Regras e limites
“Parte das crianças fica sozinha, come se quiser, vai de
perua para a escola e quase não encontra adultos. Se é
de classe média, o único adulto que ela encontra é a
empregada, para quem ela dá ordem.”
(Mario Sergio Cortella)
Andávamos por um caminho ao longo de um capinzal e, lá
embaixo, o rio raso e de águas branquinhas da fazenda
dos meus avós. Íamos a favor do vento da manhã que nos
levava para a frente, sem um destino certo.
– Vamos pular naquela água? – propôs meu irmão.
– Como?! Repete isso.
Mal repetiu, pulou. Pulou e arrastou junto minha irmã.
Por impulso, eu, a mais velha, segui o exemplo atrevido,
e todos os três ficamos deitados naquela água gelada,
ondulando o vento no alto do capinzal, movendo-se
impiedoso através de nossas cabeças molhadas. E assim
por diante permanecemos ali distraídos, desrespeitando o
aviso comunicado por nossa mãe logo cedo, à mesa, na
hora do desjejum: “nada de rio hoje, porque há um vento
frio e vocês estão resfriados.”
Mãe e avó foram juntas nos resgatar no rio por
escrúpulos educativos.
De longe, quando avistamos aquelas mulheres andando
apressadas, um exemplo de modalidade do gênero policial,
em que o detetive procura os foragidos, o senso de
realidade tomou conta de nossas mentes, matando na raiz
qualquer desculpa estapafúrdia (as crianças têm
pensamento mágico). Acatamos silenciosos o sermão ardido
e, após o almoço, nada de sobremesa... E minha avó,
nesses casos fascinantes, por respeito à infância, com
firmeza nos dizia que nossa mãe tinha razão. “Porque é
preciso cumprir os tratos desde assinzinho.”
Sim, ter filho dá trabalho. Alguém dirá o contrário?
Porque educar uma criança exige do adulto amor, tempo,
firmeza, atenção, exemplos que definem, de modos
repetitivos, a diferença entre direitos e deveres.
Os pais precisam dar limites. E isso tem que ser feito,
senão é negligência, exercício materno ou paterno
irresponsável.
Mario Sergio Cortella tem razão quando afirma que
“precisamos de um amor que seja exigente. Não posso
dizer para meu filho ou filha ‘eu te amo e, por isso,
faça o que você quiser’. A frase correta é: ‘porque eu
te amo, eu não aceito qualquer coisa’, ‘porque eu te
amo, eu não quero que você faça as coisas deste modo’”.
A realidade não é feita apenas de momentos felizes.
Regras e limites devem ser oferecidos à criança a fim de
que ela desenvolva resiliência, autonomia e competências
sociais. Muitas vezes é preciso dizer não a uma criança
e para que ela aprenda a lidar com frustrações e
contrariedades, incorporando pouco a pouco a experiência
de que tudo passa – sejam tristezas, sejam alegrias.
São os pais que têm o dever de ensinar aos filhos o que
é certo e errado, dizendo “agora não”, “agora sim”,
“isso não faz o menor sentido neste momento”, “já
acordamos sobre isso”... Educar não é tarefa fácil, e os
pais precisam assumir com amor e firmeza esse papel.
Notinha
Para educar crianças, os pais podem se nortear por
algumas diretrizes: 1) assumir a autoridade. Mas,
cuidado: autoridade não quer dizer levantar a voz, impor
regras inflexíveis, faltar com respeito com a criança,
não validar seus sentimentos... Autoridade quer dizer
estabelecer, com respeito e firmeza, regras coerentes e
lógicas, ciente o pai ou a mãe que está a educar pessoas
que viverão em sociedade por conta própria; 2) aprender
a colocar limites. Principalmente para que as crianças
sejam no futuro pessoas resistentes à frustração e, com
isso, mais disponíveis à alegria e à satisfação; 3)
educação democrática. Os pais precisam mostrar à criança
que as regras têm como finalidade dar instruções que
ajudam as pessoas a viver em família e sociedade (as
dimensões privada e pública e que se interrelacionam). E
fazer isso através de uma comunicação aberta,
respeitosa, na qual todos são escutados, e sem usar o
adulto duplo sentido e chantagens.