Victor Hugo muito se agigantou
pela inteligência; poeta genial,
escritor primoroso e fecundo.
Sustentou, sem esmorecimentos,
tremendas lutas em prol da
liberdade, enfrentando a ira dos
reacionários de todos os tempos,
desses que não vacilam em
sacrificar as coisas mais sagradas
e nobres para que seus interesses
fiquem incólumes.
Por ter sido grande demais, deixou
de ser cidadão francês para se
tornar cidadão do mundo, porque,
como foi dito, sua obra literária,
suas palavras, no campo político,
suas idéias e pensamentos
influíram e beneficiaram os povos
do mundo inteiro! Ele próprio
sentia, não obstante seu
entranhado amor ao país de seu
nascimento, que pertencia a todos
os povos que sofriam e se viam
cerceados da liberdade de pensa.
Desse modo, a ele cabia o dever de
trabalhar, lutar infatigavelmente
para que a luz da verdade
espiritual reinasse nas almas de
todos os seus irmãos, fossem eles
desta ou daquela pátria. E para
que essa luz pudesse brilhar, era
condição sine qua non que aos
homens fosse adjudicado o sagrado
direito de liberdade, liberdade de
sentir Deus e sua Justiça,
dentro das possibilidades
intelectuais de cada um. Essa
liberdade, enfim, que é uma
condição essencial do homem.
Eis porque, em pleno Congresso da
Paz, em Lausanne, afirmou:
Sou
cidadão de todo homem que pensa!
Não é o intento, sem dúvida,
descrever a vida e a obra de
Victor Hugo, vida por demais
extensa, pois que em tudo ele foi
exímio, seja como poeta, pensador,
dramaturgo, romancista,
historiador, panfletista, orador,
jornalista e espírita.
Mostrou-se sempre inimigo
intransigente da pena de morte:
A
cabeça do homem do povo está cheia
de princípios úteis... cultivai,
decifrai, regai, esclarecei,
moralizai, utilizai essa cabeça e
não tereis necessidade de
cortá-la!
É o propósito, porém, descrever
sobre a
personalidade de Victor Hugo, focalizá-lo como espírita,
mesmo que de maneira sucinta.
Em 1852, em face de suas atitudes
políticas, viu-se ele na
contingência de refugiar-se em
Jersey, na vivenda Marine-Terrace.
Logo após chamou para junto de si
a mulher e os filhos, aos quais se
reuniram alguns amigos, e entre
eles Vacquerie e Julieta Drouet.
Em setembro de 1853, chegava a
Jersey, de visita, a Sra. De
Girardin, levando a grande
novidade: o Espiritismo.
Neste ponto, segue a transcrição,
que enlaça o assunto referido,
narrado por
Raymond Escholier em seu livro
intitulado A Vida Gloriosa de
Victor Hugo:
As suas crenças religiosas, que a
certas almas frívolas parecem tão
simples, tão restritas, por vezes
tão extravagantes, são a
verdadeira herança transmitida
pelos seus ancestrais rústicos.
A bem dizer, essas idéias são mais
velhas do que o Cristianismo: fé
na sobrevivência e na presença
permanente dos mortos, no poder do
sortilégio e da magia. Hugo não se
limita a introduzir na poesia
francesa as expressões do povo, a
linguagem popular, tão cheia de
imagens, tão colorida, tão
expressiva; deu igualmente o
direito de cidadania às crenças do
homem primitivo, que sempre
existiu no velho solo da França.
Para encontrar aquela que ficou em
França, aquela a quem Victor Hugo
cantou a mãe dolorosa, consultou
ele à sua velha amiga, a Sra.
Girardin; interrogando, por
intermédio das mesas falantes, o
túmulo coberto de ervas e de
sombras. Com a Sra. Hugo, com
Carlos, maravilhoso médium, com
Augusto Vacquerie e o General Le
Flô, Victor crê penetrar o segredo
das forças obscuras.
O primeiro Espírito que se
apresentou em Marine-Terrace foi o
de Leopoldina.
−
Onde estás?
−
pergunta o poeta.
−
Luz.
−
Que é preciso fazer para ir ter
contigo?
−
Amar.
Então na pequenina casa, tão
triste, todos choraram, todos
acreditaram.
Nas revelações das mesas, Hugo vê
a deslumbrante confirmação das
suas idéias religiosas. E é nessa
convicção que escreve, a 19 de
setembro de 1854:
− Tenho uma pergunta grave a
fazer. Os seres, que povoam o
Invisível e que lêem os nossos
pensamentos, sabem que há vinte e
cinco anos me ocupo dos assuntos
que a mesa suscita e aprofunda.
Mais duma vez a mesa me tem falado
desse trabalho; a Sombra do
Sepulcro incitou-me a terminá-lo.
Nesse trabalho, evidentemente
conhecido no além, nesse trabalho
de vinte e cinco anos, encontrara,
apenas pela meditação, muitos
resultados que compõem hoje a
revelação da mesa; vira
distintamente confirmados alguns
desses resultados sublimes;
entrevira outros que viviam no meu
espírito num estado de embrião
confuso. Os seres misteriosos e
grandes que me escutam, vêem,
quando querem, no meu pensamento,
como se vê numa gruta com um
archote; conhecem a minha
consciência e sabem quanto tudo o
que eu acabo de dizer é
rigorosamente exato, que fiquei
por momentos contrariado, no meu
miserável amor-próprio humano,
pela revelação atual, que veio
lançar à volta da minha
lampadazinha de mineiro o clarão
dum raio ou dum meteoro. Hoje,
tudo o que eu vira por inteiro é
confirmado pela mesa: e as meias
revelações a mesa as completa.
Neste estado de alma escrevi: 'O
ser que se chama Sombra do
Sepulcro aconselhou-me a terminar
a obra começada; o ser que se
chama Idéia foi mais longe ainda e
'ordenou-me' que fizesse versos
atraindo a piedade para os seres
cativos e punidos, que compõem o
que parece aos não videntes a
Natureza morta; obedeci. Fiz
versos que Idéia me impôs'.
Em 22 de maio, de 1885, desencarnou
o Espírito de Victor Hugo. Eis as
suas últimas vontades consignadas
em testamento confiado a Augusto
Vacquerie:
Deixo 50.000 francos aos pobres.
Desejo que me levem ao cemitério
na carreta dos pobres. Recuso as
orações de todas as igrejas. Creio
em Deus.