Para
não se perder em meio às palavras desconhecidas, Chico
costumava recorrer ao dicionário. Só assim descobria o
sentido de algumas delas e corrigia a ortografia de
outras.
Os
poemas saíam de sua mão acompanhados de assinaturas
inacreditáveis: Castro Alves, Alphonsus de Guimarães,
Olavo Bilac. Até Dom Pedro II tomou coragem e arriscou
versos sobre um Brasil "triste e saudoso", que rimava
com "bonançoso", e sobre uma "alma torturada", que
combinava com "pátria idolatrada".
Chico aproveitava cada minuto livre para escrever. E, no
início, quando a eletricidade nem tinha chegado a Pedro
Leopoldo, era surpreendido por acidentes estranhos.
Enquanto prestava atenção aos ditados do além ou sentia
as mãos guiadas à revelia, ventos súbitos lançavam velas
acesas sobre as mensagens e derrubavam o tinteiro sobre
o papel. O rapaz encarava os obstáculos como provação e
seguia adiante.
A
notícia de suas estripulias lítero-espirituais começou a
correr. Por essa época, Chico estava no enterro de um
amigo, quando um jovem padre se aproximou e perguntou se
era verdade que ele recebia mensagens do outro mundo.
Chico confirmou. E o padre aconselhou cautela:
– Os
espíritos das trevas têm muita astúcia para seduzir para
o mal.
–
Mas os espíritos que se comunicam através de mim só
ensinam o bem, disse-lhe Chico.
Diante da resposta, o padre lançou o desafio. Puxou um
papel em branco do bolso e perguntou se ali, naquele
momento, no cemitério, haveria um espírito disposto a se
manifestar. Chico, sem hesitar, pegou o papel, se
concentrou e, minutos depois, escreveu um soneto
intitulado "Adeus". A primeira das quatro estrofes:
"O
sino plange em terna suavidade
no
ambiente balsâmico da igreja
entre as naves, no altar, em tudo adeja
o
perfume dos goivos da saudade".
Assinado: Auta de Souza.
Numa
noite de 1931, quando escrevia mais um dos poemas de seu
livro de estreia, Chico sentiu o olho esquerdo invadido
por fragmentos de areia. Esfregou os grãos imaginários,
mas a coceira continuou. Experimentou fixar a lâmpada
com a pupila incomodada, mas em vez da luz acesa viu um
foco difuso. Mal conseguia enxergar os versos
recém-escritos e assinados por Casimiro de Abreu. O
rapaz ficou assustado e rezou mais uma vez. O Dr.
Bezerra apareceu para ele, tateou o olho e diagnosticou:
–
Sua vista amoleceu por razões que não podemos saber
agora. Prepare-se para ir a tratamento em Belo
Horizonte, para que sua família não diga que você ficou
sem se tratar por nossa causa. Dois dias depois, um
amigo o levou à capital mineira e um oftalmologista
diagnosticou:
–
Isso é um tipo de catarata obscura e inoperável.
Chico nunca mais se livrou dos grãos de areia e ficou
desconfiado de ter sido atacado por "falanges das
trevas" interessadas em prejudicar sua tarefa mediúnica.
Desde então, todos os dias, ele medicaria o olho doente
com colírios à base de cortisona e cloranfenicol.
Do livro As Vidas de Chico Xavier , de Marcel
Souto Maior.