Deus na Natureza
Camille
Flammarion
(Parte 5)
Continuamos o
estudo metódico
e sequencial do
livro Deus na
Natureza,
de autoria de
Camille
Flammarion,
escrito na
segunda metade
do século 19, no
ano de
1867.
Questões preliminares
A. Flammarion
enumera nesta
obra os três
grandes erros de
que abusavam em
sua época os
materialistas.
Qual o primeiro
deles?
O primeiro erro geral dos materialistas é imaginar que,
pelo fato de existir Deus, importa atribuir-lhe uma
vontade caprichosa e não constante e imutável, em sua
perfeição. A imutabilidade das leis de Deus seria,
portanto, para eles um equívoco e não um atributo, uma
qualidade. Flammarion assim se referiu a tal pensamento:
“É um raciocínio extravagante que cai pela base. A nós
nos parece, pelo contrário, que a inteligência notória
nas leis da Natureza demonstra, no mínimo, a
inteligência da causa a que se devem essas leis, que
são, elas mesmas, precisamente a expressão imutável
dessa inteligência eterna. E não será algo ridículo
pretender que essa causa deixe de existir, pelo motivo
do íntimo acordo com essas mesmas leis?”
(Deus na Natureza – Primeira Parte. A Força e a
Matéria.)
B. Qual o segundo erro dos defensores do materialismo
mencionado nesta obra?
O segundo erro geral, não menos funesto que o
precedente, é acreditar que, para existir Deus, importa
colocá-lo fora do mundo. Flammarion contesta essa ideia.
Eis suas palavras: “Não vemos pretexto algum racional
que possa justificar uma tal necessidade”. “Não fosse
temer a pecha de panteísta e ajuntaríamos que Deus é a
alma do mundo. O Universo vive por Deus, assim como o
corpo obedece à alma.”
(Deus na Natureza – Primeira Parte. A Força e a
Matéria.)
C. Conforme o pensamento de Flammarion, qual era o
terceiro erro cometido pelos materialistas?
Erro considerado capital e imperdoável, sobretudo da
parte dos que se dizem cientistas, é afirmar algo sem
provas. Coisas sobre as quais a verdadeira Ciência
silencia, eles afirmam, de modo categórico, como se
houvessem assistido aos concelhos da Criação, ou como se
fossem os próprios autores dela. Neste livro Flammarion
transcreve várias das afirmativas enunciadas sem nenhum
suporte na experiência, como exige o método científico.
(Deus na Natureza – Primeira Parte. A Força e a
Matéria.)
Texto para leitura
89. Examinemos agora, nesta mesma visada de conjunto,
quais os grandes erros que marcham de paralelo e
sustentam essa conduta.
(Deus na Natureza – Primeira Parte. A Força e a
Matéria.)
90. O primeiro erro geral de que abusam os materialistas
é imaginarem que, pelo fato de existir Deus, importa
atribuir-lhe uma vontade caprichosa e não constante e
imutável, em sua perfeição. Ersted, por exemplo, sábio
escrutador do mundo físico, exprimiu sensatamente as
relações de Deus com a Natureza, dizendo que “o mundo é
governado por uma razão eterna, cujos efeitos se
manifestam nas leis da Natureza”.
(Deus na Natureza – Primeira Parte. A Força e a
Matéria.)
91. O Dr. Büchner opõe a esse conceito a seguinte
especiosa objeção: – “Ninguém poderia compreender como
uma razão eterna, que governa, se conforme com leis
imutáveis. Ou são as leis naturais que governam, ou é a
razão eterna. Que umas ao lado de outras entrariam, a
cada instante, em colisão. Se a razão eterna governasse,
supérfluas se tornariam as leis naturais e se, ao revés,
governam as leis imutáveis da Natureza, elas excluem
toda intervenção divina.”
(Deus na Natureza – Primeira Parte. A Força e a
Matéria.)
