Deus na Natureza
Camille
Flammarion
(Parte 12)
Continuamos o
estudo metódico
e sequencial do
livro Deus na
Natureza,
de autoria de Camille
Flammarion,
escrito na
segunda metade
do século 19, no
ano de
1867.
Questões preliminares
A. A
harmonia das esferas celestes é um fato objetivo. Qual é
a sua causa?
Ela,
a harmonia, é efeito de uma força e essa força é a mesma
para os dois casos – o macro e o microcosmo –, quer se
chame coesão, quando grupa moléculas, quer se chame
gravitação, quando junge os corpos celestes. Força
primordial, elementar, que anima toda substância, ora
determinando uma simples aproximação molecular, ora
sujeitando-a a diretivas determinadas, segundo as
condições em que estejam colocadas.
(Deus na Natureza – Primeira Parte. A Terra.)
B. Podemos afirmar que o sistema nervoso é o índice da
animalidade?
Sim.
É pelo sistema nervoso que o animal se distingue do
mineral e do vegetal. A partir do estado rudimentar,
onde se apresenta com os zoófitos, até o seu mais
completo desenvolvimento na espécie humana, o sistema
nervoso é o índice da animalidade e é ele que preside
aos fenômenos imateriais. Por ele é que percebemos toda
e qualquer sensação; é ele que possibilita nossos
movimentos voluntários e é por ele, ainda, que
manifestamos o pensamento. Eliminai os nervos e tereis
de fato destruído a sensação. Cortai o fio telegráfico e
já não transmitireis o despacho.
(Deus na Natureza – Primeira Parte. A Terra.)
C. Existe acima da matéria um princípio imaterial,
absolutamente distinto?
É
essa a tese de Flammarion. Segundo ele, a força
físico-química, a força vegetal, a força animal, a
inteligência não são uma só força-matéria. Com efeito,
como uma molécula é sucessivamente animada por forças
tão distintas? Como admitir que o átomo de ferro, que
agora se integra num homem, num animal ou numa planta,
constituísse momentos antes a ferrugem de uma velha
estátua, por exemplo? Se ele é ao mesmo tempo matéria e
força, e se a força é única, como explicar que produza
fenômenos tão distintos?
(Deus na Natureza – Primeira Parte. A Terra.)
Texto para leitura
254.
“O Deus eterno, onisciente, onipotente, infinitamente
sábio, passou-me ante os olhos.” – exclamava Linneu,
após seus admiráveis trabalhos de Botânica.
(Deus na Natureza – Primeira Parte. A Terra.)
255.
Escreveu o grande botânico:
“Não
o vi face a face, mas o seu reflexo me saturou o
espírito de pasmo e admiração. Acompanhei-lhe o traço em
todas as coisas criadas, e em todas as suas obras, das
menores às maiores, e mesmo nas mais imperceptíveis,
quanta força, quanta sabedoria, quanta perfeição
indefinível! Observei como os seres animados se
superpõem e se encadeiam no reino vegetal, os vegetais
por sua vez, nos minerais que jazem nas entranhas do
globo, ao mesmo tempo em que este globo gravita, num
plano invariável, ao redor do sol que lhe deu a vida.
Enfim, vi o Sol e todos os astros, todo o sistema
sideral imenso, incalculável na sua infinitude,
moverem-se no espaço, suspensos no vácuo por um motor
primário, incompreensível, o Ser dos seres, o Guia, o
Conservador do Universo, Mestre e Operário de toda a
obra universal....
“Todas as coisas criadas dão testemunho do poder e
sabedoria divinos, ao mesmo tempo em que se fazem
tesouro e pábulo de nossa felicidade. A utilidade que
elas têm testificam a bondade de quem as fez; a sua
beleza demonstra sabedoria, enquanto que por sua
harmonia, conservação, proporcionalidade e inesgotável
fecundidade, proclamam a grandeza do poder divino!
“É a
isso que quereis chamar – Providência? É efetivamente o
seu nome, e não há outro que o seu conselho, para
explicar o mundo. É, pois, justo acreditar que há um
Deus imenso, eterno, incriado, sem o qual nada existe e
que tenha feito e coordenado esta obra universal.
“Esse Deus escapa-se-nos à vista e, não obstante, no-la
repleta da sua luz. Só em pensamento podemos aprendê-lo
e é neste profundo santuário que se oculta a sua
majestade.”
(Deus na Natureza – Primeira Parte. A Terra.)
256.
Nossos adversários não compreendem estes arroubos
d’alma. Ademais, para sentir a poesia das coisas, é
preciso, antes de tudo, possuir a poesia dentro de si
mesmo, é preciso que a alma entre em vibração. O
espírito que se degrada à função de produto químico não
é suscetível de emoções que tais.
(Deus na Natureza – Primeira Parte. A Terra.)
257.
Por consequência, e já que aqui falamos da estética da
Natureza inanimada, notemos de passagem um exemplo da
tendência dos nossos químicos para estender a todas as
coisas o rigorismo de suas concepções. Deixemo-los
resvalar do verdadeiro ideal para um realismo irreal. O
Sr. Moleschott é, sem favor, o apóstolo da realidade
físico-química. Diga-se mesmo, de um realismo assaz
exagerado. Julgai-o, pois, pela sua maneira de poetizar
a Natureza.
(Deus na Natureza – Primeira Parte. A Terra.)
258.
