Talidomida
Humberto de
Campos
Na tela
cinematográfica,
junto da qual
sentíamos a
realidade sem
distorção, o
professor do
Plano Espiritual
exibiu dois
pequenos
documentários
sobre o assunto
que nos fora
motivo a longo
debate.
1939-1943
— Surgiu à cena
agitada
metrópole
europeia. Em
tudo, o clima de
guerra. Desfiles
militares de
pomposa
expressão. Na
crista dos
edifícios mais
altos, bocas de
fogo
levantavam-se em
desafio. Nas
ruas,
destacavam-se
milhares de
jovens em
formações de
tropa, ao rufar
de tambores,
ostentando
símbolos e
bandeiras. O
povo, triste e
apreensivo nas
filas de
suprimento,
parecia
desvairar-se de
júbilo, nas
paradas
políticas,
ovacionando
oradores nas
praças públicas.
De vez em vez,
sirenas
sibilavam
gritaria de
alarme. Aviões
sobrevoavam,
incessantemente,
o casario
enorme,
lembrando águias
metálicas, de
atalaia nos
céus, para
desfechar
ataques
defensivos
contra inimigos
que lhes
quisessem pilhar
o ninho.
Através de
informações
precisas,
registrávamos os
mínimos tópicos
de cada
conversação.
De súbito,
vimo-nos
mentalmente
jungidos a
dilatado
recinto, onde
centenas de
policiais e
civis
cochichavam na
sombra.
Articulam-se
avisos.
Ramifica-se a
trama.
Camionetas
deslizam dentro
da noite. Outros
agrupamentos se
constituem.
Mais algum
tempo e magotes
de transeuntes
se agregam num
ponto só,
formando vasta
legião popular
em operoso
bairro de
ascendência
israelita. São
paisanos
decididos à
rapinagem.
Homens e
mulheres de
raciocínio
maduro combinam
o assalto em
mira. Madrugada
adiante, quando
a soldadesca
selecionada
desce dos
veículos com a
ordem de apresar
famílias
inermes, ei-los
que invadem as
residências
judias,
agravando o
tumulto.
Para nós que
assistíamos ao
espetáculo,
transidos de
dor, era como se
fitássemos
corsários da
terra, no
burburinho do
saque.
Mãos que
retivessem
anéis, pulsos
que ostentassem
adornos, orelhas
ornamentadas de
brincos e bustos
revestidos de
joias sofriam
golpes rápidos,
muitos deles
tombando
decepados em
torrentes
sanguíneas.
Alguém que
aparecesse com
bastante coragem
de investir
contra os
malfeitores,
cuja impunidade
se garantia com
a indiferença de
quantos lhes
compartilhavam a
copiosa presa,
caía para logo
de pernas
mutiladas, para
que não
avançasse em
socorro das
vítimas.
E os quadros
vivos se
repetiam em
outros lugares e
em outras
noites, com
personagens
diversas, nos
mesmos delírios
de violência.
1949-1953
— A tela passa a
mostrar escuro
vale no Espaço.
Examinamos,
confrangidos,
milhares de
seres humanos em
condições
deploráveis.
Arrastam-se em
desgoverno. Há
quem chore a
ausência dos
braços, quem
lastime a perda
dos pés.
Possível, no
entanto,
identificar
muitos deles.
São os mesmos
infelizes de
1939 a 1943,
participantes
das empresas de
furto e morte, à
margem da
guerra.
Desencarnados,
supliciam-se no
remorso que se
lhes incrusta
nas
consciências.
Carregando a
mente vincada
pelas
atrocidades de
que foram
autores,
plasmaram em si,
nos órgãos e
membros
profundamente
sensíveis do
corpo
espiritual, as
deformidades que
infligiram aos
irmãos
israelitas
indefesos. Ainda
assim, almas
heroicas
atravessam o
nevoeiro e
distribuem
consolações.
Para que se
refaçam, é
preciso que
reencarnem de
novo, em breves
períodos de
imersão nos
fluidos
anestesiantes do
Plano físico.
Necessário
retomem a
organização
carnal, à
maneira de
doentes
complicados que
exigem regime
carcerário para
tratamento
preciso.
Ensinamentos
prosseguem ao
redor do filme.
Sofrerão, sim,
mais tarde, as
provas
regenerativas de
que se revelam
carecedores,
mas, por
enquanto, são
albergados por
braços afetuosos
de amigos, que
se prontificam a
sustentá-los,
piedosamente, ou
entregues a
casais
necessitados de
filhinhos
problemas, a fim
de ressarcirem
dívidas do
pretérito.
A maioria dos
implicados
renasce no país
em que se
verificou o
assombroso
delito, e muitos
deles, em vários
pontos outros do
mundo, ressurgem
alentados por
famílias
hospitaleiras ou
endividadas, que
os aconchegam,
para a
benemerência do
reajuste.
Certamente —
comentou o
instrutor, ao
término da
película —,
certamente que
nem todos os
casos de
malformação
congênita podem
ser debitados à
influência da
talidomida W
sobre a vida
fetal. Em todos
os tempos,
consoante os
princípios de
causa e efeito,
despontam
crianças
desfiguradas nos
berços
terrestres. O
estudo, porém,
que realizamos
pela imagem
esclarece com
segurança o
fenômeno das
ocorrências de
má-formação que
repontaram em
massa, entre os
homens, nos
últimos tempos.
Achávamo-nos
suficientemente
elucidados; no
entanto, meu
velho amigo Luís
Vilas indagou:
— Isso quer
dizer então,
professor, que a
talidomida foi
aplicada de
acordo com a lei
da reencarnação?
— Bem, bem —
falou o mentor
retratando a
benevolência no
semblante calmo
—, a talidomida
e a provação
funcionaram em
obediência à
justiça, mas não
será lícito
esquecer que o
lar e a ciência
vigilante dos
homens também
funcionaram em
obediência à
Misericórdia
Divina, que a
tudo previu, a
fim de que a
administração
daquele
medicamento não
ultrapassasse os
limites justos.
Compreenderam?
Sim, recebêramos
a chave para
entender o
assunto que
envolvia
dolorosa
disciplina
expiatória, e, à
face da emoção
que nos impunha
silêncio, a
lição foi
encerrada.
Do livro
Contos desta e
doutra vida,
obra mediúnica
psicografada
pelo médium
Francisco
Cândido Xavier.