Caprichos da
humanidade
Allan Kardec, comentando a passagem evangélica “O
argueiro e a trave no olho” (Mateus, VII: 3-5) ¹,
chama, com muita delicadeza, de “caprichos da
humanidade” o fato de cada um ver o mal alheio antes do
próprio.
Segundo ele, “É o orgulho, incontestavelmente, o que
leva o homem a disfarçar os seus próprios defeitos,
tanto morais como físicos”.
Ele tem razão. Para admitir os defeitos que traz em si,
o indivíduo precisa ter conquistado uma virtude das mais
difíceis: a humildade. Para enxergar qualidades no
próximo, precisa exercer o sentimento de caridade.
Agindo desta maneira estará dando testemunho de
superioridade moral.
Mas o que a experiência diária nos mostra? Que a
humanidade é moralmente viciada. E como o orgulho é a
fonte de muitos vícios – ainda segundo Kardec –,
deduz-se sem dificuldade que os homens são orgulhosos.
Esta conclusão pode soar para muitos como natural e
redundante, já que a humanidade é mesmo cheia de
imperfeições. Mas a influência desse vício moral – o
orgulho – permeia todo o campo prático da vida causando
prejuízos a todos. Precisamos combatê-lo em nós, como
Jesus o fez, aliás, de forma bem enérgica, usando o
termo “hipócritas” ao referir-se aos falsos caridosos.
Às vezes é bem difícil estabelecer as fronteiras que
separam o orgulho, o egoísmo e a vaidade. Em muitas
ocasiões as três imperfeições morais se manifestam num
único comportamento.
Uma mulher chamada vaidosa, que gasta muito dinheiro com
produtos de beleza, roupas e adereços o faz por quê? Não
estará pretendendo ficar bonita, ou mais bonita, para
surpreender as “concorrentes”? Nesse caso não se
enquadra também, além da vaidade, o egoísmo de investir
recursos excessivos consigo mesma, e ainda o orgulho em
se mostrar superior pela beleza?
Outro exemplo prosaico: numa partida de futebol, um dos
times avança sobre o adversário desprevenido e o
atacante está prestes a fazer o gol. O goleiro sai em
sua direção tentando impedi-lo. O atacante percebe ao
seu lado um colega de time totalmente livre e em ótimas
condições para marcar, mas, mesmo obstruído pelo
goleiro, prefere chutar e perde o “gol feito”.
O que temos aqui? O egoísta que não passou a bola ao
colega mais bem posicionado. O orgulhoso que se achou
autossuficiente para resolver sozinho o lance. E o
vaidoso, por antever os aplausos e os abraços depois do
gol marcado.
Assim, como em tantas outras situações mais ou menos
graves, o orgulho, pai de todos os defeitos, tem
atrapalhado o progresso do ser humano. Assim também a
humildade – mãe de todas as virtudes – o elevará um dia,
bem alto, quando tiver tomado por inteiro o seu coração.
¹
Allan Kardec, O Evangelho segundo o Espiritismo,
capítulo X, edição LAKE.