Gostais, sem dúvida, do brilho das flores, dos seus
matizes delicados, dos seus aromas tão sutis? Pois bem:
mal podeis imaginar o que sucede quando vos debruçais
sobre uma rosa para, narinas dilatadas, aspirar-lhe a
fragrância. Ouçamos o químico:
“Quando respiramos o balsâmico perfume dos prados, não
absorvemos mais que verdadeiras substâncias excrementais
dos vegetais.
“Seguramente, não temos o direito de nos surpreender ao
vermos coleópteros fimícolas e animais outros, de uma
ordem superior, comerem carniça (sic) e
excrementos, bem como que todo o reino vegetal viva de
excretos dos animais, uma vez que nós também nos
deliciamos com substâncias decompostas por efeito da
vida vegetal e cuja origem é análoga à da urina e das
matérias fecais.”
(Deus na Natureza – Primeira Parte. A Terra.)
259.
Nunca o suspeitastes? Pois aí tendes uma coisa bem séria
para as flores e para quantos as estimam e admiram,
porque, enfim...[i]
(Deus na Natureza – Primeira Parte. A Terra.)
260.
Para retornar ao assunto e terminar pela consideração
geral da ação da lei no ambiente da Terra, lembremo-nos
de que essa ação permanente é condicional à existência
do mundo, tanto quanto de sua beleza. Quando os corpos
vibram, quando a corda ressona ao atritar o arco; quando
o sino geme ao toque do badalo, as moléculas se agitam
cadenciadas, tal como as esferas no espaço.
(Deus na Natureza – Primeira Parte. A Terra.)
261.
A harmonia das esferas não é uma frase vã. Ela é efeito
de uma força e essa força é a mesma para os dois casos,
quer se chame coesão, quando grupa moléculas, quer se
chame gravitação, quando junge os corpos celestes. Força
primordial, elementar, que anima toda substância, ora
determinando uma simples aproximação molecular, ora
sujeitando-a a diretivas determinadas, segundo as
condições em que estejam colocadas. Essa força, podemos
denominá-la físico-química.
(Deus na Natureza – Primeira Parte. A Terra.)
262.
Presto havemos de verificar a existência de uma força
distinta, a reger o turbilhão da matéria nos seres
vivos. É pelo sistema nervoso que o animal se distingue
do mineral e do vegetal. A partir do estado rudimentar,
onde se apresenta com os zoófitos, até o seu mais
completo desenvolvimento na espécie humana, o sistema
nervoso é o índice da animalidade e preside aos
fenômenos imateriais. Por ele é que percebemos toda e
qualquer sensação; é ele que possibilita nossos
movimentos voluntários e é por ele, ainda, que
manifestamos o pensamento. Eliminai os nervos e tereis
de fato destruído a sensação. Cortai o fio telegráfico e
já não transmitireis o despacho.
263.
Se o nervo ótico paralisar, ainda que intacto o globo
ocular, o animal fica cego; as imagens prosseguirão,
formando-se na câmara visual, mas insensíveis. O ouvido
pode estar perfeitamente são, fisicamente constituído
para recolher as vibrações sonoras e, no entanto, não
haverá sons perceptíveis, desde que lá não exista o
nervo acústico para os captar e transmitir ao cérebro e
também que haja um cérebro vivo para os receber. É,
pois, de cérebro e nervos que se utiliza a força que
percebe e julga.
(Deus na Natureza – Primeira Parte. A Terra.)
264.
No reino vegetal, particularmente em certas espécies
como sejam a sensitiva, a dioneia, o desmódio, nós
reconhecemos uma energia latente, correspondente ao
nosso sistema nervoso.
(Deus na Natureza – Primeira Parte. A Terra.)
265.
Indiscutível é, todavia, que a força físico-química, a
força vegetal, a força animal, a inteligência, não são
uma só força-matéria. Expliquem-nos, então, como uma
molécula é sucessivamente animada por forças tão
distintas. Como admitir que o átomo de ferro, que agora
se integra num homem, num animal ou numa planta,
constituísse momentos antes a ferrugem de uma velha
estátua, por exemplo? Se ele é ao mesmo tempo matéria e
força, e se a força é única, como explicar produza
fenômenos tão distintos?
(Deus na Natureza – Primeira Parte. A Terra.)
266.
É que, acima da matéria, existe um princípio imaterial,
absolutamente distinto. Um espírito anima a matéria,
qual o disse Vergílio.
(Deus na Natureza – Primeira Parte. A Terra.)
[i] Será
que esta físico-química não vai muito longe
assimilando tão radicalmente funções vegetais e
funções animais? Os lírios cândidos e as mimosas
violetas em nada se parecem, traço por traço,
com os animais peludos dos nossos estábulos; nem
o perfume dos goivos se exala, precisamente, do
mesmo objeto, que o odor nada equívoco, das
pesadas pipas que rolam à meia-noite pelas ruas
de Paris. A Química, decerto, não tem falsos
decoros e nós queremos admitir que, num capítulo
sobre a digestão, o Sr. Moleschott discuta a
ideia do Sr. Liebig, de identificar o valor
digestivo do alimento pela grossura toda
particular dos resíduos da refeição, deixados
pelos transeuntes ao longo dos muros. Mas, num
capítulo tratando de flores, pensamos não ser
necessário exagerar similitudes do reino vegetal
e animal para o conseguir. De resto, não passa
isto de mera digressão extratextual, para
mostrar os adversários sob um aspecto
particular.