Clássicos
do Espiritismo

por Angélica Reis

Deus na Natureza

Camille Flammarion

(Parte 15)


Continuamos o estudo metódico e sequencial do livro Deus na Natureza, de autoria de Camille Flammarion, escrito na segunda metade do século 19, no ano de1867.


Questões preliminares


A. O trabalho mental causa fadiga?

Sim. O trabalho mental fatiga tanto ou mais que o corporal. A expressão que utilizamos, referindo-nos a criaturas de pensamento ardente, é justa. Qualquer acréscimo de trabalho espiritual produz aumento de apetite, qual se dá com o intenso trabalho muscular. A atividade cerebral, assim como a dos membros do corpo, aumenta a eliminação da pele, dos pulmões, dos rins. (Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.)

B. O sangue provém tão somente da alimentação?

Não. Ele provém, simultaneamente, da alimentação e da respiração. (Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.)

C. É correto dizer que a renovação completa do organismo humano se faz a cada sete anos?

Não. Os resultados dos estudos realizados permitem-nos concluir que 30 dias bastam para a renovação completa do organismo. Os sete anos que a crença popular fixava a essa operação eram, em verdade, um exagero colossal. (Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.)


Texto para leitura


303. Na planta a albumina, o açúcar e a gordura se decompõem em alcaloides, ácidos, matérias corantes, óleos voláteis, resina, azoto, ácido carbônico e água. No animal as mesmas substâncias se resolvem em leucina, sirosina, criatina, hipoxantina, ácido úrico, fórmico, oxálico, ureia, amoníaco, ácido carbônico e água. Fora do corpo a ureia decompõe-se em ácido carbônico e amoníaco. Assim, graças à vida em si, plantas e animais revertem às suas fontes. (Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.)

304. Após a morte, a desassimilação é ainda uma evolução, não menos regular que durante a vida. O que se dá, apenas, é que percorre outros graus, até que chegue ao termo da decomposição. A putrefação não é mais que uma combustão lenta das matérias orgânicas, a operar-se fora do corpo vivo. Ela representa uma espécie de respiração depois da morte e cada átomo vai conformar ou entreter outros corpos. (Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.)

305. Tal o esboço químico da permuta vital nos dois reinos orgânicos. Agora, abordemos o assunto particular da vida no reino animal. Nestes novos fatos observados, tanto como nos precedentes, estamos de acordo com os adversários. Aqui temos, segundo o próprio autor de A Circulação da Vida, baseado em recentes trabalhos de fisiologistas alemães, o processo geral de desassimilação no animal, ou, para falar mais claramente, os principais fenômenos de permuta das matérias que constituem a vida. Tratemos aqui, particularmente, do corpo humano, por ser o que mais nos interessa[i]. (Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.)

306. Sabemos hoje que a história da evolução dos alimentos e das matérias rejeitadas depois de servirem à assimilação é a essência mesma da fisiologia da permuta material. A digestão e formação dos tecidos estão compreendidas entre dois limites: as substâncias alimentícias e as partes constitutivas das secreções. Assim é que todos os elementos anatômicos do corpo se decompõem para se rejuvenescerem sem cessar. (Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.)

307. O oxigênio aspirado passa da boca pela traqueia arterial, esta se ramifica e seus últimos ramúnculos desligados são providos de vesículas laterais e terminais, que só se intercomunicam pelo ramúnculo do tubo aéreo que as contém. Deste tubo, o oxigênio passa às vesículas pulmonares e destas ao sangue, através da parede dupla de vesículas e vasos capilares, até que entra, com o sangue, no coração. (Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.)

308. Em seguida, o coração impele o sangue oxigenado a todos os territórios orgânicos, através das artérias da grande circulação, que mantém todo o corpo sob sua dependência. Finalmente, o oxigênio penetra os tecidos através das paredes de vasos capilares, que rematam as artérias. (Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.)

309. Enquanto isso, um fenômeno inverso se verifica. O ácido carbônico proveniente do sangue e o ar atmosférico aspirado se transformam, segundo a lei das permutas de gases, ao penetrarem as cavernas pulmonares, os brônquios e a própria traqueia. Depois, o ritmo respiratório, produzindo a retração do peito, expele uma coluna de ar carregado de ácido carbônico. Uma curta pausa e a essa expiração sucede a aspiração, dilata-se o peito, um ar rico de oxigênio substitui o ar expirado, que perdera uma parte desse oxigênio, e o fenômeno prossegue. (Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.)

