A confluência do
livre-arbítrio e
do determinismo
Um dos desafios mais complexos para o indivíduo
desconhecedor das leis universais é o de entender a
razão da existência de provas e expiações acerbas na
face da Terra, especialmente quando estas o atingem
cabalmente. Como aceitar sem revolta a dor, a penúria, a
falta de saúde, de emprego, a supressão de
oportunidades, enfim, para uma vida melhor sem tal
conhecimento? Como compreender o funcionamento da
justiça divina, que aparentemente privilegia uns em
detrimentos de outros?
Estas são apenas algumas questões que podem assomar à
mente dos que estão em trânsito pelo mundo em duro
processo de ajuste cármico. Há obviamente muita
opulência no mundo, mas há também miséria e carências de
toda ordem. Portanto, é preciso entender por que alguns
se saem tão bem enquanto outros, em contraste, só
encontram dificuldades e empecilhos pelo caminho. Há uma
ordem maior que controla isso tudo e é preciso
entendê-la.
Não faz muito tempo, aliás, que assisti a um programa
jornalístico no qual se retratava a dolorosa experiência
de vida dos nossos irmãos do agreste nordestino. Os
repórteres tiveram o cuidado de mostrar
pormenorizadamente a precaríssima condição de vida
desses brasileiros que vivem sob um calor inclemente, a
crônica falta de água e o solo estéril. A pobreza que
afeta milhões não poupa nem mesmo os animais que sofrem
igualmente. Muitos dos entrevistados, para obter um
pouco de água, têm que percorrer quilômetros de
distância até alcançar um caminhão-pipa.
Outros ainda foram forçados a vender o que restava de
gado em suas propriedades porque não tinham mais meios
de alimentá-los. Quando indagados se não seria melhor
partir para outros lugares, mostraram uma resignação
admirável. Respondiam não ter alternativa, a não ser
esperar pela clemência divina, isto é, a chuva. Cabe
destacar que tais dramas humanos estão por toda parte.
A rede de TV americana CNN também exibia até
recentemente em seus intervalos de programação, a
situação de uma senhora idosa em Raqqa (praticamente
destruída pelos bombardeios) na Síria. A mesma pergunta
lhe foi feita pela jornalista: “Por que fica aqui?” E a
resposta foi contundente: “É onde vivo”, deixando
entrever não ter para onde ir mais e nem forças para
tal...
Há nos casos acima relatados algo mais do que apenas a
penúria e a falta de opções e que precisa ser
compreendido. Refiro-me ao determinismo divino que, às
vezes, define linhas existenciais muito restritas para o
Espírito encarnado. A propósito, o Espírito Emmanuel foi
inquirido sobre esse assunto na obra O Consolador (psicografia
de Francisco Cândido Xavier), e a sua resposta foi assaz
esclarecedora, “[...] Acreditamos, todavia, que o
porvir, sem estar rigorosamente determinado, está
previsto nas suas linhas gerais”.
Podemos, então, inferir que, pelo menos em certos casos,
não há muito que fazer a não ser aceitar a presente
experiência e tudo aquilo que ela engloba de bom e de
ruim. É como se o Espírito sentisse muito fortemente
dentro de si que ele precisa aceitar o que lhe vem sendo
entregue, digamos, pelo destino. Há aparentemente
embutido nisto algo que, de certa maneira, lhe agrilhoa
a determinada situação, contexto e ambiente. Isso não
significa que o indivíduo perdeu o seu livre-arbítrio,
pois, como também explorou Allan Kardec, na obra O
Livro dos Espíritos (questão nº 843), “[...] Sem o
livre-arbítrio, o homem seria máquina”.
Para que não pairasse dúvida a respeito, o Codificador
foi mais adiante: “844. Do livre-arbítrio goza o homem
desde o seu nascimento? Há liberdade de agir, desde que
haja vontade de fazê-lo [...]”. Desse modo, nada impede
que o indivíduo tente novos rumos, mas isso não
significa que obterá mudanças expressivas. Quando vemos,
por exemplo, a violência que hoje impera especialmente
no Rio de Janeiro, nos leva a concluir que a simples
mudança de um local para outro não significará
necessariamente a obtenção de segurança total.
Dito de outra forma, o determinismo funciona como uma
espécie de ímã que atraí o Espírito para certos eventos
e palcos que lhe são inescapáveis. Nesse sentido, o
livre-arbítrio (vontade) representa o instrumento do
qual ele se servirá para enfrentá-los ou não. Como
observa Emmanuel na obra citada, “Determinismo e
livre-arbítrio coexistem na vida, entrosando-se na
estrada dos destinos, para a elevação e redenção dos
homens”.
Assim sendo, forçoso reconhecer que há linhas gerais
pré-determinadas para o Espírito reencarnante seguir,
consoante à vontade de Deus e às suas próprias
necessidades evolutivas. Mas a sua liberdade de ação é
igualmente preservada, embora ela possa ser relativizada
de acordo com o programa a ser cumprido. Como sintetiza
ainda Emmanuel (na obra Vinha de Luz, psicografia de
Francisco Cândido Xavier), “Cada homem tem o mapa da
ordem divina em sua existência, a ser executado com a
colaboração do livre-arbítrio, no grande plano da vida
eterna”.