MARCELO TEIXEIRA
maltemtx@uol.com.br
Petrópolis, RJ (Brasil)
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Os adultecentes
Não, leitor, não é um
erro de digitação. Não
me enganei ao digitar a
palavra adolescente.
Você já vai entender de
onde vem a palavra que
dá título a este
capítulo.
Como bom leitor, estou
sempre com um livro à
mão, seja ele espírita
ou não. Digo isso porque
conheço espírita que se
vangloria de só ler
livro espírita. E também
se vangloria de só ir ao
cinema ou teatro quando
a temática é espírita. E
também só assiste a
programas de TV
(novelas,
jornalísticos...) se o
tema for espírita. A
eles, meus pêsames.
Estão perdendo a
oportunidade de travar
conhecimento com ideias
riquíssimas que marcam
nosso tempo. Não
entenderam que a
Doutrina Espírita existe
para libertar
consciências, para
conectar o homem com a
atualidade, a fim de que
ela seja enxergada sob a
ótica da imortalidade da
alma, e não para criar
um bando de chatos
sectários.
Um livro que muito me
impactou e cuja leitura
recomendo chama-se
Consumido – Como o
Mercado Corrompe
Crianças, Infantiliza
Adultos e Engole
Cidadãos, do
cientista político
norte-americano Benjamin
Barber.
Que vivemos numa
sociedade de consumo,
todos sabem. E que
precisamos consumir para
tocar nossas vidas,
gerar riqueza e fazer a
roda da economia girar,
todos sabem também. Mas
o autor, em plena
consonância com os
postulados espíritas,
condena o consumismo, ou
seja, o exagero, e
mostra como essa sanha
por ir às compras e ter
bens para ser alguém
transformou crianças em
adultos consumidores
precoces e infantilizou
adultos. Complicado?
Explico: o mercado quer
que as crianças cresçam
logo para que se tornem
adultos infantilizados
que irão consumir com o
próprio dinheiro toda
sorte de produtos:
tênis, camisetas, bonés,
pizzas, refrigerantes...
Daí o termo adultecente
(o adulto que se porta
como eterno adolescente)
em português; kidult em
inglês.
Um dos capítulos fala
sobre como essa
infantilização vem
fazendo as pessoas
preferirem o fácil em
vez do difícil. Como
assim? Não é melhor
optar por um método mais
fácil de executar uma
tarefa? Claro que é.
Quanto mais meios
encontrarmos para
facilitar nossa vida,
melhor. Mas não é disso
que Benjamin Barber
trata. Nas palavras do
autor, “Fácil versus
difícil atua como um
padrão para grande parte
do que distingue o
infantil do adulto
(...). Fácil no reino da
felicidade supõe que os
prazeres simples
triunfam sobre os
complexos, enquanto os
líderes espirituais e
morais em geral dizem o
contrário”.
Quem estuda a Doutrina
Espírita sabe que não é
fácil deixarmos de lado
vícios morais e
comportamentais e
abraçar novos hábitos,
adquirir virtudes. Tanto
não é fácil que não dá
para fazer isso em uma
só encarnação. Por isso,
voltamos várias vezes.
Mas, por imaturidade,
por infantilidade, muita
gente opta por religiões
que oferecem o céu num
simples estalar de
dedos. Afinal, é mais
fácil arrepender-se dos
pecados e garantir desde
já um lugar ao lado de
Jesus do que reencarnar
várias vezes, burilar o
caráter, perdoar
inimigos, disciplinar a
vontade... É complicado
e leva tempo. E isso eu
é que estou dizendo.
Trouxe o raciocínio dele
para dentro do
pensamento espírita.
Para termos ideia de
como os adultos andam
infantilizados,
adultecentes mesmo,
vejamos o que o Benjamin
Barber observa mais
sobre o assunto:
“A nossa sociedade
recompensa o fácil e
penaliza o difícil.
Promete lucros na vida
àqueles que cortam
caminho e simplificam o
complexo a cada
oportunidade. Perca peso
sem fazer exercícios,
case sem se comprometer,
aprenda a pintar ou
tocar piano com um
manual, sem prática ou
disciplina, adquira
‘diplomas de faculdade’
pela internet sem curso
de aprendizagem ou
trabalho, faça sucesso
como atleta usando
esteroides e chamando a
atenção para as suas
jogadas. (...) Como é
mais fácil bater
recordes nos esportes e
conquistar a fama como
atleta com esteroides do
que sem eles! (...) Como
é mais fácil mentir
sobre o uso de drogas
quando interrogado do
que confessar a verdade!
(...) Estudantes também
acham fácil e totalmente
justificável colar em
provas e plagiar
trabalhos escolares.
(...) O fato de metade
dos casamentos terminar
em divórcio tem pelo
menos alguma coisa a ver
com as atitudes
narcisicamente pueris e
irresponsáveis que as
pessoas levam para o
casamento e para o
divórcio e, é claro,
para os filhos que seus
casamentos produzem.
(...) mais fácil
assistir à TV, onde a
imaginação é mais
passiva, do que ler
livros, onde a
imaginação é mais ativa;
mais fácil masturbar-se
do que estabelecer
relacionamentos dentro
dos quais a sexualidade
recíproca e a
sensualidade
interpessoal são
componentes saudáveis;
mais fácil manter um
relacionamento sexual
arbitrário e inconstante
do que um relacionamento
envolvendo compromissos.
Em suma, é mais fácil
ser uma criança do que
um adulto, mais fácil
brincar do que
trabalhar, mais fácil
deixar de lado do que
assumir uma
responsabilidade”.
Vou tomar a liberdade de
acrescentar que é mais
fácil estacionar o carro
em local proibido
(portas de garagem,
faixas de pedestres,
calçadas, vagas para
deficientes etc.) do que
procurar uma vaga. E
também é mais fácil
jogar lixo no chão do
que numa lixeira, nem
sempre por perto. Muito
mais fácil comer comida
rápida e gordurosa
(hambúrguer e batata
frita, por exemplo), do
que preparar algo mais
saudável. É mais fácil
discutir e esbravejar do
que conversar de forma
adulta. É mais fácil
enriquecer sendo
corrupto do que sendo
perseverante e por aí
vai.
O mundo está cheio de
adultecentes. Basta
prestarmos atenção em
muitos artistas e
atletas que frequentam o
mundo das celebridades.
Casamentos que acabam
com a mesma rapidez com
que aconteceram, brigas
e escândalos que
terminam em delegacias,
pessoas que se julgam as
mais felizes do mundo
simplesmente porque
estão enchendo a cara,
atores que precisam
prestar depoimento numa
delegacia e aparecem com
um boné na cabeça, mas
ao contrário... Se não
quisermos nos dar ao
trabalho de observar os
famosos, basta
prestarmos atenção em
algumas pessoas que
conhecemos. Familiares,
colegas de trabalho,
amigos de infância... E
até em nós mesmos. Ou
então, basta ter “olhos
de ver” que os grandes
sucessos
cinematográficos dos
últimos tempos são
voltados ao “mercado
adolescente esticado de
pessoas de 13 a 30
anos”, como diz
Barber.
E se trouxermos ainda
mais o assunto para
baixo da luz da
imortalidade da alma? É
mais fácil odiar do que
buscar a reconciliação e
perdoar. É mais fácil
repetir os erros de
vidas passadas do que se
esforçar para melhorar.
É mais fácil culpar os
outros (supostos
Espíritos obsessores
incluídos) do que
assumirmos nossa
responsabilidade nos
atos. É mais fácil fazer
planos diabólicos para
obter poder, fama e amor
do que optar pelo
caminho do trabalho, da
renúncia e da
abnegação... Enfim, a
lista é longa e atesta
como o ser humano ainda
é imediatista, pueril,
inconsequente...
Allan Kardec, em O
Livro dos Espíritos,
pergunta:
792. Por que não efetua
a civilização,
imediatamente, todo o
bem que poderia
produzir?
“Porque os homens ainda
não estão aptos nem
dispostos a alcançá-lo.”
Falta de disposição em
alcançar o progresso tem
a ver com indolência,
preguiça moral,
infantilidade. Quando
avançarmos o suficiente
para nos desprendermos
do consumismo
infantilizante, veremos
o quanto podemos fazer
por nós mesmos e pelo
mundo que nos cerca.
Enquanto isso, oremos e
vigiemos, a fim de não
tombarmos nos desvãos da
adultecência
estupidificante que anda
por aí.
Quer saber mais sobre o
assunto? Leia o livro.
Eu recomendo. É muito
bom.
Bibliografia:
1 -
BARBER,
Benjamin R. Consumido –
Como o Mercado Corrompe
Crianças, Infantiliza
Adultos e Engole
Cidadãos. Ed. Record,
1ª Ed., 2009, Rio de
Janeiro, RJ.
2 -
KARDEC, Allan. O Livro
dos Espíritos. Federação
Espírita Brasileira (FEB),
60ª Ed., 1984, Brasília,
DF.