92. “Se uma personalidade governa a matéria num
determinado sentido – opina Moleschott – desaparece da
Natureza a lei da necessidade. Cada fenômeno se torna
partilha de jogo do acaso e de uma arbitrariedade sem
pelas.”
(Deus na Natureza – Primeira Parte. A Força e a
Matéria.)
93. Havemos de convir que tal objeção é singularíssima.
É um raciocínio extravagante que cai pela base. A nós
nos parece, pelo contrário, que a inteligência notória
nas leis da Natureza demonstra, no mínimo, a
inteligência da causa a que se devem essas leis, que
são, elas mesmas, precisamente a expressão imutável
dessa inteligência eterna. E não será algo ridículo
pretender que essa causa deixe de existir, pelo motivo
do íntimo acordo com essas mesmas leis?
(Deus na Natureza – Primeira Parte. A Força e a
Matéria.)
94. Vejamos, por exemplo, um excelente harpista: a sua
virtuosidade é tão perfeita que os acordes frementes
parecem-nos identificados com a poesia da sua alma!
Diremos, então, que essa alma não existe, visto que para
lhe admitir existência fora preciso que ela estivesse
eventual e arbitrariamente em desacordo com as leis da
Harmonia! Essa maneira de raciocinar é tão falsa que os
próprios autores que a utilizam são os primeiros a
reconhecê-lo implicitamente. Assim é que Büchner,
referindo-se a milagres e ao fato de haver o clero
inglês solicitado a decretação de um dia de jejum e de
preces para conjurar a cólera, elogia Palmaraton por
haver respondido que o surto epidêmico dependia mais de
fatores naturais, em parte conhecidos, e poderia melhor
jugular-se com providências sanitárias, antes que com
preces.
(Deus na Natureza – Primeira Parte. A Força e a
Matéria.)
95. Muito bem! O autor, melhor ainda, acrescenta: “Essa
resposta lhe acarretou a pecha de ateísmo e o clero
declarou pecado mortal não crer pudesse a Providência
transgredir, a qualquer tempo, as leis da Natureza.”
(Deus na Natureza – Primeira Parte. A Força e a
Matéria.)
96. Mas, que singular ideia faz essa gente de Deus! Um
legislador supremo a deixar-se comover por preces e
soluços, a subverter a ordem imutável que ele mesmo
instituiu, a violar por suas próprias mãos a atividade
das forças naturais! “Todo o milagre, se existisse – diz
também Cotta – provaria que a Criação não merece o
respeito que lhe tributamos e os místicos deveriam
deduzir, da imperfeição do criado, a imperfeição do
Criador.”
(Deus na Natureza – Primeira Parte. A Força e a
Matéria.)
97. Aí temos os adversários em contradição consigo
mesmos, quando, por um lado, não querem admitir uma
razão eterna em concordância de leis imutáveis, e por
outro pensam conosco, que a ideia de imutabilidade ou,
pelo menos, a regularidade, identifica-se muito melhor
com a perfeição ideal do ser desconhecido que
denominamos Deus, do que a ideia de mutabilidade e
arbitrariedade, que umas tantas crenças pretendem
impor-lhe.
(Deus na Natureza – Primeira Parte. A Força e a
Matéria.)
98. Um segundo erro geral, não menos funesto que o
precedente e que por igual ilude nossos contraditores, é
o de acreditarem que, para existir Deus, importa
colocá-lo fora do mundo. Não vemos pretexto algum
racional que possa justificar uma tal necessidade. E
antes do mais, que significa essa ideia de uma causa
soberana extramundo? Onde os limites do mundo? Pois o
mundo, isto é, o espaço no qual se movem estrelas e
terras, não é infinito por sua mesma essência?
(Deus na Natureza – Primeira Parte. A Força e a
Matéria.)
