Pé de barro, pé
no barro
Vivemos um tempo curioso. Após a chegada do homem à lua,
do telescópio Hubble ter ajudado a desvendar o espaço,
de uma grande expansão de nosso conhecimento do
Universo, nos decepcionamos com o que encontramos.
Esperávamos algo divino, maravilhoso.
Esperávamos, na ratificação de nossa imaginação fértil,
algo de civilizações intergalácticas, de descobertas de
outros mundos, como um Cabral ou um Colombo moderno à
busca de novas civilizações. Mas encontramos rochas e
gases, e fomos buscar abrigos em teorias conspiratórias
e fábulas modernas, sem ver a magnitude do que
encontramos.
Da mesma forma, a profusão das comunicações; as redes
nos colocaram em tempo real em contato com a natureza
humana. Ponto a ponto, sem filtros, viralizamos e nos
comparamos com o vizinho nas redes sociais, e vemos do
que o Espírito encarnado é capaz. Mas nos decepcionamos.
Quebramos as nossas expectativas com o homem que vemos
no espelho. Sentimos vergonha da raça humana.
Sim, por ver não somente o mal, mas por vê-lo sendo
propagado, comemorado e consumido, misturando o mundo
real e a ficção, destruindo a crença no homem como
centelha divina, com potencial para fazer mais e melhor
nesse mundo. Por ver que desperdiçamos soluções e
criamos problemas, e a despeito de toda a tecnologia,
ainda padecemos da fome, da ignorância e da violência.
A decepção é o sentimento que habita bocas e corações.
Uma tristeza infinda. Uma vontade de não se levantar, em
um tempo curioso, de falta de fé, ainda que existam
tantas religiões. De ídolos de “pé de barro”, ainda que
existam tantas celebridades instantâneas. Uma falta de
esperança, de concepção de um mundo melhor, abatido pela
realidade que se descortina.
O Espiritismo, como doutrina libertadora, que concilia a
vida eterna com a vida real, traz uma nova proposta de
fé. Não somente por ser raciocinada. Não uma proposta de
“pés de barro” e sim uma proposta de “pé no barro”, na
qual essa decepção não se justifica. Uma proposta de
mundo em transformação, pelas nossas mãos e guiado pelos
nossos pés.
Sim, o Espiritismo convida-nos, Espíritos encarnados, a
uma fé ativa, producente. A assumir as rédeas do mundo,
para romper os determinismos da natureza humana,
colocando os pés no barro e mostrando que pode ser feito
diferente. Um mundo que será o que nós fizermos dele.
Nós, as diversas gerações que encarnam sucessivamente no
planeta.
Imagine uma mulher, um negro, um indígena no Século
XVII. Ele olhava também para o mundo de baixo, sem fé. E
hoje, apesar dos pesares, muita coisa mudou na relação
do mundo com esses grupos. A evolução se fez e se faz.
Às vezes lentamente, as vezes de forma imperceptível,
mas o mundo melhora e pode melhorar. Só depende de nós.
Essa lógica que o Espiritismo traz, de deixar em nossas
mãos a construção de um mundo melhor, converte essa
decepção em trabalho, essa falta de fé em esforço, esse
vazio em sede. Temos a ideia de reencarnação, não como
um dogma de sofrimento e karma determinista, mas como
uma chave libertadora do sofrimento e de promoção da
fraternidade.
A pergunta 171 de “O Livro dos Espíritos” traz que
“(...) a doutrina da reencarnação, isto é, a que
consiste em admitir para o Espírito muitas existências
sucessivas, é (...) a única que pode explicar o futuro e
firmar as nossas esperanças, pois que nos oferece os
meios de resgatarmos os nossos erros por novas provações”.
Esse resgate não é somente na dimensão individual, mas
também na dimensão coletiva.
A continuidade da vida permite ao homem-espírito
exercitar a sua capacidade de se reinventar, de fazer
diferente, de romper barreiras e construir novas pontes
entre os fossos que se apresentam. E isso exige
trabalho, esforço e dedicação. A fé sem obras é morta,
diz o evangelho, e, nesse sentido, temos que avançar,
com o pé no barro e os olhos no céu.
Pois o nosso destino está nas estrelas. Mas o momento,
aqui e agora, é que ele está sendo construído.