310. Podemos comparar os pulmões a um banco: o ácido carbônico é entregue à circulação externa, para alimento das plantas, em troca do oxigênio recebido. O sangue provido de oxigênio escoa-se dos pulmões para o ventrículo esquerdo do coração, daí derivando-se para todos os setores do organismo. Começa, então, aí, a combustão geral que, sob a forma de nutrição aqui, de eliminação acolá, vai acionando as primeiras funções. (Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.)

311. É possível medir a intensidade de permuta das matérias de um organismo humano pela quantidade de ácido carbônico, água e ureia eliminados em dado tempo. A rapidez das permutas dá a medida da vida. Sua maior atividade verifica-se dos 30 aos 40 anos. Termo médio, é nessa fase que as energias criadoras do homem atingem o apogeu. (Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.)

312. Pulmões e rins não são os únicos órgãos eliminadores; a eles devemos juntar a pele e o reto. Os cabelos que caem, a epiderme que se escama no interior como no exterior, as unhas que aparamos, multiplicam os pontos de eliminação dos princípios azotados. A atividade eliminatória dos pulmões e dos rins atinge a um quinze avos do peso total das excreções e ultrapassa de muito a dos intestinos. Quanto maior atividade, mais rápida a eliminação.(Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.)

313. Os homens entregues a trabalhos de movimento ativo eliminam pela epiderme, em 9 horas, tanto ácido carbônico quanto o correspondente a 24 horas de repouso. Num cavalo a trote, a eliminação é 117 vezes mais copiosa do que em repouso. Um parelheiro inglês, que percorrera em 100 horas uma extensão correspondente a 500 horas de marcha ordinária, não perdeu menos de 14 quilos depois do feito. (Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.)

314. O trabalho mental fatiga tanto ou mais que o corporal. A expressão que utilizamos, referindo-nos a criaturas de pensamento ardente, é justa. Qualquer acréscimo de trabalho espiritual produz aumento de apetite, qual se dá com o intenso trabalho muscular. O apetite não é mais que o sinal de empobrecimento do sangue e dos tecidos, manifestando-se por meio de uma sensação. A atividade cerebral, assim como a dos membros do corpo, aumenta a eliminação da pele, dos pulmões, dos rins. (Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.)

315. O sangue, por sua vez, abandona constantemente aos órgãos do corpo os seus componentes, que a atividade dos tecidos vai decompondo em ácido carbônico, ureia e água. Por fim, as matérias excrementícias atravessam continuamente a corrente circulatória para atingir os pulmões, os rins, a pele e o reto, de onde se eliminam. (Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.)

316. Preciso se faz, pois, que os tecidos e o sangue experimentem, no curso regular da vida, uma perda de substância só compensada pelo processo alimentar. Notável a rapidez com que se opera esse intercâmbio de matéria. A duração média da vida dos que sucumbem de inanição atinge a duas semanas. Mas, desde que um vertebrado, seja qual for, morra de inanição, o seu corpo terá perdido quatro dez avos do peso normal. (Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.)

317. Nos indivíduos alimentados convenientemente, a permuta se opera mais rápida que nos esgotados pela abstinência. Moleschott e fisiologistas outros acreditaram poder concluir de certos fatos que o corpo renova a maior parte de sua substância num período de 20 a 30 dias. Impondo-se um regime regular, diversos observadores verificaram uma perda, em média, de um vinte avos do seu peso, em 24 horas. O alimento ingerido e o oxigênio aspirado contrabalançam essa perda. (Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.)

318. O sangue, com efeito, não provém apenas das substâncias alimentares, mas, simultaneamente, da alimentação e da respiração. É uma verdade que mais avulta no concernente aos tecidos orgânicos. Perdendo o corpo diariamente um doze avos e no Estio um quatorze avos do seu peso, todo o corpo estaria renovado dentro de 12 ou 14 dias. Pelos resultados obtidos com o último observador, seriam precisos vinte e dois dias. (Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.)

319. Liebig deduziu dessa rapidez de permutas uma outra consideração. Pode-se, sem maior dúvida, atribuir a um homem idoso 24 libras de sangue. O oxigênio por nós absorvido em 4 ou 5 dias basta para transformar pela combustão todo o carbono e hidrogênio dessas 24 libras de sangue em ácido carbônico e água. Mas o sangue corresponde mais ou menos a um quinze avos do peso do corpo: se, pois, 5 dias bastam para substituir o sangue, com a troca dos elementos, pode inferir-se que o corpo inteiro se renova em 25 dias. (Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.)