99. Imaginais um limite a esse mesmo espaço e supondes
que ele se não renova além? Será, então, possível traçar
limites à extensão? Onde, pois, imaginar Deus fora do
mundo? Será fora da matéria, o que se quer dizer? Mas,
que é a matéria em si? – agrupamentos de moléculas
intangíveis. Portanto, impossível determinar uma
semelhante posição. Deus não pode estar fora do mundo,
mas no mesmo lugar do mundo, do qual é o sustentáculo e
a vida.
(Deus na Natureza – Primeira Parte. A Força e a
Matéria.)
100. Não fosse temer a pecha de panteísta e ajuntaríamos
que Deus é a alma do mundo. O Universo vive por Deus,
assim como o corpo obedece à alma. Em vão pretendem os
teólogos que o espaço não pode ser infinito, em vão se
apegam os materialistas a um Deus fora do mundo,
enquanto sustentamos que Deus, infinito, está com o
mundo, em cada átomo do Universo – adoramos Deus na
Natureza.
(Deus na Natureza – Primeira Parte. A Força e a
Matéria.)
101. Nossos adversários, no entanto, combatem
insensatamente o seu fantasma. “Não há considerar o
Universo – diz Strauss – como ordenação regrada por um
Espírito fora do mundo, mas, como razão imanente às
forças cósmicas e às suas relações.”
(Deus na Natureza – Primeira Parte. A Força e a
Matéria.)
102. A essa razão, chamamo-la Deus, enquanto os modernos
ateístas aproveitam essa declaração para sentenciar que,
em não existindo fora do mundo, é que Deus não existe.
“Tudo, – diz H. Tuttle – desde a tinha(1)
que baila aos raios do Sol, à inteligência humana,
que verte das massas medulosas do cérebro, está
submetido a princípios fixos. Logo, não existe Deus.”
Logo, existe – dizemos nós.
(Deus na Natureza – Primeira Parte. A Força e a
Matéria.)
103. “Livre é cada qual de franquear os limites do mundo
visível – pondera Büchner – e de procurar fora dele uma
razão que governa, uma potência absoluta, uma alma
mundial, um Deus pessoal”, etc. Mas, que é o que vos
fala disso? “Nunca, em parte alguma – diz o mesmo
literato – nos mais longínquos espaços revelados pelo
telescópio, pôde observar-se um fato que fizesse exceção
e pudesse justificar a necessidade de uma força
absoluta, operando fora das coisas.”
(Deus na Natureza – Primeira Parte. A Força e a
Matéria.)
104. “A força não impelida por um Deus, não é uma
essência das coisas isoladas do princípio material” –
adverte Moleschott. Ninguém terá visão tão limitada –
afirma ele alhures – para enxergar nas ações da Natureza
forças outras não ligadas a um substrato material. Uma
força que planasse livremente acima da matéria seria uma
concepção absolutamente balda de sentido.
(Deus na Natureza – Primeira Parte. A Força e a
Matéria.)
105. Positivamente, ainda hoje existem cavaleiros
errantes, à guisa dos que outrora manobravam em torno
dos castelos do Reno, e de bom grado arremetem moinhos
de vento. Lídimos heróis de Cervantes, visto que, no fim
de contas, qual o filósofo que hoje propugna um Deus ou
forças quaisquer fora da Natureza?
(Deus na Natureza – Primeira Parte. A Força e a
Matéria.)
106. Vemos em Deus a essência virtual que sustenta o
mundo em cada uma de suas partes microscópicas, daí
resultando ser o mundo como que por ele banhado,
embebido em todas as suas partes e que Deus está
presente na composição mesma de cada corpo. Dessarte, a
primeira trincheira cavada pelos adversários para
bloquear o Espiritualismo foi por eles mesmos entulhada;
e a segunda nem sequer objetiva a cidadela, e os nossos
soldados alemães não fazem mais que bater o campo.
(Deus na Natureza – Primeira Parte. A Força e a
Matéria.)
