Deus na Natureza
Camille
Flammarion
(Parte 20)
Continuamos o
estudo metódico
e sequencial do
livro Deus na
Natureza,
de autoria de
Camille
Flammarion,
escrito na
segunda metade
do século 19, no
ano de
1867.
Questões
preliminares
A. Dizem os materialistas que não existe diferença
essencial entre o mundo orgânico e o inorgânico. Que diz
Flammarion a respeito desse pensamento?
Segundo Flammarion, não pode haver no mundo uma
proposição mais falsa. As reações operadas nos corpos
vivos longe estão de se identificar às que se operam com
os mesmos líquidos numa retorta. As forças
organizadoras, como as denomina Bichat, esquivam-se ao
cálculo, atuam de feição irregular e variável. Ao invés,
as forças físico-químicas obedecem a leis regulares e
constantes.
(Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.)
B. A Química e a Física conseguem explicar, sozinhas, os
fenômenos fisiológicos?
Não. Para Flammarion, a pretensão de explicar pela
Química e pela Física os fenômenos fisiológicos não
corresponde à verdade. Um imenso intervalo as separa da
ciência biológica, porque existe enorme diferença entre
as suas leis e as leis da vida. Sobre isso Dr. Cerise
escreveu: “os fenômenos vitais são complexos e as forças
físicas neles cooperando, incontestavelmente, mas em
proporções difíceis de medir, os submetem ao império de
uma força superior, que os rege em função de suas
finalidades”.
Da mesma opinião os anatomistas Piorry, Malgalgue,
Poggiale, Boullaud. “Acima de todas as ciências – diz
Boullaud – como acima de todas as leis, a vida domina,
modifica, neutraliza, diminui ou aumenta a intensidade
das forças físico-químicas.”
(Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.)
C. Com respeito ao assunto, Flammarion apresenta em sua
obra duas proposições, que ele considera fundamentais.
Quais são elas?
Primeira: a formação das substâncias orgânicas pode ser
devida às mesmas leis que regulam o mundo inorgânico.
Segunda: a formação dos órgãos deriva, porém, de uma
força estranha aos domínios da Química. Quanto à
primeira, triunfa o espiritualismo, uma vez que as
forças que regem o mundo inanimado revelam a existência
de um arquiteto inteligente. E quanto à segunda, o
triunfo é ainda mais brilhante, visto que a Química
orgânica capitula diante do ser vital. Tal como
judiciosamente adverte o Sr. Langel, essa química estuda
e compõe, somente, os materiais da vida, sem se
preocupar com o ser vivo em si mesmo.
(Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.)
Texto para leitura
399. “As ciências – diz o autor de Força e Matéria
– perseguiram e demonstraram a ação dessas forças no
organismo de plantas e animais e, às vezes, até nas
combinações mais sutis. No presente, está geralmente
constatado que a Fisiologia, ou seja a ciência da vida,
já não pode prescindir da Química e da Física e que
nenhum processo fisiológico se opera à revelia das
forças químicas e físicas.” “A Química – diz a seu turno
Miahle – tem, incontestavelmente, parte na criação, no
crescimento, na existência de todos os seres vivos, seja
como causa ou como efeito. As funções da respiração, da
digestão, da assimilação e da secreção não se realizam
senão por meio da Química. Só ela nos pode desvendar os
segredos das importantíssimas funções orgânicas.”
(Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.)
400. O hidrogênio, o oxigênio, o carbono, o azoto
(nitrogênio), declaram-no enfaticamente os
materialistas, entram nas mais diversas condições de
combinações nos corpos e agregam-se, separam-se, atuam
obedientes às mesmas leis que os regem fora desses
corpos. Os próprios corpos compostos podem apresentar os
mesmos caracteres. A água, a mais volumosa substância de
todos os seres orgânicos, sem a qual não há vida animal
nem vegetal, penetra, amolece, dissolve, adere, cai,
segundo as leis do peso, e evapora-se, precipita-se,
forma-se dentro como fora dos organismos. As substâncias
inorgânicas, os sais calcários que a água contém em
estado de composição, ela os deposita nos ossos dos
animais ou no vaso das plantas, onde essas substâncias
afetam a mesma solidez que no domínio inorgânico.
(Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.)
401. O oxigênio da atmosfera que, nos pulmões, entra em
contacto com o sangue venoso, de cor negra, comunica-lhe
a cor vermelha, que o sangue adquire quando agitado num
vaso em contacto com o ar. O carbono existente no sangue
sofre, com esse contacto, os mesmos efeitos da combustão
operada em toda parte, transformando-se em ácido
carbônico. Pode-se razoavelmente comparar o estômago a
uma retorta na qual as substâncias, postas em contacto,
se decompõem e se combinam, segundo as leis gerais de
afinidade química. Um tóxico, entrado no estômago, pode
ser neutralizado pelos mesmos processos exteriormente
utilizados. A substância morbífica porventura lá fixada
neutraliza-se, destrói-se, mediante remédios químicos,
como se este processo se operasse num frasco qualquer e
não no interior de um organismo.
(Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.)
402. A digestão é ato de pura química. A observação –
diz Miahle – nos ensina que todas as funções orgânicas
se operam mediante processos químicos e que um ser vivo
pode comparar-se a um laboratório de química, em que se
processam os atos da vida em seu conjunto. Menos
evidentes não são os processos mecânicos determinados
pelos organismos vivos. A circulação do sangue se
realiza pelo mais perfeito mecanismo imaginável. O
aparelho produtor assemelha-se, perfeitamente, aos
aparelhados por mãos humanas. O coração tem válvulas e
êmbolos, tal como as máquinas a vapor, cujo
funcionamento produz ruídos distintos. Entrando nos
pulmões, o ar fricciona as paredes dos brônquios e
engendra o sopro respiratório. Inspiração e expiração
são resultantes de forças puramente físicas. O fluxo
ascensional do sangue, das extremidades inferiores do
corpo para o coração, contrário às leis de gravidade,
não pode verificar-se senão por um aparelho puramente
mecânico. É também por um processo mecânico que o tubo
intestinal, graças a um movimento peristáltico, expele
os excrementos de alto a baixo e, ainda, por processo
mecânico se verificam os movimentos musculares de homens
e animais.
(Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.)
403. A estrutura do olho radica-se nas mesmas leis da
câmara escura, e as ondulações do som transmitem-se aos
ouvidos como a qualquer outra cavidade. “A Fisiologia
tem, pois, absoluta razão – concluem Büchner e Schaller
– propondo-se provar, hoje, que não mais existe
essencial diferença entre o mundo orgânico e o
inorgânico.” Não há diferença entre o orgânico e o
inorgânico?! Mas, convenhamos em que não pode haver no
mundo uma proposição mais falsa. As reações operadas nos
corpos vivos longe estão de se identificar às que se
operam com os mesmos líquidos numa retorta. As forças
organizadoras, como as denomina Bichat, esquivam-se ao
cálculo, atuam de feição irregular e variável. Ao invés,
as forças físico-químicas obedecem a leis regulares e
constantes.
(Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.)
404. O autor de um aparte recente, intitulado – A
Ciência dos Ateus –, evidencia muito bem esta
verdade com os seguintes exemplos: “Injetai nas veias do
animal os elementos constitutivos do sangue, exceto o
que lhe produz a síntese, que não se encontra à vossa
disposição, e em vez de prolongar a vida do animal
tê-lo-eis simplesmente matado. Também o sangue que fique
algum tempo fora da veia, se for novamente injetado pelo
orifício que o extravasou, pode ocasionar os mais sérios
distúrbios. Introduzi no estômago do cadáver substâncias
alimentares e vereis que ao contacto dos tecidos elas se
putrefarão, elas que, no animal vivo, se transformariam
em sangue para lhe manter a vida. Pergunta-se, então,
aos químicos, como atuam no organismo o ópio, a quinina,
a noz-vômica, o enxofre, o iodeto de potássio etc. Qual
a ação química da nicotina, do ácido prússico, de todos
os venenos vegetais que não deixam vestígios? Como age o
curare no tétano?
(Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.)
405. Atentatória da verdade é a pretensão de explicar
pela Química e pela Física os fenômenos fisiológicos,
afirmando a identidade das reações intra e
extraorgânicas. A Química e a Física se conjugam, porque
as mesmas leis presidem à sua fenomenologia; mas um
imenso intervalo as separa da ciência biológica, porque
existe enorme diferença entre as suas leis e as leis da
vida. Dizer que a Fisiologia é a física animal é dar uma
definição tão inexata como se disséssemos que a
Astronomia é a física dos astros. A esse conceito de
Bichat o Dr. Cerise adita: “os fenômenos vitais são
complexos e as forças físicas neles cooperando,
incontestavelmente, mas em proporções difíceis de medir,
os submetem ao império de uma força superior, que os
rege em função de suas finalidades”.
(Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.)
406. Da mesma opinião os anatomistas Piorry, Malgalgue,
Poggiale, Boullaud: “Acima de todas as ciências – diz
este – como acima de todas as leis, a vida domina,
modifica, neutraliza, diminui ou aumenta a intensidade
das forças físico-químicas”. Nosso Dumas, químico
eminente, diz algures: “Longe de amesquinhar a
importância dos fatos, aos quais obedece a matéria
morta, a noção da vida se altana e ressalta do
conhecimento íntimo dessas leis; e a convicção da sua
essência misteriosa e divina se engrandece mercê de
sérios estudos da Química orgânica.”
(Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.)
407. As operações químicas, suscetíveis de realizar em
nosso organismo, não se devem confundir com as inerentes
à fisiologia do nosso ser, eis o que é preciso assentar
desde logo. Sob o primeiro ponto de vista, a identidade
das forças que concorrem para formar substâncias
orgânicas e inorgânicas é um fato inconcusso,
averiguado. Conformando-se às leis naturais, o químico
compõe uma série de combinações também encontradas em
corpos orgânicos e, mais fecundo que a própria Natureza,
pode, a seu alvedrio, operar outras combinações
inexistentes nos organismos terrestres, assim
transportando, talvez, a sua ciência ao domínio de
outros mundos.
(Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.)
408. Sabe ele que a fermentação é um processo geral de
intervenção que determina, não apenas os fenômenos da
morte e da decomposição, mas também os do nascimento e
de todas as funções vitais, a partir do grão de trigo
que germina e do vinho que ferve, até à levedura do pão
e da cerveja, e aos fenômenos de nutrição e digestão. A
Química orgânica tem as mesmas bases da Química mineral.
Ninguém melhor que o Sr. Berthelot expõe essas
conquistas da ciência dos corpos, assim como ninguém
lhes traça os limites ante o problema do nosso ser.
(Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.)
409. Ouçamo-lo portanto: “Tudo havia concorrido[i]
para que a maioria dos espíritos encarasse como
intransponível a barreira entre as duas químicas. Para
explicar a nossa impotência, inferiam uma razão
especiosa da intervenção da força vital, apta, até
então, a só compor substâncias orgânicas. Era, diziam,
uma força misteriosa, a determinar exclusivamente os
fenômenos químicos observados nos seres, agindo em
virtude de leis essencialmente distintas das que regulam
os movimentos da matéria puramente móbil e quiescente.
Tal a explicação com que se pretendia justificar a
imperfeição da Química orgânica, declarando-a, por assim
dizer, irremediável. Assim proclamando nossa absoluta
impotência para produzir matérias orgânicas, duas coisas
se confundiam: a formação de substâncias químicas, cujo
agregado constitui os seres organizados, e a formação
dos próprios órgãos. Este último problema não pertence
aos domínios da Química. Jamais o químico pretenderá
fabricar no seu laboratório uma folha, um fruto, um
músculo, um órgão”.
(Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.)
410. Na sequência, ele afirma: “Questões são estas que
afetam a Fisiologia e a esta é que compete discutir-lhes
as premissas, desvendar as leis que regem os seres vivos
na íntegra, pois que à revelia dessa integridade nenhum
órgão teria razão de existir e nem o meio necessário à
sua formação. Entretanto, o que à Química não é dado
fazer no plano orgânico, pode empreender no fabrico de
substâncias contidas nos seres vivos. Se a própria
estrutura de vegetais e animais lhe escapa às
aplicações, não lhe anula a pretensão de conseguir os
princípios imediatos, isto é, os materiais químicos que
constituem os órgãos, independentemente da estrutura
especial das fibras e células que esses materiais
afetam, nos animais e nos vegetais. Esta mesma formação
e a explicação das metamorfoses ponderáveis, que a
matéria experimenta nos seres vivos, constituem campo
assaz vasto e belo para que a síntese química o
reivindique inteiramente.”
(Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.)
411. Esta declaração, na qual os adversários pretendem
ver a vitória definitiva do materialismo, sugere-nos
acreditar em dois pontos fundamentais:
1º - que a formação das substâncias orgânicas pode ser
devida às mesmas leis que regulam o mundo inorgânico e
2º - que a própria formação dos órgãos deriva de uma
força estranha aos domínios da Química.
Quanto ao primeiro ponto, triunfa o espiritualismo, qual
o vimos, de vez que as forças que regem o mundo
inanimado revelam a existência de um arquiteto
inteligente. E quanto ao segundo, o triunfo é ainda mais
brilhante, de vez que a Química orgânica capitula diante
do ser vital. Tal como judiciosamente adverte o Sr.
Langel, essa química estuda e compõe, somente, os
materiais da vida, sem se preocupar com o ser vivo em si
mesmo. Esboça, por assim dizer, as tintas do quadro,
tornando-se preciso outra mão que aplique essas tintas,
e crie a obra em que elas se fundem em perfeita unidade.
(Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.)
[i]
Chimie Organique Fondée sur la Synthèse.