Espírito
superior, mas
não perfeito
Considerando a descrição de Allan Kardec a respeito dos
Espíritos superiores, a muitos acode a ideia destes
Espíritos se encontrarem todos bem próximos de Jesus em
evolução, este, o único Espírito perfeito a se ter
notícia de já haver reencarnado na Terra, sendo os
atributos daqueles um verdadeiro desafio a todos nós
conquistá-los, senão vejamos:1
Segunda classe.
ESPÍRITOS SUPERIORES. — Esses em si reúnem a ciência, a
sabedoria e a bondade. Da linguagem que empregam se
exala sempre a benevolência; é uma linguagem
invariavelmente digna, elevada e, muitas vezes, sublime.
Sua superioridade os torna mais aptos do que os outros a
nos darem noções exatas sobre as coisas do mundo
incorpóreo, dentro dos limites do que é permitido ao
homem saber. Comunicam-se complacentemente com os que
procuram de boa-fé a verdade e cuja alma já está
bastante desprendida das ligações terrenas para
compreendê-la. Afastam-se, porém, daqueles a quem só a
curiosidade impele, ou que, por influência da matéria,
fogem à prática do bem. Quando, por exceção, encarnam na
Terra, é para cumprir missão de progresso e então nos
oferecem o tipo da perfeição a que a Humanidade pode
aspirar neste mundo.
O Mestre de Lyon destaca alguns nomes de representantes
desta classe de Espíritos participantes na elaboração
das obras espíritas, a começar em O Livro dos
Espíritos, nos Prolegômenos, quando informa: “Este
livro é o repositório de seus ensinos. Foi escrito por
ordem e mediante ditado de Espíritos superiores, para
estabelecer os fundamentos de uma filosofia racional,
isenta dos preconceitos do espírito de sistema. Nada
contém que não seja a expressão do pensamento deles e
que não tenha sido por eles examinado”. (Op.cit.)
Ora, como esta parte do livro foi assinada por: “São
João Evangelista, Santo Agostinho, São Vicente de Paulo,
São Luís, O Espírito de Verdade, Sócrates, Platão,
Fénelon, Franklin, Swedenborg”, entre outros, podemos
concluir serem todos estes exemplos de Espíritos
superiores, exceto O Espírito de Verdade, o qual, apesar
de algumas poucas opiniões contrárias, segundo nosso
entendimento, não se enquadra mais na ordem dos
superiores, pois já é Espírito puro, o degrau acima da
classe dos superiores, a primeira classe, e todos,
indistintamente, inclusive Allan Kardec, estiveram sob
Seu comando e diretrizes ao participarem na elaboração
de todas as obras fundamentais e subsequentes.
O Codificador também aponta diretamente pelo menos outro
superior: Erasto2, quando este escreveu sobre
o papel dos médiuns, e ao observarmos outros
textos ou mensagens ditadas por este Espírito, mais
admiração nos provocam.
Entretanto, é interessante notar, o próprio Codificador
registrou textos sobre este grupo de Espíritos nos
fazendo ponderar sobre a distância ainda existente entre
o estágio evolutivo deles e a perfeição3:
402. [...] Graças ao sono, os Espíritos encarnados estão
sempre em relação com o mundo dos Espíritos. Por isso
é que os Espíritos superiores assentem, sem grande
repugnância, em encarnar entre vós. Quis Deus que,
tendo de estar em contato com o vício, pudessem eles ir
retemperar-se na fonte do bem, a fim de igualmente
não falirem, quando se propõem a instruir os outros.
(Negritamos)
Se o livro foi ditado e revisado por Espíritos
superiores, eles estão aqui a falar deles mesmos. E
mais, como se denota deste texto, na parte destacada da
resposta, conclui-se terem ainda alguma repugnância em
entrar em contato conosco quando reencarnados, pois,
serão obrigados a viver de novo sujeitos a todas as
necessidades materiais impostas pelo corpo físico,
tendo-as, a grande parte deles, já superado plenamente.
O convívio com Espíritos ainda viciosos e maldosos deve
igualmente provocar certo desconforto entre estes
luminares. Além disso, os Espíritos superiores ainda
possuem certas fraquezas, seus possíveis calcanhares de
Aquiles, pois, se não os tivessem, Allan Kardec não
teria escrito sobre a possibilidade de eles falirem em
contato com o vício, caso não pudessem se fortalecer
através da emancipação durante o período de sono.
A questão da repugnância é confirmada ao menos em outra
ocasião4:
226- 7ª. Por que permitem os Espíritos superiores que
pessoas dotadas de grande poder, como médiuns, e que
muito de bom poderiam fazer, sejam instrumentos do erro?
