Clássicos
do Espiritismo

por Angélica Reis

Deus na Natureza
Camille Flammarion
(Parte 8)

 
Continuamos o
estudo metódico e sequencial do livro Deus na Natureza, de autoria de Camille Flammarion, escrito na segunda metade do século 19, no ano de 1867.

Questões preliminares


A. Qual a velocidade com que nosso planeta executa a translação, ou seja, o movimento que faz em torno do Sol?

Esse movimento é realizado com a incrível velocidade de cerca de 108 mil quilômetros por hora, o que mostra o gigantismo do Universo e a exuberância das leis que o regem. (Deus na Natureza – Primeira Parte. O Céu.)

B. Diante desses movimentos indescritíveis que transportam pelos desertos do infinito uma infinidade de astros, que podemos deduzir?

Idêntica indagação é formulada por Flammarion: diante dos movimentos dos astros, submetidos todos à lei da gravidade, e diante da submissão dos corpos celestes a regras que a mecânica e as fórmulas analíticas podem traçar de antemão, quem ousará negar que a Força não governe, não dirija soberanamente a Matéria, em virtude de uma lei inerente à própria Força? E quem ousará subordinar a Força à cegueira constitucional da Matéria, reduzindo-a ao papel de escrava, quando ela se impõe de tal arte e reivindica credenciais de absoluta suserania? (Deus na Natureza – Primeira Parte. O Céu.)

C. É correto afirmar que o Universo é um imenso dinamismo?

É isso que, a partir de Newton e Képler, a Ciência terrena admite: um dinamismo cujos elementos em sua totalidade não cessam de agir e reagir na infinidade do tempo e do espaço, com atividade indefectível. Esta a grande verdade que a Astronomia, a Física e a Química nos revelam nas imponentes maravilhas da Criação. (Deus na Natureza – Primeira Parte. O Céu.)


Texto para leitura


164. Admiramo-nos desses comboios ferroviários que devoram distâncias como dragões flamantes e, no entanto, os globos celestes mais volumosos que a nossa Terra deslocam-se com uma rapidez que ultrapassa a das locomotivas tanto quanto a destas ultrapassa a das tartarugas. (Deus na Natureza – Primeira Parte. O Céu.)

165. A Terra que habitamos, por exemplo, percorre o espaço com a velocidade de seiscentos e cinquenta mil léguas por dia. [Nota: Translação é um movimento que a Terra executa em torno do Sol de forma elíptica. Durante o deslocamento desse movimento, a Terra viaja a uma velocidade de cerca de 108 mil quilômetros por hora.] (Deus na Natureza – Primeira Parte. O Céu.)

166. Rodeando esses mundos, veríamos satélites em circulação e a distâncias diferentes, mas adstritos e submissos às mesmas leis. E todas essas repúblicas flutuantes inclinam os polos alternativamente para o calor e para a luz, a gravitarem sobre o próprio eixo, apresentando, cada manhã, os diferentes pontos de sua superfície ao beijo do astro-rei. (Deus na Natureza – Primeira Parte. O Céu.)

167. Elas tiram, assim, da combinação mesma dos seus movimentos, a renovação da beleza e da juventude; renovam a fecundidade no ciclo das primaveras, dos estios, dos outonos e dos invernos; coroam de frondes as montanhas onde o vento suspira; refletem no espelho dos lagos a magia de suas paisagens; envolvem-se, às vezes, na lanugem atmosférica, fazendo dela um manto protetor, ou transformando-a em cadinho retumbante de raios e granizos; desdobram por superfícies imensas a força das ondas oceânicas, que, também por si, se alteiam sob a atração dos astros, qual seio ofegante; iluminam crepúsculos com os matizes policrômicos dos ocasos comburentes e fremem nos seus polos às palpitações elétricas despedidas dos leques de boreais auroras; geram, embalam e nutrem a multidão de seres que as povoam; e renovam o filão da vida desde as plantas fósseis, do passado, até o homem que pensa e sonda o futuro. (Deus na Natureza – Primeira Parte. O Céu.)

168. Todos esses mundos, todas essas moradas do espaço, departamentos da vida, nos apareceriam quais naves bussoladas, conduzindo através do oceano celeste tripulantes que não têm a temer escolhos nem imperícias de comando, nem falta de combustível, nem fome, nem tempestades. (Deus na Natureza – Primeira Parte. O Céu.)

169. Estrelas, sóis, mundos errantes, cometas fúlgidos, sistemas estranhos, astros misteriosos, todos proclamariam harmonia, seriam todos os acusadores de quantos decretam não passar a força de cego atributo da matéria. E quando, acompanhando as relações numéricas que ligam todos esses mundos ao Sol – qual coração palpitante de um mesmo ser – houvermos personificado o sistema planetário do próprio Sol – foco colossal que a todos absorve na sua esplendente e poderosa personalidade – então, não tardaremos a ver nesse Sol, com o seu sistema, em trânsito pelos espaços infinitos, o atestado de que todas as estrelas são outros tantos sóis, cercados, como o nosso, de uma família que deles recebe luz e vida, e veremos que todas as estrelas são guiadas por movimentos diversos e que, muito longe de ficarem fixas na imensidade, caminham com velocidades terrificantes, ainda mais céleres que as retro mencionadas. (Deus na Natureza – Primeira Parte. O Céu.)

