Virada de século, virada
de milênio, ótima
oportunidade para
refletir e analisar as
diversas contribuições
feitas no século XX ao
Espiritismo e as
chamadas ciências do
Espírito. Gabriel
Delanne (juntamente a
Léon Denis) marca a
transição do Espiritismo
do século XIX,
influenciado pela
presença de Kardec, para
o Espiritismo do início
do século XX, buscando
sua afirmação
científica, tentando
empolgar os homens de
ciência da época.
Nascido em Paris, no dia
23 de março de 1857, no
mesmo ano da publicação
de O
Livro dos Espíritos,
Delanne foi (juntamente
com Léon Denis) o
discípulo mais próximo
de Allan Kardec.
Além disso, foi
provavelmente a primeira
grande personagem
espírita nascida em uma
família espírita. Apenas
para recordar, Allan
Kardec tomou
conhecimento dos
fenômenos espíritas aos
50 anos e Léon Denis era
adolescente quando ouviu
falar pela primeira vez
do Espiritismo. Gabriel
Delanne nasceu em
família espírita. Seu
pai, Alexandre Delanne,
acompanhou de perto os
trabalhos de Allan
Kardec, tendo formado um
pequeno grupo familiar
de estudos espíritas e
como médium escrevente
sua esposa (e mãe de
Gabriel) Alexandrine
Delanne.
Portanto, desde criança
Gabriel Delanne estava
familiarizado com o
vocabulário espiritista
e assistiu, desde muito
pequeno, a numerosas
sessões espíritas.
Delanne, inclusive,
travou contato com o
mestre Kardec na sua
infância – Kardec
faleceu quando Delanne
tinha 12 anos de idade.
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Uma vida atribulada e
sofrida
Gabriel Delanne iniciou seus
estudos no colégio Cluny (em
Saone-et-Loire), depois no
colégio de Grau (em
Haute-Soane) e, aos 19 anos,
ingressou na Escola Central
das Artes e Manufatura. Como
a situação financeira de
seus pais não permitiu a
conclusão de seus estudos,
começou a trabalhar na Companhia
de Ar Comprimido e de
Eletricidade Popp, onde
esteve até 1892, dividindo
seu tempo entre seu trabalho
e sua dedicação ao
Espiritismo.
Delanne não gozava de boa
saúde. De menino tinha um
abscesso no olho esquerdo –
pelo qual foi isento do
serviço militar –, o qual
resultou numa infecção que
iria progressivamente
prejudicar sua visão. No
curso dos anos seu estado de
saúde foi se agravando. Em
1906, a paralisia dos
membros inferiores
obrigava-o a andar com duas
bengalas. Nem por isso
abandonou as conferências na
França e no exterior, sempre
divulgando as ideias
espíritas. No período da I
Guerra (1914/18), a saúde de
Delanne piorou ainda mais.
Cada movimento era um grande
sofrimento e ainda por cima
ficou cego. Em 1918, já não
conseguia mais andar sendo
necessário o uso de cadeira
de rodas. Não obstante todos
os sofrimentos físicos,
continuou produzindo
incessantemente, retirado na vila
de Montmorency, onde
Jean Myer lhe havia dado
asilo.
Sua morte ocorreu em 15 de
fevereiro, de 1926, aos 69
anos de idade. Sua sepultura
se encontra no famoso
cemitério parisiense de Pere
Lachaise.
Contribuições ao Espiritismo
Como já dito, Gabriel
Delanne marcou a transição e
a continuação da obra de
Kardec. Defensor ferrenho do
caráter científico da
Doutrina Espírita, dedicou a
maior parte de seus esforços
na luta por consolidar o
Espiritismo como uma ciência
estabelecida e complementar
às outras. Foi presidente da União
Espírita Francesa,
presidente da Sociedade
de Estudos dos Fenômenos
Psíquicos, fundador e
diretor da Revista
Científica e Moral de
Espiritismo. Escritor de
grande talento, dentre suas
principais obras,
destacam-se:
O Espiritismo Perante a
Ciência; O Fenômeno
Espírita; A Evolução
Anímica; A Reencarnação; A
Alma é Imortal; Katie King;
As Materializações da Vila
Carmem
Marcam suas obras a defesa
ferrenha dos conceitos
espíritas e o combate ao
materialismo. Utilizando o
método racional empregado na
época, faz uso de casos e
observações para comprovar
suas hipóteses. Apesar de
aceitar a revelação dos
Espíritos, sempre procurou a
comprovação através dos
fatos.
Certamente, sua maior
contribuição ao Espiritismo
foi a tese do perispírito.
Se o conceito do perispírito
havia sido introduzido por
Allan Kardec, foi Delanne
quem o definiu, estudou e
atribuiu diversas funções na
economia corporal e
espiritual. Vitalista,
atribui ao perispírito a
resposta às questões
pendentes de sua época:
Como explicar a vida? Por
que se morre? Como a
estabilidade orgânica é
mantida frente à renovação
celular constante? Como
explicar a ação inteligente
da alma sobre o corpo? Onde
se localiza a memória? Como
se dá a evolução anímica?
Para todas esses questões
Delanne ofereceu como
resposta a existência do
perispírito, suas
características e funções.
Além disso, desenvolveu
brilhante explicação acerca
dos fenômenos espíritas,
novamente utilizando o
perispírito como peça
central, sempre ressaltando
que o Espiritismo não tinha
nada de sobrenatural e se
calcava em bases naturais,
ou seja, na existência desse
corpo físico, porém etéreo,
ponte entre a alma e o corpo
físico. Introduziu também
com muita força a noção do
fluido vital. Finalmente,
atribuiu ao perispírito a
sede da memória,
estabelecendo assim uma
ligação entre a reencarnação
e a evolução anímica.
De certa forma, todo o
desenvolvimento científico
tentado por diversos autores
espíritas, como André Luiz e
Hernani G. Andrade,
baseia-se nos postulados de
Delanne. É mister admitir
que o progresso da ciência
demonstrou que várias
hipóteses de Delanne estavam
incorretas; porém, é notável
o esforço feito por ele para
colocar o Espiritismo par a
par com a ciência, não só
pelo método empregado, mas
pela busca constante de
fatos que comprovem suas
proposições.
A leitura de suas obras
mostra um Delanne
apaixonado, convencido da
força das ideias espíritas
e, mais que tudo, consciente
do impacto moral dessas,
como nos atesta o seguinte
trecho da conclusão de sua
obra A
Evolução Anímica (FEB):
Com a certeza das vidas
sucessivas e da
responsabilidade dos nossos
atos, muitos problemas
revelar-se-ão sob novos
prismas. As lutas sociais,
que atingem, nesta nossa
época, um caráter de aguda
aspereza, poderão ser
suavizadas pela convicção de
não ser a existência
planetária mais que um
momento transitório no curso
de uma eterna evolução.
Com menos orgulho nas
camadas altas e menos inveja
nas baixas, surgirá uma
solidariedade efetiva, em
contacto com estas doutrinas
consoladoras, e talvez
possamos ver desaparecer da
face da Terra as lutas
fratricidas, ineptos frutos
da ignorância , a se
dissiparem diante dos
ensinamentos de amor e
fraternidade, que são a
coroa radiosa do Espiritismo.
Por toda sua dedicação à
ideia espírita, na defesa do
aspecto científico do
Espiritismo e por seu
humanismo, Gabriel Delanne
merece lugar de destaque
entre os pensadores que
contribuíram para a evolução
da ideia espírita no século
XX. |