquisitoriais –
hoje travestidos
para modalidades
mais sutis de
repressão,
diluídos na
sociedade –,
quantos casos
semelhantes já
não nos chegaram
ao conhecimento,
ou foram
duramente
experimentados
por aqueles de
nós de dentro do
Movimento
Espírita? Fatos
lamentáveis
havidos com
médiuns de todas
as esferas de
ação, ou com
aqueles cujas
atividades são
de maior
expressão
pública, como
Chico Xavier ou
Divaldo Franco,
ilustram, ainda
hoje, a
intolerância, a
brutal
incompreensão
originada na
ignorância mais
absoluta da
realidade destes
acontecimentos
comuns de
interatividade
entre habitantes
das esferas
corpóreas e
incorpóreas!
O ‘nunca ninguém
voltou para
contar como é’,
para nossa
profunda
perplexidade,
ainda impera em
milhares de
mentalidades e
corações
mal-informados
sobre o que vige
nas leis
imutáveis do
Criador para a
destinação de
todas as
criaturas.
Resultado de
séculos
malfadados de
adulteração da
verdade maior e
definitiva pelas
religiões
institucionalizadas,
para favorecer
interesses
temporais de
poder e
dominação das
consciências
reencarnadas no
mundo em lento
processo de
avanço
espiritual,
eis-nos, ainda,
médiuns atuantes
de maior ou
menor expressão
pública, às
voltas com a
cegueira das
reações das
massas para com
aquilo que
constitui não
mais do que
manifestação
cotidiana de uma
lei natural –
apenas que ainda
mal compreendida
pelas
mentalidades
adormecidas e
pela ciência
renitente nos
paradigmas
obsoletos para a
aferição do
funcionamento
dos mecanismos
maiores que
regem a vida no
universo.
Não haveria,
pois, naqueles
tempos, como
Arnaud Gélis
agir de modo
diverso da
sinceridade
cristalina com
que lidava com a
simples
expressão
pessoal da
realidade diária
de sua
convivência
multidimensional
– como hoje,
também, não há
outro caminho,
mais honesto,
mais reto, aos
médiuns
contemporâneos,
do que resistir
bravamente à
ainda opressora
resistência dos
investimentos de
interesse ou das
limitações
individuais para
se aceitar
pacificamente o
que simplesmente
não podemos mais
negar ou
rejeitar, em
detrimento de
uma verdade mais
ampla das
coisas.
É, pois, finda a
era de se
favorecer
mentiras que não
merecem
prevalecer por
mais tempo, num
mundo que, com
atraso, deve
deixar para trás
o lastimável
estado de
quarentena
cósmica causada
pela resistência
do ser humano em
avançar
espiritualmente,
não nos
permitindo,
assim, a bênção
de nos
colocarmos em
situação de
cidadãos
universais, em
coexistência
pacífica com os
habitantes dos
muitos mundos e
dimensões das
mais variadas
expressões
vitais
espalhados pelo
infinito.
É o exigível,
para a
consolidação de
uma humanidade
menos egoísta e
mais responsável
em bases
meritórias de
responsabilidade
própria, por um
futuro de maior
felicidade,
harmonia e
entendimento,
com avanços
significativos
em todos os
níveis de
convivência que
haverão de
transportar a
Terra, de fato,
para o estágio
mais grato de
planeta de
regeneração.
(1)
Hermínio Miranda
– Os Cátaros
e a Heresia
Católica –
Ed. Lachâtre –
Capítulo Uma
Reformatação do
Catolicismo
– pág. 184.
(2)
Hermínio Miranda
– Os Cátaros
e a Heresia
Católica –
Ed. Lachâtre –
Uma
Reformatação do
Catolicismo
– pág. 184 e
seguintes.