170. Só, então, o Universo inteiro brilhará aos nossos olhos sob o verdadeiro prisma e as forças que o regem proclamarão, com a eloquência maravilhosamente brutal de fato concreto, o seu valor, a sua missão, autoridade e poder. (Deus na Natureza – Primeira Parte. O Céu.)

171. Diante desses movimentos indescritíveis – inconcebíveis mesmo, poderíamos dizer – que transportam pelos desertos do infinito essa infinidade de sóis; diante dessa catadupa de estrelas do infinito; diante dessas rotas, dessas órbitas imensuráveis, seguidas com a passividade dos ponteiros de um relógio, da maçã que cai, ou da roda do moinho, obedientes à lei da gravidade; diante da submissão dos corpos celestes a regras que a mecânica e as fórmulas analíticas podem traçar de antemão, bem como da condição suprema de estabilidade e duração do mundo, quem ousará negar que a Força não governe, não dirija soberanamente a Matéria, em virtude de uma lei inerente ou afeta à própria Força? (Deus na Natureza – Primeira Parte. O Céu.)

172. Quem pretenderá subordinar a Força à cegueira constitucional da Matéria e afirmar, à maneira retrógrada dos peripatéticos, que ela não passa de atributo oculto, reduzindo-a ao papel de escrava, quando ela se impõe de tal arte e reivindica credenciais de absoluta suserania? Que Deus tal nunca permita. Que sucederia se ela, a Força, deixasse de agir e abdicasse o seu cetro? A só imaginação desta hipótese dissolve a harmonia do mundo e o faz esboroar-se num caos informe, digno resultado, aliás, de tão insensata tentativa. (Deus na Natureza – Primeira Parte. O Céu.)

173. Leis universalmente demonstradas proclamam a unidade do Cosmos e evidenciam que o mesmo pensamento que regula as nossas marés oceânicas preside às revoluções siderais das estrelas duplas, nos latifúndios do céu. Tais duplos, triplos, quádruplos sóis giram em conjunto, ao redor do centro comum de gravidade, obedecendo às mesmas leis que regem o nosso sistema planetário. Nada mais próprio do que esses sistemas para nos dar uma ideia da escala da construção dos mundos – diz John Herschel. (Deus na Natureza – Primeira Parte. O Céu.)

174. Quando vemos esses corpos imensos, encasalados, descreverem órbitas enormes, cujo percurso lhes demanda séculos, somos levados a admitir simultaneamente que eles preenchem, na Criação, uma finalidade que nos escapa e que atingimos os limites da humana inteligência para confessar a nossa inópia e reconhecer que a mais fecunda imaginação não pode ter do mundo uma concepção aproximativa sequer, da grandeza do assunto. (Deus na Natureza – Primeira Parte. O Céu.)

175. Os astrônomos que humildemente remontam ao princípio ignoto das causas não podem eximir-se de considerar nas mãos de um ser inteligente essa atração universal, que rege inteligentemente o Cosmos. A lei de gravitação – dizia o saudoso diretor do Observatório de Toulouse[i] – enfeixa implicitamente as grandes leis que regem os movimentos celestes e, por uma dessas coincidências notáveis que são o mais seguro índice da verdade – longe de temer as exceções aparentes, as perturbações dos movimentos normais, antes delas extrai as mais brilhantes confirmações. (Deus na Natureza – Primeira Parte. O Céu.)

176. Assim é que vemos os geômetras modernos explicarem a precessão dos equinócios pela combinação da força centrífuga, oriunda da rotação da Terra, com a ação do Sol sobre o nosso menisco equatorial. Assim é que vemos, ainda, explicar-se a nutação por uma influência análoga, da Lua, sobre a luminescência mesma da Terra e, mais: – as atrações planetárias, a oscilação da eclíptica e do movimento do apogeu solar; do retardamento de Júpiter quando Saturno se acelera, e vice-versa, quando a aceleração se dá em Júpiter. (Deus na Natureza – Primeira Parte. O Céu.)

177. Finalmente, é assim que sabemos por que, sob a influência solar, a média do nosso movimento terráqueo se vai acelerando de século em século e deverá diminuir mais tarde, por que a linha dos nós da Lua perfaz a sua revolução em movimento retrógrado dentro de dezoito anos e por que o perigeu lunar se completa em pouco menos de nove anos, etc.[ii] (Deus na Natureza – Primeira Parte. O Céu.)

