Que haverá na infância?
No período da infância, o que é imitado com frequência
pode tornar-se um hábito, compondo a rotina que
faz a vida da criança tranquila e segura.
Os adultos da casa ensinando às crianças – “este é o
modo como fazemos aqui” –, ajudam-nas a aprenderem bons
costumes, os referenciais da convivência benevolente e
as raízes da própria cultura: vestir-se, escovar os
dentes, tomar o café da manhã, expressar-se à mesa, o
carinhoso beijo de despedida na porta da escola, o
livrinho de (boa) história na hora de dormir, sem
esquecer que o que as crianças experimentam na infância
é sumamente importante para suas biografias.
Infelizmente, e cada vez mais, observamos crianças com
muitas atividades e desde muito pequenas: escola,
futebol, natação, inglês, música, xadrez, balé, os
excessos de deveres e competição, também porque os pais
muitas vezes trabalham muitas horas por dia e não têm
tempo de cuidar delas.
Mais do que fazer centenas de coisas, como se adulta
fosse, uma criança precisa dispor de tempo para ser…
Não faz mal que se sinta frustrada, entediada depois do
almoço, cometendo erros sob a luz do amor benevolente,
divertindo-se na pracinha do bairro, e para descobrir o
valor das plantinhas e dos pequenos animaizinhos, comer
uma maçã na merenda, água fresca na garrafinha.
Ajudamos uma criança a crescer deixando-a correr
livremente no jardim ou em um parque, liberada de
atividades diárias que lhe roubem ritmo para inventar
brincadeiras ou simplesmente fincar os pés na grama,
mãozinhas na terra, o gosto fresco da chuva, o sol
espiando por cima do muro.
As crianças são famintas de tudo o que aparece de novo
em seu campo de atenção, basta observá-las absortas
olhando as coisas, uma folha verde rugosa, um
formigueiro, as delicadas figuras de um livro infantil…
Então por que antecipar as coisas?
Sem hipotecar o futuro, não permitamos que uma criança
assuma precocemente atividades que lhe furtem a
infância, restringindo seu sagrado direito de desfrutar
leve e alegremente essa paisagem, mantendo os olhos
curiosos, a alma e o corpo ligados à vida por
possibilidades infinitas. E nosso amor, que nos liga a
ela, autêntico e profundo, fazendo a gente perceber, sem
nenhum temor, que há tempo para tudo.
*
Esta seção, cuja estreia ocorreu na edição anterior,
trará sempre textos dedicados à infância, seus cuidados,
sua educação. O título – Cinco-marias – é uma
alusão a um conhecido brinquedo que integra um conjunto
de
brincadeiras e atividades lúdicas conceituadas como
Patrimônio Cultural da Humanidade. (Eugênia Pickina)