Russel
Wallace e o
Espiritismo
O nome de
Charles Darwin
(1809-1882) é,
em geral,
imediatamente
relacionado com
a evolução
orgânica.
Existe,
entretanto, um
outro nome que
diversas vezes
aparece
associado ao de
Darwin: Alfred
Russel Wallace
(1823-1913).
Alguns
historiadores da
ciência
consideram que
estes dois
naturalistas
chegaram
independentemente
à concepção de
seleção natural.
Suas teorias de
evolução são
consideradas
bastante
similares, já
que ambos
comunicaram
conjuntamente
seus re-sultados
em julho de 1858
à Linnean
Society de
Londres e
logo a seguir
publicaram-nos
na revista dessa
sociedade.
Consta que
Darwin e Wallace
eram amigos e
trocavam
frequentes
correspondências,
todavia, a
partir dos anos
1869/1870,
romperam de
forma definitiva
e o motivo foi
este: Wallace
assumiu
publicamente seu
profundo
interesse pelos
fenômenos
mediúnicos,
admitindo que a
seleção natural
não fosse capaz
de explicar, por
si só, a
evolução da
mente humana. Há
que se admitir
que
inteligências
superiores
guiem, com
nobres
propósitos, o
desenvolvimento
humano, afirmou.
Wallace argumentou que algumas características que se
desenvolveram no homem pré-histórico e nos selvagens
seriam inúteis ou mesmo prejudiciais aos indivíduos
nessas condições. Não poderiam, portanto, ter sido
desenvolvidas pela seleção natural, que seleciona o que
é bom e útil à sobrevivência imediata do ser. Além
disso, uma característica desenvolvida pela seleção
natural teria como atributo estar mais ou menos presente
em todos os indivíduos da mesma espécie, e de maneira
razoavelmente uniforme. O mesmo não se poderia notar a
respeito das qualidades intelectuais, que variariam
muito de indivíduo para indivíduo. Pouquíssimos seres
humanos seriam, por exemplo, efetivamente dotados de
talento para a matemática ou a música, e esses
indivíduos, se comparados à população normal, exibiriam
essas qualidades de maneira extraordinariamente
superior. Tais características peculiares dessas
faculdades, segundo Wallace, mostravam que elas não
eram produzidas pelo mecanismo de seleção natural, mas
sim por alguma causa extra.
Para Wallace, certas inteligências externas atuavam no
desenvolvimento humano, analogamente ao modo como o
homem agia na seleção artificial de plantas e animais,
numa direção definida e com um propósito especial. Essas
inteligências seriam responsáveis por antecipar
necessidades futuras. Segundo Wallace, no caso do
desenvolvimen-to das faculdades intelectuais e morais
humanas, uma nova causa havia agido. Wallace propôs,
para explicar a natureza intelectual e moral do homem, a
existência dentro dele de uma essência espiritual capaz
de se desenvolver progressivamente. Como se nota na
obra Darwinismo, para ele, o pro-pósito do mundo
seria o desenvol-vimento do espírito humano em
associação com o corpo. Havia um mundo invisível, o
mundo dos Espíritos.
Darwin demonstra sua contrariedade em duas cartas
dirigidas a Wallace: - Se você não me tivesse
avisado, acharia que essas ideias teriam partido de
outra pessoa. Como você já esperava, discordo
profundamente de suas ideias, e lamento muito por isso.
(Carta de Darwin para Wallace, 14/4/1869. Reproduzida em
Mar-chant, 1916, vol. 1, pp. 242-3.)
-
Mas lamento
sobre o homem –
você escreve
como um
naturalista que
passou por uma
metamorfose (na
direção
retrógrada).
Justo você, o
autor do melhor
artigo que já
apareceu na
Anthropological
Review! Ai! Ai!
Ai! Seu pobre
amigo.
(Darwin para
Wallace,
26/1/1870].
Repro-duzida em
Marchant, 1916,
vol. 1, p. 251.)
Alfred Russel Wallace entrou em contato com as
manifestações espíritas em 1865, em casa de um amigo,
mas havia se dedicado, na juventude, ao magnetismo.
Durante 12 anos de viagem nos trópicos, entre 1848 e
1862, voltados para o estudo da história natural, ouviu
ocasionalmente sobre os estranhos fenômenos que diziam
estar acontecendo na América e na Europa sob os nomes
genéricos de “mesas girantes” e “pancadas espirituais”,
mas manteve-se cético por 25 anos.
A partir de 1865, a frequência a diversas residências
onde médiuns promoviam notáveis manifestações, e depois
em sua própria residência, Wallace se convenceu da
realidade espiritual e, em 1866, publicou seu primeiro
livro espiritualista, O aspecto científico do
sobrenatural, em que convoca os cientistas de então
a estudarem seriamente o fenômeno: Seria apenas um
assunto a ser investigado e testado como qualquer outra
questão de ciência. As evidên-cias teriam que ser
colhidas e examinadas. Os resultados das pesquisas de
diferentes observadores quanto a conhecimento, exatidão
e honestidade seriam ponderados e, no mínimo, alguns dos
fatos confiáveis teriam de ser novamente observados.
Apenas dessa maneira todas as fontes de erro seriam
eliminadas e uma doutrina de extraordinária importância
seria considerada verdadeira. Eu proponho agora que se
questione se tais provas foram dadas e se a evidência
pode ser obtida por qualquer um que deseje investigar o
assunto da única forma que a verdade pode ser alcançada:
pela observação direta e pela experimentação.
Nessa obra, assume pública e corajosamente seu
pensamento, mos-trando de forma racional que a
existência de consciências extracor-póreas é
perfeitamente plausível. Afirmou que tinha fortes razões
para supor a existência de outras formas de matéria além
daquelas que nossos sentidos nos permitem reconhecer e
de organizações adaptadas para agir sobre e receber
impressões destas formas de matéria. Ao examinar a
possibilidade da existência de seres de uma ordem
etérea, comentou: - Eles devem ter uma capacidade de
movimento tão rápida quanto a luz ou a corrente
elétrica. Devem ter uma capacidade de visão tão aguda
quanto a dos nossos mais poderosos telescópios e
microscópios. Devem ter um sentido de alguma forma
análogo aos poderes de um dos últimos triunfos da
ciência, o espectroscópio, e por meio dele são capazes
de perceber instantaneamente a constituição íntima da
matéria em cada uma das suas formas.
Russel Wallace manteve-se espiri-tualista por toda a
vida, tendo escrito dezenas de artigos sobre o tema, o
que lhe causou alguns dissabores profissionais. Toda a
publicidade negativa sobre ele fez com que Wallace não
fosse eleito secretário da Sociedade Britânica para o
progresso da ciência e também dificultou a concessão de
uma pensão do governo britânico, numa época em que ele
passava por difi-culdades financeiras. Algum tempo
depois, por intercessão de Darwin, ele alcançou a
referida pensão (1881).
Wallace foi um gigante no movi-mento espiritualista
nascente, mas é pouco conhecido entre os espíritas. Isso
talvez se deva ao fato de sua obra mais importante,
On miracles and modern spiritualism,
publicada em 1875, nunca ter sido traduzida para nosso
idioma. Fica a sugestão para as editoras espíritas.
Referências:
1 - Wallace e a origem do homem: suas concepções e as
interpretações historiográficas, Juliana Mesquita
Hidalgo Ferreira e Viviane Arruda do Carmo, Filosofia e
História da Biologia, v. 2, p. 227-244, 2007.
2 - O aspecto científico do sobrenatural, A.
Russel Wallace, tradução de Jáder dos Reis Sampaio.