Virtus in medium
est
Ainda que o livro bíblico do Apocalipse assevere: “Assim,
porque és morno, nem frio nem quente, estou para te
vomitar de minha boca”,
fico com a sabedoria de Aristóteles, que afirma que a
virtude está no meio, consoante com outro grande sábio
da humanidade, Sidarta Gautama, que pregava na mesma
linha.
O fato é que os extremos, em tempos extremos, e de
radicalismo a saltar aos olhos, são facas afiadas, e
faz-se necessário ouvir o convite da temperança, do
comedimento, a busca de um equilíbrio, que seja
razoável, e, de forma alguma, omisso. Inclusive nas
questões mais filosóficas!
O Espiritismo, atualmente, também tem suas tensões,
orbitando entre extremos. E são essas tensões que
exploraremos nesse breve artigo, visando trazer alguma
reflexão sobre a nossa necessidade de equilíbrio,
inclusive no trato das questões mais espiritualizadas.
Ordem e participação:
Falamos muito de disciplina, de obedecer, de seguir na
casa espírita uma ordem, e quem assim não procede é
criticado. Por vezes são ordens oriundas supostamente
dos próprios Espíritos mentores da casa, e que não podem
ser desrespeitadas. Mesclamos disciplina com
autodisciplina e buscamos padronizações, formatações,
desprezando a essência.
Mas a participação, a opinião dos frequentadores,
trabalhadores, assistidos ou sei lá que título
transitório a pessoa ostente, é fundamental, como
feedback, como mecanismo de pertencimento e como
filtro para sopesar verdades únicas e inabaláveis.
Afinal, o método de Kardec da universalização das
comunicações tinha uma matriz bem democrática.
Material e espiritual:
Ouvimos pessoas se dizendo espiritualizadas e, a partir
dali, desprezam as questões materiais, os problemas
sociais, as auguras do ser humano, se colocando acima do
mundo material, tido como inferior, pensando apenas na
sua vida após a morte, invocando o velho idealismo
filosófico.
Esquecem-se de que estamos aqui encarnados com um
propósito e que o instrumento de progresso da divindade
é também o próprio ser humano encarnado. Não adianta ser
um bom espírita e não buscar ser melhor como cidadão,
como profissional, como pai, e toda essa sorte de coisas
“mundanas”, que nos serão cobradas pela nossa
consciência quando do nosso desencarne. A vida terrena é
oportunidade.
Determinismo e livre-arbítrio:
A liberdade não é uma grandeza absoluta, em especial, no
nosso nível, como Espíritos encarnados, mas oscilamos,
na variância da expressão “o meio influencia, mas não
determina”, entre maxicompromissos reencarnatórios
planejados e responsabilizações por questões da vida
encarnada, quase em um revival do conceito de
Karma.
Somos livres, mas somos limitados. Somos livres, mas
somos jovens, espiritualmente. Temos opções, mas estas
se constroem com o que se apresenta. Temos compromissos,
mas eles nos escravizam em certa medida, permitindo-nos
construir soluções alternativas. Profecias, oráculos e
similares só veem do alto da montanha, mas os caminhos
são vários, como já ensinava Kardec.
Razão e intuição:
Uma parte de nosso ser calcula, pesa, pondera para
decidir. Isso é bom, mas lento. Outra parte age de forma
impulsiva, mediante informações incompletas. São lados
de nossos cérebros, são aspectos de nossa personalidade.
Os Espíritos trazem as asas da razão e da emoção como
grandezas que se equilibram. Polos masculinos e
femininos no saudoso Dr. Jorge Andréa. Anima e
Animus, somos um ser binário, não só no espírito e
matéria, mas nessas potencialidades que precisam ser
combinadas na medida certa.
Individual e coletivo:
Ouvimos nas falas espíritas, na alegoria do
quebra-cabeça que o menino monta e no verso tem a imagem
de um homem, que precisamos nos melhorar e assim
melhoramos o mundo. Uma visão extrema que, se
interpretada de certa forma, nos joga no frio casulo de
nossa individualidade ermitã.
A evolução é uma questão individual, mas só tem sentido
no coletivo. Por isso, encarnamos em uma família, em uma
sociedade, em um planeta e crescemos nessa interação com
o nosso próximo, um elemento lembrado como de extrema
relevância por Jesus.
Como se vê, as posturas extremas são ruins, e no
cotidiano é que vamos construindo esse equilíbrio,
entendendo, com muita humildade, que estamos ainda no
alvorecer de um novo dia e que temos muito, muito ainda
a aprender, e que adotar extremismos pode ser se
encapsular, de forma tão omissa quanto quem não se
posiciona.