"Os Espíritos de que falas procuram influenciá-las; mas,
quando essas pessoas consentem em ser arrastadas para
mau caminho, eles as deixam ir. Daí o servirem-se
delas com repugnância, visto que a verdade não
pode ser interpretada pela mentira". (Negritamos)
Agora trata-se de outra modalidade de repugnância, entre
outras causas possíveis, vinda do fato destes Espíritos
terem de se aproximar “perispiritualmente” de
encarnados, os médiuns, quando estes últimos ainda
apresentam seus perispíritos irradiando vibrações e
energias densas, impregnadas de toda sorte de fluidos
materiais, certamente provocando certa indisposição em
Espíritos que já deixaram para trás os vícios materiais
ainda hoje cultuados. Deve ser de fato muito
desagradável, por exemplo, um Espírito superior receber
via perispírito, fluidos impregnados de: fumo, álcool,
condimentos variados de nossa grosseira alimentação, sem
falar das vibrações destoantes geradas pelas nossas
mentes pouco acostumadas ao cultivo e vivência das
muitas virtudes. Diante desta relevante informação,
veja-se a responsabilidade dos médiuns no preparo de si
mesmos para, eventualmente, receberem mensagens e
orientações destes abnegados trabalhadores da segunda
classe dos Espíritos.
Entretanto, há outra questão na primeira obra
fundamental, podendo nos levar a dúvidas em relação a
algumas das informações citadas anteriormente:
578. Poderá o Espírito, por própria culpa, falir
na sua missão? “Sim, se não for um Espírito superior.”5
Aparentemente esta questão conduz a uma contradição:
Allan Kardec havia registrado que os Espíritos
superiores ainda são passíveis de falir em suas missões
quando em contato com o vício, contudo, agora informa
sobre a possibilidade de uma missão deixar de ser
cumprida, caso o Espírito missionário não seja superior!
Como conciliar?
Conforme destacamos acima, caso os Espíritos superiores
não pudessem se fortificar via contatos nos planos
espirituais quando estão adormecidos, poderiam falhar em
suas missões; como existe este revigoramento, não
falham.
Cabe igualmente destacar que a classificação dos
Espíritos elaborada por Allan Kardec não representa uma
divisão estanque e definitiva, sem largas fronteiras
entre classes. Deve-se considerar a existência de
Espíritos na segunda classe ocupando diversas posições
evolutivas, ou seja, não são todos plenamente
cientistas, sábios e bondosos, possuem estas
características em graus heterogêneos, muitos assim
estão na fronteira entre a terceira e segunda classes.
A Escala Espírita apresentada pelo Mestre de Lyon é
didática, não enveredemos pelo entendimento de que um
Espírito poderia ganhar um galardão definitivo ou um
diploma ao adentrar na segunda classe, significando
desta maneira serem perfeitos, pois ainda não o são.
Esta talvez seja a razão de se ter dito serem os nossos
guias espirituais Espíritos superiores6, fato
que causa alguma estranheza imaginar que nós Espíritos
medianos possamos ter como anjo guardião: Erasto, São
Francisco ou Santo Agostinho, entre outros; na realidade
temos Espíritos superiores como guias, mas acreditamos
não sejam aqueles bem próximos de serem classificados
como puros. Mesmo assim, nossos guias são entidades de
grande evolução, capazes de nos orientar com segurança
por toda a nossa existência.
Pelo visto, podemos vislumbrar o quanto ainda nos falta
para sermos chamados de superiores, contudo, se
iniciarmos uma mudança imediata, poderemos rapidamente
adentrar a segunda ordem, aquela a abrigar todos os que
já deixaram para trás os muitos chamamentos do mundo e
já caminham céleres rumo à perfeição.
Referências:
1
KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Trad.
Guillon Ribeiro. 69ª ed. Brasília: FEB, 1987. Item 111.
2
_____._____. O Livro dos Médiuns. Trad. Guillon
Ribeiro. 54ª ed. Rio de Janeiro: FEB, 1987. Dissertação
de um Espírito sobre o papel dos médiuns - item 225.
3
_____._____. O Livro dos Espíritos. Trad. Guillon
Ribeiro. 69ª ed. Brasília: FEB, 1987. Q. 402.
4
_____._____. O Livro dos Médiuns. Trad. Guillon
Ribeiro. 54ª ed. Rio de Janeiro: FEB, 1987. Da
influência moral do médium - item 226 – 7ª.
5
_____._____. O Livro dos Espíritos. Trad. Guillon
Ribeiro. 69ª ed. Brasília: FEB, 1987. Q. 578.
6
_____._____. O Evangelho segundo o Espiritismo.
Trad. Albertina Escudeiro Sêco. 1ª edição de bolso. Rio
de Janeiro: CELD, 2001. II - Preces por si mesmo - item
11.