107. Um terceiro erro, capital e imperdoável em
cientistas de certa idade, é imaginarem-se com direito
de afirmar sem provas, a embalarem-se com a doce ilusão
de serem os outros obrigados a acreditar sob palavra.
Coisas que a verdadeira Ciência profundamente silencia,
afirmam-nas eles, categóricos. Afirmam, como se
houvessem assistido aos concelhos da Criação, ou como se
fossem os próprios autores dela.
(Deus na Natureza – Primeira Parte. A Força e a
Matéria.)
108. Eis alguns espécimes de raciocínios, cuja
infalibilidade é tão ciosamente proclamada. Que os
espíritos um tanto afeitos à prática científica se deem
ao trabalho de analisar as afirmações que se seguem.
(Deus na Natureza – Primeira Parte. A Força e a
Matéria.)
109. Moleschott diz que a força não é um deus que
impele, não é um ser separado da substância material das
coisas (quer dizer separado ou distinto?). É a
propriedade inseparável da matéria, a ela inerente de
toda a eternidade. “Uma força, não ligada à matéria,
seria um absurdo. O azoto, o carbono, o oxigênio, o
enxofre e o fósforo têm propriedades que lhes são
inerentes de toda a eternidade... Logo, a matéria
governa o homem.”
(Deus na Natureza – Primeira Parte. A Força e a
Matéria.)
110. Cada uma destas afirmativas, ou negativas, é uma
petição de princípios, a depender do sentido que dermos
aos termos discutíveis utilizados; mas, em suma, o que
elas resumem é que a força vale como propriedade da
matéria. Ora, essa é, precisamente, a questão. Os
campeões da Ciência, que pretendem representá-la e falar
com e por ela, não se dignam de seguir o método
científico, que é o de nada afirmar sem provas. Nas
dobras do seu estandarte, com letras douradas,
estereotiparam uma legenda fulgurante, a saber: – toda
proposição não demonstrada experimentalmente só merece
repúdio – e, no entanto, logo de início, esquecem a
legenda. São pregadores de uma nova espécie: façam o que
digo e não o que eu faço. Veremos, com efeito, que,
quantos afirmam que a força não impulsiona a matéria,
exprimem um conceito imaginativo, nada científico.
(Deus na Natureza – Primeira Parte. A Força e a
Matéria.)
111. Ouçamos, ainda, outras afirmativas gerais: “A
matéria – diz Dubois-Reymond – não é um veículo ao qual,
à guisa de cavalos, se atrelassem ou desatrelassem
alternativamente as forças. Suas propriedades são
inalienáveis, intransmissíveis de toda a eternidade.”
(Deus na Natureza – Primeira Parte. A Força e a
Matéria.)
112. Quanto ao destino humano, eis como se exprime
Moleschott: “Quanto mais nos convencemos de trabalhar
para o mais alto desenvolvimento da Humanidade, por uma
judiciosa associação de ácido carbônico, de amoníaco e
de outros sais, de ácido húmico e de água, mais se
nobilitam a luta e o trabalho”. E também em nosso país:
“Uma ideia – diz a Revista Médica – é uma combinação
análoga à do ácido fórmico; o pensamento depende do
fósforo; a virtude, o devotamento, a coragem, são
correntes de eletricidade orgânica”.
(Deus na Natureza – Primeira Parte. A Força e a
Matéria.)
113. Quem vos disse tal coisa, senhores redatores? Olhem
que os leitores hão de pensar que os vossos mestres
ensinam esses gracejos, quando tal se não dá,
absolutamente. Mesmo porque, do ponto de vista
científico, esses raciocínios são totalmente nulos. De
fato, não se sabe o que mais admirar em tais expoentes
da Ciência: se a singular audácia, se a ingenuidade de
suas presunções.
(Deus na Natureza – Primeira Parte. A Força e a
Matéria.)
(Continua no próximo
número.)
(1)
Tinha: lagarta que ataca as
colmeias.