320. Moleschott e Malerf verificaram que corpúsculos de carneiro, profusamente injetados na circulação de rãs, desapareciam completamente ao fim de 17 dias. Ora, como a permuta nas rãs se opera mais lenta que nos animais de sangue quente, somos levados a crer que os glóbulos vermelhos do sangue humano se renovam totalmente em menos de 17 dias.(Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.)

321. O autor de A Circulação da Vidadeclara, portanto, que a concordância dos resultados obtidos, partindo de três pontos de vista diferentes, é uma garantia positiva de veridicidade da hipótese dos 30 dias necessários à renovação completa do organismo. Os sete anos que a crença popular fixava a essa operação seriam um exagero colossal. “Por surpreendente que possa parecer, à primeira vista, essa rapidez – diz – concorda com a experiência em todos os pontos.” Para Stahl, as andorinhas perdem num dia a gordura aprovisionada durante a noite. O desenvolvimento das células opera-se, no sangue, em 7 ou 8 horas, a expensas das matérias fornecidas pelo quilo. De resto, quem ignora bastarem poucos dias para que um homem emagreça a ponto de tornar-se irreconhecível?(Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.)

322. A celeridade das permutas difere de indivíduo para indivíduo. O homem, a mulher, a criança, o velho, manifestam aptidões diferentes: assim, o homem tem a propriedade de permutar maior quantidade que a mulher, e o adulto mais que os velhos e as crianças. O operário e o pensador recompõem o corpo em tempo mais curto que o necessário aos ociosos e inativos.(Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.)

323. Há criaturas de vida acelerada: nelas a esperança, a paixão e o temor, que se transformam rapidamente em confiança e alegria, precipitam a circulação do sangue. Vivem apressadas, porque depressa se executa o seu metabolismo. Enquanto se mantém equilibrado o regime de permutas, o corpo não padece alteração no seu aprovisionamento. É, ordinariamente, esse, o ritmo do adulto, que se altera com os anos, para romper-se na velhice. (Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.)

324. Também a digestão vigorosa é privilégio da criança. A absorção de sólidos e líquidos igualmente se regula, mui rapidamente, no trabalho digestivo. A ação do oxigênio e a desassimilação dos tecidos, a ela consequente, nunca se interrompem. Daí resulta, imediata, uma diminuição do suco nutritivo, que se pode verificar não só pelo peso, como por inspeção direta. Na idade avançada, sofrem tal ou qual depressão, retraem-se. A córnea achata-se, a miopia atenua-se e pode mesmo chegar ao efeito contrário – à presbiopia. Os ossos, com a velhice, perdem a elasticidade, de vez que menos ricos d'água, como na mocidade. (Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.)

325. Uma vez rompido o equilíbrio, o desgaste dos tecidos se processa inevitavelmente. O maxilar inferior diminui de volume, o mento se torna considerável, a pele das mãos e do rosto torna-se mais flácida, enruga-se, e aos músculos adelgaçados míngua contratilidade. Não podem os velhos fletir a medula espinal e a fronte lhes pende para adiante.(Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.)

326. Também as cordas vocais, como que se tornam mais secas, perdem em flexibilidade e elastério; a voz é rouca, surda, ou metálica e áspera. Depois dos 50 anos o peso do cérebro também começa a diminuir. Tudo deve contribuir, na velhice, para avolumar a desproporção entre a sanguificação e a desassimilação. Com a matéria, a força decresce. Suavemente, aproxima-se o fim; a morte é um esgotamento resultante do empobrecimento material. [ii] (Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.)


 

[i]     Brief – Kreislauf des Lebens, 12º.

[ii]    Eis como se exprime Moleschott, sem uma palavra que venha coroar a aridez dessa descrição. Pedimos licença para compará-la ao fecho de capítulo análogo, de outro fisiologista alemão – Schleiden – e perguntar para que lado pendem as aspirações da alma. “Nossa percepção da vida e da morte – diz este – torna-se, na velhice, outra. que não a da mocidade. Os elementos acumulam-se no corpo, progressivamente; os órgãos flácidos, flexíveis, enrijam-se, ossificam-se, recusam-se a trabalhar; a Terra atrai o corpo sempre maiormente, até que a alma fatigada desse constrangimento lhe abandona o invólucro já insustentável. Abandona o corpo de barro, nascido do pó, à combustão lenta, a que chamamos putrefação. Só a alma, imortal e incorruptível, deixa a servitude das leis materiais e volve-se ao Regulador da liberdade espiritual.

 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita