A lei de causa e efeito é, segundo o Espiritismo,
implacável!
Que o diga Emmanuel. Quem leu o livro Há Dois Mil
Anos ditado a Chico por seu tutor invisível oito
anos após o primeiro encontro dos dois levou um susto. O
conselheiro do rapaz estava longe de ser santo.
Na pele do prepotente senador Publius Lentulus, ele teve
um único contato com Jesus. Numa noite, protegido pela
escuridão, abriu mão de seu orgulho e correu até as
margens do lago Tiberíades para pedir socorro a Cristo.
Sua filha, Flávia, sofria com lepra e corria risco de
vida. Jesus atendeu ao pedido, curou a menina e
convidou Publius a segui-lo. O pai de Flávia agradeceu
o convite, virou as costas e saiu de fininho.
Anos depois, abandonou a esposa, Lívia, por suspeitar de
sua infidelidade. Cristã, a mulher terminou devorada
pelos leões no Circo Máximo, diante dos braços cruzados
do ex-marido. Resultado: Publius se deu mal cinquenta
anos mais tarde. Voltou à Terra como o escravo Nestório
e terminou seus dias entre os dentes e garras dos leões.
Chico Xavier só conheceria o capítulo mais edificante
da biografia de seu mestre em 1949. Emmanuel exibia no
currículo uma identidade bem mais honrosa: a do padre
Manuel da Nóbrega. Ao lado de José de Anchieta, ele
teria desembarcado no Brasil no século XVI para
implantar o cristianismo no país. Com algum atraso,
começou a pagar sua dívida com Jesus.
Poucos sabiam, mas Chico se sentia ainda mais endividado
do que Emmanuel. Naquela história de dois mil anos
atrás, ele teria sido Flávia, a leprosa curada por
Cristo, a filha de Emmanuel.
O mundo das reencarnações não tem fim nem começo. Alguns
espíritas insistem em descobrir quem teriam sido em
séculos passados. Chico sempre tentou escapar das
especulações com bom humor. Uma vez, uma senhora chegou
perto dele feliz da vida. Tinha feito uma descoberta:
- Fui mártir. Morri na arena devo-rada por um leão. E
você, Chico?
- Ah, eu fui a pulga do leão.
Ficava cansado daqueles tantos heróis à sua volta. De
vez em quando, um amigo abria um sorriso e se
apresentava a ele, orgulhoso, como um ex-Napoleão, um
ex-rei, um ex-apóstolo. Ninguém enchia a boca para
dizer: "Fui um perdedor". Todos tinham histórias
edificantes para contar.
Chico ouvia as revelações grandiloquentes e, às vezes,
não resistia a uma ironia:
- Eu, aqui, no meio destas cabeças coroadas, com a
cabeça decepada.
Ficou feliz da vida quando um vizinho comunicou:
- Lá em casa há mais uma criadinha às ordens. Nasceu uma
menina e dizem que é o espírito de uma índia que
reencarnou.
Chico quase bateu palmas:
- Graças a Deus. Até que enfim nasceu uma índia.
Só sentia vontade de vaiar quando alguém especulava
sobre as vidas passadas dele. Certo, ele teria sido
Flávia mesmo. E daí? Qual a importância disso? O tema,
para ele, era pura perda de tempo. Cada um deveria se
preocupar com esta vida.