Lições no metrô
Você já se deparou com uma situação assim: está
distraído, com o olhar meio vago, quando percebe uma
pessoa olhando para o seu lado com cara esquisita?
Depois ela vira o rosto naturalmente, mas você, na
fração de segundo que passa, capta uma estranheza
naquela fisionomia?
Aconteceu um dia desses com o Esteves. Viajava ele de
metrô, ia lendo um livro espírita e de vez em quando o
fechava para refletir sobre o que lia. Numa dessas vezes
em que ergueu a cabeça, observou uma senhora com os
olhos na sua direção fazendo uma espécie de careta, que
a princípio não tinha nenhum significado. Talvez antes
que os seus olhos se cruzassem, não se sabe, ela desviou
o rosto para outra coisa.
Apesar da circunstância fortuita que pode acontecer com
todas as pessoas e em muitas ocasiões, Esteves fechou o
livro e começou a se fazer perguntas: “Será que é
comigo? Não gostou da minha cara? Percebeu que leio um
livro espírita e isso a importunou? Quem sabe odeia o
Espiritismo?! Com tanta gente no vagão, logo eu!...”
E foi por aí, deixando o pensamento percorrer um caminho
que não levava a lugar algum. Fez ilações inúteis, e
mais, interrompeu a leitura que vinha lhe dando tanto
prazer até aquele momento.
Não demorou muito, o carro parou e Esteves notou que a
senhora, ao virar-se para descer, fez idêntica careta,
sumindo na multidão de passageiros que também saltavam.
Num estalo Esteves caiu em si, e meio envergonhado
concluiu que a ocorrência nada tinha a ver com ele.
Possivelmente aquela senhora nem notara a sua presença.
No exato instante em que olhou para onde ele estava
talvez tenha se lembrado de um problema chato a
resolver, ou sentido uma fisgada na coluna, quem sabe? E
se tivesse um cacoete? Teria perdido um ente querido
recentemente e o esgar facial traiu a lembrança que lhe
passou pela alma? Pensou numa contrariedade familiar, as
notas baixas de um filho rebelde, por exemplo... Tanta
coisa, meu Deus, pode ter passado naquela cabeça,
naqueles segundos... E ele chegou a se incomodar com uma
simples ilusão...
Esse episódio rápido e vulgar, ocorrido num vagão do
metrô, deu a Esteves duas lições. Primeira: não julgar
pelas aparências. Nem sempre o que se vê é a realidade.
O aspecto exterior quase nunca fala da essência.
Segunda: não levar para o lado pessoal, não tomar para
si, não relacionar diretamente a si tudo o que se ouve
ou vê. Podemos conhecer as nossas razões, mas ignoramos
as razões dos outros.
Agindo assim – Esteves refletiu –, não se corre o risco
de envolvimento mental ou pessoal em assuntos com os
quais não se tem a menor relação e não nos dizem
respeito, evitando conflitos e aborrecimentos.
A viagem ainda durou mais um pouco, e assim que chegou
sua estação Esteves desceu com naturalidade, procurando
não olhar diretamente para ninguém.