178. Não somente, em resumo, esse princípio notável explica todos os fenômenos conhecidos, como permite, muitas vezes, descobrir efeitos que a observação não indica, de modo que se poderia estabelecer a priori, pela análise, a constituição do mundo e não nos socorrermos da observação senão em alguns pontos de referência, de que se utilizam os geômetras sob a denominação de constantes, nos seus cálculos. (Deus na Natureza – Primeira Parte. O Céu.)

179. Tudo pois, no Universo, marcha por efeito de uma organização admirável de simplicidade, visto que os movimentos, aparentemente mais complicados, resultam da combinação de impulsos primitivos com uma força única agindo sobre cada molécula material; força única, com a qual, e consequentemente, haja de ocupar-se, por assim dizer, o Criador. Mas, também, que desenvolvimento de poder não requer a produção incessante dessas forças, cuja existência não é essencialmente inerente à matéria! Oh! como deve ser vigilante a mão eterna que sabe, a cada momento, renovar tais forças, até nos mais impalpáveis átomos dos inumeráveis astros destinados a povoar as regiões de infinita imensidade. Não será o caso de dizer com o rei-profeta, inclinando-se perante tanta grandeza: Coeli enarrant gloriam Dei? (Deus na Natureza – Primeira Parte. O Céu.)

180. A partir de Newton e Képler, sabemos que o Universo é um dinamismo imenso, cujos elementos em sua totalidade não cessam de agir e reagir na infinidade do tempo e do espaço, com atividade indefectível. Esta a grande verdade que a Astronomia, a Física e a Química nos revelam nas imponentes maravilhas da Criação. (Deus na Natureza – Primeira Parte. O Céu.)

181. Tal o sublime espetáculo do mundo, tais as leis constitutivas da sua harmonia. Ora, qual a perfídia de linguagem, ou de raciocínio, que os materialistas utilizam para traduzir pró-domo sua esses fatos e concluírem pela ausência de todo e qualquer pensamento divino? (Deus na Natureza – Primeira Parte. O Céu.)

182. Eis aqui os argumentos inscritos em letras berrantes num catecismo materialista que, por seu colorido de Ciência, se tem imposto a muita gente:[iii]

“Todos os corpos celestes, pequenos ou grandes, se conformam, sem relutância, sem exceções nem desvios, com esta lei inerente a toda a matéria e a toda partícula de matéria, como podemos experimentar a cada momento. É com uma precisão e certeza matemáticas que todos esses movimentos se fazem reconhecer, determinar e predizer. Os espiritualistas veem nestes fatos o pensamento de um Deus eterno, que impôs à Criação as leis imutáveis de sua perpetuidade. Os materialistas, porém, ao contrário, não veem nisso senão a prova de que a ideia de Deus não passa de uma pilhéria. Outro fora o caso, se existissem corpos celestes caprichosos ou rebeldes, se a grande lei que os rege não fosse soberana. É fácil (diz Büchner) conciliar o nascimento, a constelação (?) e o movimento dos orbes com os processos mais simples que a matéria de si mesma nos possibilita. A hipótese de uma força pessoal criadora é inadmissível. Por quê? Ninguém, jamais, pôde sabê-lo. Os espiritualistas admiram o movimento dos astros, a ordem e harmonia que a eles preside. Ingênuos! No Universo não há ordem nem harmonia e sim, pelo contrário, a irregularidade, os acidentes, a desordem, que excluem a hipótese de uma ação pessoal regida pelas leis da inteligência, mesmo humana.” (Deus na Natureza – Primeira Parte. O Céu.)

 

183. Ponderemos: Copérnico publicou Revoluções Celestes, após trinta anos de árduos labores; Galileu só depois de vinte anos fecundou a lei do pêndulo; Képler não levou menos de dezessete para formular suas leis e Newton, já octogenário, dizia não ter ainda chegado a compreender o mecanismo dos céus; e, depois disso, vêm propor-nos acreditar que essas leis sublimes e que tudo quanto esses gênios possantes mal puderam encontrar e formular não revelam no ascendente, que as impôs à matéria, uma inteligência sequer igual à do homem! (Deus na Natureza – Primeira Parte. O Céu.)

184. E o Sr. Renan escreve então esta frase: “Por mim, penso não haver no Universo inteligência superior à humana.” E ousam compadrinhar-se com acidentes que propriamente o não são, para afirmarem que não existe harmonia na construção do mundo. (Deus na Natureza – Primeira Parte. O Céu.)

(Continua no próximo número.)

 


 

[i]     F. Petit – Traité d’Astronomie, 24º et dernlère leçon.

[ii]    Curioso é que Clairaut, tendo encontrado em seus cálculos um período de dezoito em vez de nove anos, declarasse insuficiente, para este caso, a gravitação inversa ao quadrado da distância e que fosse precisamente um naturalista, Buffon, que, persuadido de que a Natureza não podia ter duas leis diferentes, insistisse com o geômetra para que revisse os seus cálculos. Clairaut, após um novo exame, reconheceu que a primeira assertiva estava errada, pois que havia negligenciado, nas séries, termos indispensáveis.

[iii]   Büchner – Força e matéria.

 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita