ALMIR DEL PRETTE
adprette@ufscar.br
São Carlos, SP (Brasil)
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Conhecereis a verdade e
ela vos tornará livres:
adágios e seus
significados
Adágios, ditos, máximas
e provérbios são
criações com sentido
moral, ou moralista,
cujo modus operandi
funciona, grosso modo,
como um controle social
que pode induzir alguns
comportamentos e inibir
outros. Portanto, para
ser efetiva, qualquer
análise sobre adágios
deve buscar a sua
funcionalidade nas
relações entre as
pessoas e grupos. A
análise deve responder a
quem o adágio beneficia,
quando utilizado. Claro
que qualquer adágio
presta-se a diferentes
interpretações. Por
exemplo, o ditado
popular “quem espera
sempre alcança”
aparentemente está
enaltecendo as virtudes
da paciência, da calma,
do equilíbrio, da
mansidão e da
resignação, tendo, em
seu oposto, a ansiedade,
a inquietude, a
agitação, o
inconformismo, a
revolta. Entretanto, a
mesma máxima também pode
favorecer apatia,
desânimo, indolência,
inércia, abulia. Esse
adágio acaba por induzir
que algo de bom vai
acontecer mesmo, ou,
principalmente, que eu
nada faça para isso.
Pode-se dizer, portanto,
que o adágio vem com um
disfarce e, na grande
maioria das vezes,
possui várias facetas.
Um conjunto de adágios
bastante presente em
nossa cultura explicita,
de maneira caricatural,
os fracassos das
pessoas, individualmente
e de grupos, podendo até
atingir coletividades
amplas, como o país.
Alguns deles são, por
exemplo: Cachorro
velho não aprende
truques novos, Santo de
casa não faz milagres,
Em casa de ferreiro o
espeto é de pau, Pau que
nasce torto morre torto
e Errar é humano.
Com facilidade, o leitor
encontrará, na internet,
a origem desses ditos.
Contudo, a busca da
procedência, ou da
etimologia, não
esclarece a razão da
permanência dessa máxima
em uma determinada
cultura e nem desvenda o
sentido em que ela é
utilizada.
O adágio, Santo de
casa não faz milagres,
está arraigado na nossa
cultura e, de certa
forma, reflete e é
reflexo da maneira
negativa como olhamos
para nosso país. É
curioso lembrar um fato
ocorrido no governo de
Rodrigues Alves, quando
várias epidemias
assolaram Rio de
Janeiro, Santos e São
Paulo. Nesse período foi
encaminhada uma carta
pelas nossas autoridades
ao governo francês
pedindo a colaboração no
envio de um sanitarista
para debelar algumas
dessas mazelas própria
dos trópicos. A resposta
enviada exibia surpresa
diante do pedido e,
entre frases
protocolares, enaltecia
a capacidade de um
brasileiro que havia
estagiado no Instituto
Pasteur em Paris estar
sugerindo que a tarefa
lhe fosse atribuída.
Tratava-se de Osvaldo
Cruz(1).
Certamente, a maioria
dos funcionários do
governo conhecia bem a
competência do nosso
médico sanitarista, mas
estavam todos (lembrando
ou não do adágio),
direta ou indiretamente
controlados pela ideia
de que “santo de casa
não faz milagres”.
Entretanto, convém
esclarecer que a análise
crítica desse adágio,
nesses termos, não
significa a sugestão de
se aceitar uma visão
oposta, ou seja, a de
abraçar um nacionalismo
exagerado, do tipo
chauvinista. O
importante é tão somente
desocultar o que
permanece às escondidas,
exercitando nossa
capacidade de
raciocínio.
Convido o leitor a
refletir sobre os outros
três adágios: Em
casa de ferreiro, o
espeto é de pau; Pau que
nasce torto morre torto
e Errar é humano.
O primeiro,
grosseiramente, sugere o
menosprezo à
possibilidade do uso do
conhecimento que a
pessoa produz em algo
que poderia beneficiá-la
ou aos seus familiares.
Isso, quando se estende
a uma coletividade, pode
gerar efeitos
desastrosos. O
segundo adágio inculca a
ideia de que todo e
qualquer esforço
educativo de renovação e
mudança é inútil. Ele
vai de encontro à teoria
de evolução espiritual
de Kardec, além de
fortalecer uma noção
maniqueísta subjacente,
que estabelece a célebre
divisão entre bons e
maus. O terceiro,
bastante citado, é
aparentemente proativo,
pois pressupõe desculpa
das falhas cometidas por
alguém ou pela própria
pessoa que o utiliza.
Todavia, em quaisquer
dos casos, esse adágio
reflete pessimismo
disfarçado, pois
enfatiza a falha e não o
acerto. Ele é o espelho
de um comportamento
humano frequente, o de
focar o erro e não o
acerto. Quando
aprendermos a olhar as
coisas positivas, os
comportamentos
altruístas, a bondade,
com certeza estaremos
entrando em um mundo
novo, mais próximo do
reino, como anunciou
Jesus.
E o adágio que aparece
no título deste artigo?
Pode-se presumir que ele
foi criado por Jesus:
Conhecereis a verdade e
a verdade vos tornará
livres (João, 8:32).
Ele se diferencia das
máximas anteriormente
mencionadas? Não
obstante trazer em si,
como os demais adágios,
uma afirmativa, ele
impõe questões que
favorecem o raciocínio.
O que é verdade?
Existiria uma verdade
absoluta? Quando Pilatos
perguntou a Jesus o que
é a verdade, por que o
Mestre não lhe
respondeu, tendo
asseverado anteriormente
que a verdade liberta?
O termo verdade não é
facilmente conceituado,
nem facilmente
entendido. A verdade não
está apenas na imanência
que atende o imediatismo
da necessidade do
conhecimento, mas,
principalmente, na
transcendência, que
requer transformação.
Daí o silêncio do Mestre
diante de Pilatos. Essa
visão parece-nos
consoante com o
pensamento de Emmanuel,
na mensagem “A verdade”
(Vinha de Luz, cap. 175,
p. 365): “Por enquanto,
ninguém se atreverá, em
boa lógica, a exibir, na
Terra, a verdade pura,
ante a visão das forças
coletivas”. Pode-se
pensar, portanto, que a
verdade não se alcança
apenas com a razão, mas
também e, sobretudo, com
o sentimento. Ela é
intransferível porque
não é primazia apenas do
intelecto e porque é
apropriada à condição de
busca de cada Espírito.
Esse adágio de Jesus
retrata uma condição
futura: “conhecereis”.
Algo a ser alcançado um
dia, com esforço
pessoal, tendo
implicações na mudança
de vida do indivíduo e
de seu entorno. Trata-se
de um que fazer
de desvendamento da
transcendência, com
ajuda da espiritualidade
conforme a promessa de
Jesus: “Mas quando vier
aquele Espírito de
Verdade, ele vos guiará
em toda verdade” (João
16:13).
(1)
Oswaldo Cruz,
eminente
cientista
brasileiro,
nasceu no dia 5
de agosto de
1872, tendo sido
o criador do
primeiro
instituto para
produção de
vacinas no
Brasil. Diante
da urgência de
medidas de
higienização,
conseguiu que a
vacinação fosse
declarada
obrigatória,
gerando a ação
popular
apelidada de
“Revolta da
Vacina”.
Felizmente para
o país, apesar
desse período de
turbulência, no
ano seguinte a
população
voluntariamente
fazia filas para
ser vacinada.