ARÍSIO
FONSECA JUNIOR
arisiofonsecajr@gmail.com
Juiz de Fora,
MG
(Brasil)
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A construção do Reino
Em 1946, José Herculano
Pires publicou um
livreto intitulado “O
Reino”, pela Editora
Lake.(1)
Naquele momento,
tratava-se da forma
escrita e ampliada da
tese “O Espiritismo e a
Construção de um Novo
Mundo – Estabelecimento
do Reino de Deus na
Terra”, defendida por
ele no I Congresso
Espírita da Alta
Paulista. Utilizado e
referenciado de modo
equivocado pelos membros
do Movimento
Universitário Espírita
de Campinas na década de
1.960, o livro sofreu
profunda transformação,
conferindo o autor à
obra nova perspectiva,
desta vez de caráter
mais doutrinário. Esta
segunda edição,
publicada em 1.967 pela
Editora Edicel, também
intitulada “O Reino”, é
aquela que iremos
considerar neste texto.
De uma edição para a
outra a extensão do
livro não sofreu
alteração sensível.
Manteve-se um livreto,
mas apenas no formato,
visto que, no conteúdo,
podemos compará-lo a um
grande tratado acerca
das coisas do Alto.
Conforme diz Herculano,
“este livrinho não é um
manual do Reino, mas uma
reflexão sobre o Reino,
um estudo dos meios
pelos quais podemos
atingi-lo”. Desde agora
é possível perceber que
obter o Reino é tarefa
e, por isso, exige ação,
ou, nas palavras do
autor, “o Reino é uma
Graça e uma Conquista.
Vivem na ilusão os que
se esquecem daquelas
palavras: Busca
primeiro o Reino de Deus
e a sua Justiça...
Porque pensam que o
Reino é dado a troco de
palavras, de crenças, de
sacramentos, de símbolos
e sinais exteriores. E
se enganam a si mesmos”.
A graça, neste sentido,
não é de graça, não é
gratuita; deve-se
merecê-la por meio da
lapidação e do progresso
de cada ser. O Reino não
vem sem esforço,
unindo-se, aqui, tanto
os desígnios de Deus
quanto a vontade dos
Espíritos.
O enredo do livro,
traspassado por um
estilo inspirador e
suave, combina a
história de encontros
entre o narrador e um
Mensageiro do Reino com
reflexões filosóficas do
autor acerca de um
grande número de
assuntos que tocam o
Reino. Uma das reflexões
mais importantes
contidas na obra
refere-se à
indispensável relação
entre meios e fins, ou
melhor, à estreita
implicação que a
finalidade de se
implantar o Reino de
Deus tem sobre os
caminhos a serem
percorridos. Segundo as
meditações de Herculano
Pires, impossível se
chegar ao Reino
utilizando-nos de
atalhos, ideologias e
violências reais ou
simbólicas. O Reino é
fundamentado em Deus,
Justiça e Amor, e os
meios para se obter o
Reino devem estar de
acordo com esses
fundamentos. Após a
proclamação do Reino
pelo Jovem Carpinteiro
de Nazaré, quando este
abriu o livro de Isaías
na sinagoga local e
afirmou ter-se cumprido
aquela antiga profecia,
ele saiu a exemplificar
o Reino. “O Jovem
Carpinteiro veio
mostrar-nos o caminho
pelo seu próprio
exemplo”, mas “o exemplo
do Reino era tão
estranho como um
pesadelo. O Mundo o via,
mas não entendia. João,
o evangelista,
escreveria mais tarde:
‘A luz resplandeceu nas
trevas, mas as trevas
não a compreenderam’.
Apesar disso, o exemplo
ali estava. Era possível
viver no Reino, em plena
treva do Mundo.”
“O Reino é do Céu, mas o
Jovem Carpinteiro o
trouxe para a Terra, a
fim de que a Justiça se
faça através do Amor. Há
dois mil anos os homens
admiram a grandeza do
Reino, desejam
atingi-lo, mas não jogam
fora o fardo terreno que
os impede de chegar a
ele”. Com falas desta
dimensão, Herculano
Pires chama a atenção
para a inevitável
relação entre o Reino na
Terra e o Reino do Céu.
O homem, ser
interexistente, vive no
mundo e no mundo mesmo
pode implantar e criar o
Reino de Deus; contudo,
mais sintonizado com os
afazeres terrenos, o
homem esquece-se muito
frequentemente dos
“antivalores do
cristianismo”, daqueles
instrumentos que
permitem a todos os
homens e mulheres, que
desejam o Reino,
romperem as malhas que
os prendem aos
equivocados valores do
mundo. Este livramento
não é fácil nem rápido,
afirma o autor, “porque
os Filhos do Reino têm
de sofrer para sustentar
o Amor e a Justiça
diante do ódio e da
injustiça”.
A luz do Reino deve
brilhar diante dos
homens para a glória de
Deus, conforme o próprio
Jovem Carpinteiro havia
dito em seu sermão no
monte. Ao contrário de
um pensamento
eminentemente individual
apenas, Herculano aponta
que a transformação no
mundo em busca do Reino
de Deus é fundamentada
na reciprocidade,
envolve tanto iluminação
das almas quanto a
iluminação da sociedade.
O “objetivo é a
revolução espiritual.
Transformar o mundo pela
transformação do homem e
transformar o homem pela
transformação do mundo.
Eis a dialética do
Reino”. Vemos, assim,
que apenas uma bandeira
há de carregar o
verdadeiro cristão: a do
Amor e da Justiça. “O
cristão possui a
ideologia do Evangelho e
o Manifesto do Reino.”
Por meio dessas ideias,
a atuação dos que
desejam o Reino de Deus
deve sempre se pautar
pelos meios adequados
aos fins do próprio
Reino. Não cabe aos
Filhos do Reino se
imiscuir nos assuntos do
mundo enlameando-se nas
trevas do mundo, porque
"os filhos do Reino não
devem fugir do Mundo nem
renegá-lo, pois seu
dever é estabelecer o
Reino no Mundo. Mas não
devem nem podem se
entregar ao Mundo". Mas
compete a todos e a cada
um querer e agir em
busca da implantação do
Reino na Terra, cujo
“destino é a grandeza
universal, a glória do
Infinito, a riqueza
inumerável do Céu”.
Não se espante com essas
palavras aquele que
pensa que o Reino é
composto por pobres e
esfarrapados. Não; porém
também não é dos
pessoalmente ricos. “Os
mundos mais próximos de
Deus são de maravilhosa
riqueza, transbordantes
de cintilações. O Reino
é rico, mas a riqueza do
Reino é abundante e
impessoal. O que faz a
pobreza é a riqueza
pessoal.” Uma vez que
existe um caruncho na
alma, o egoísmo, tentar
solucionar o problema da
distribuição dos frutos
da terra passa pela
necessária modificação
da forma de ver o mundo.
Os atalhos teóricos das
ciências dos homens,
embora confluam na tese
do Reino, não se mostram
verdadeiramente
adaptados aos caminhos
que se devem tomar para
se chegar ao Reino. As
lutas contra as
desigualdades sociais
são batalhas contra o
egoísmo nas almas e a
favor do Amor e da
Justiça.
Conforme entende
Herculano com base no
que pregou e
exemplificou o Jovem
Carpinteiro, “o Reino de
Deus está acima da
sociedade de classes, do
mundo injusto de ricos e
pobres, das competições
políticas e econômicas.
O Reino de Deus está
dentro de nós, na
aspiração Divina da
Justiça e do Amor, que é
o próprio Reflexo de
Deus na Consciência
Humana. E estando em nós
está acima de nós, como
um arquétipo Divino das
Almas, arrebatando-as
para uma vida superior,
elevando-as para Deus. O
Cristianismo em Espírito
e Verdade não se deixa
prender nas tenazes de
nenhum dilema da lógica
humana. Ele é, em si
mesmo, a resposta a
todas as nossas
inquietações e a todas
as perplexidades dos
séculos”.
Ao final de tantas
reflexões sobre o Reino,
algumas que deixamos
passar propositalmente
para aguçar a
curiosidade do leitor em
buscar conhecer a obra,
Herculano Pires nos
brinda com o Decálogo do
Reino, apresentando as
palavras que o
Mensageiro entregou para
servir de guia para
aqueles “que quiserem
entrar para as fileiras
dos Trabalhadores do
Reino”. Cientes de
perder toda a beleza do
Decálogo, passamos a
expor sucintamente as
ideias nele contidas: 1-
pense no Reino; 2- aja
pelo Reino; 3- agradeça
a Deus; 4- reafirme a
humildade; 5- seja
sereno; 6- confie na
verdade; 7- busque a
pureza; 8- seja
abundante no amor; 9-
não roube; 10- trabalhe
com amor, desapego e
pureza.