Artigos

por Anselmo Ferreira Vasconcelos

  
A exigência dos cursos nos centros espíritas


Continua sendo praticamente impossível exercer a função de tarefeiro-trabalhador-cooperador numa Casa Espírita sem cumprir a onipresente exigência de frequentar um certo número de cursos. Diante desse quadro sou levado a crer que médiuns como, por exemplo, Chico Xavier ou Yvonne A. Pereira, se estivessem reencarnados, teriam sérios problemas para oferecer as suas sagradas possibilidades mediúnicas na atualidade. Recordo-me bem de ter passado por semelhante experiência lá atrás na minha juventude.

Assim como a maioria dos interessados em abraçar, digamos, com mais intensidade a Doutrina, eu também passei por uma entrevista e, apesar de já possuir à época considerável conhecimento doutrinário advindo das leituras constantes, me submeti ao tradicional ritual em determinada agremiação. Naquela ocasião sentia dentro de mim aquela sensação apaixonada e infrene de cooperar ativamente com a disseminação da luz por meio do verbo esclarecedor, já que tinha algum jeito para essa tarefa. Considerava-me pronto para esse mister, já que me julgava portador de “alma espírita”, tamanha a identificação que sentia com os postulados doutrinários.

Acenada a possibilidade de trabalho na citada Casa, desde que a frequência ao curso fosse obedecida, todas as segundas-feiras, lá estava eu – com humildade e a despeito dos compromissos profissionais – presente às aulas. A orientadora era uma mulher muito simpática na faixa dos quarenta anos e que nos acolhia a todos com grande bondade. Como leitor pesado da doutrina e autodidata, logo percebi que ela possuía conhecimentos limitados e, por força das circunstâncias, acabei tendo uma participação considerável naquele curso de médiuns, ganhando com isso o respeito e a admiração dos demais colegas.

Certa noite de palestras públicas, que eram proferidas em outro dia da semana, um orador me indagou a respeito de quem era Deus, e eu prontamente lhe respondi com base n’ O Livro dos Espíritos (1ª questão). Os meus colegas presentes se deliciaram com a minha desenvoltura e, posteriormente ao culto, vieram me cumprimentar. E assim foi até o final do curso, isto é, toda vez que faltava algo mais sólido e/ou esclarecedor, eu era convocado a opinar. Devo admitir que a instrutora fora sempre extremamente aberta e gentil com as minhas intervenções, nunca tendo enxergado qualquer laivo de ciúme ou coisa parecida da parte dela, como sói acontecer em muitas agremiações religiosas, inclusive espíritas.

Terminado o curso comemoramos todos nós com muita alegria e grande espírito de confraternização. Afinal de contas, a meta tinha sido realizada. Posto isto, fiquei aguardando o “convite” para pôr mãos à obra que, para minha surpresa, não vinha. Até que certo dia indaguei a um dirigente: Vocês me pediram para fazer um curso, e agora? E ele totalmente desconcertado tentou desconversar... Só aí me dei conta de que eu não conseguiria falar do evangelho ali como tanto anelara. Apesar dos palestrantes serem extremamente despreparados, não havia a menor possibilidade, assim pressenti, de “largarem o osso”.

Foi incomensurável a minha decepção e só depois de muitos anos vim falar do evangelho em uma outra Casa Espírita. É óbvio que o meu caso não é o único, pois conheci muitas pessoas que fizeram cursos e mais cursos em outros locais e também não foram aproveitadas. Enfim, daquela experiência somada às inúmeras observações que venho fazendo ao longo da vida, extraí algumas conclusões nesse particular que talvez mereçam alguma reflexão por parte dos que dirigem as Casas Espíritas.

Exigir a frequência em cursos e não dar espaço à nova mão de obra não parece, convenhamos, algo sábio. É notório que as oportunidades de engajamento no trabalho organizado pelos centros são exíguas. Afinal de contas, o Espiritismo não atrai audiência comparável às Pentecostais ou ao Catolicismo, pelo menos por enquanto. Por extensão, a expansão da doutrina é lenta e isso é um fato insofismável. Melhor, então, não acenar com promessas ou possibilidades que não podem ser devidamente cumpridas. Para o trabalhador espírita conseguir aceitação em outro centro, exclusivamente por meio do seu “currículo”, é missão quase impossível, tamanhas são as dificuldades. Cada Casa tem a sua própria filosofia, princípios, normas e entendimento, afora a questão da “cabeça” dos dirigentes...

Por isso, rever a missão dos Centros Espiritistas pode ser um caminho melhor. Ou seja, deixar claro logo de início que nelas se formam, por exemplo, “cristãos para servir a sociedade onde for preciso, independentemente dos centros”, ou “instrumentalizar as pessoas para uma existência útil a Deus e aos semelhantes”, ou “esclarecer o significado da vida corporal para a evolução do Espírito”, ou ainda “prover educação espiritual para os que se interessam por questões transcendentais” são algumas alternativas potencialmente viáveis.

Além disso, é sempre oportuno recordar Kardec e a sua recomendação para que os espíritas, essencialmente, se instruíssem. Com efeito, os tempos presentes demandam pessoas bem informadas a respeito do que o Espiritismo pode lhes oferecer. Nesse sentido, o conhecimento e o valor intrínseco proporcionado pela leitura permanente das obras espíritas são imprescindíveis para municiar as pessoas para desafios do cultivo à fé raciocinada. Portanto, os cursos que ajudem as pessoas a entender esses imperativos parecem ser fundamentais já que a capacidade cognitiva humana é extremamente variada.

Por fim, cabe lembrar Kardec uma vez mais e a sua inolvidável advertência – que sintetiza, aliás, o dever de todo profitente do Espiritismo e que os centros deveriam reiterar – “Aquele que pode ser, com razão, qualificado de espírita verdadeiro e sincero, se acha em grau superior de adiantamento moral. O Espírito, que nele domina de modo mais completo a matéria, dá-lhe uma percepção mais clara do futuro; os princípios da Doutrina lhe fazem vibrar fibras que nos outros se conservam inertes. Em suma: é tocado no coração, pelo que inabalável se lhe torna a fé. Um é qual músico que alguns acordes bastam para comover, ao passo que outro apenas ouve sons. Reconhece-se o verdadeiro espírita pela sua transformação moral e pelos esforços que emprega para domar suas inclinações más. Enquanto um se contenta com o seu horizonte limitado, outro, que apreende alguma coisa de melhor, se esforça por desligar-se dele e sempre o consegue, se tem firme a vontade”.

A Terra precisa muito de indivíduos aptos a abraçar tais disposições íntimas. Nesse sentido, seria pertinente que as Casas Espíritas abandonassem os pendores feudalísticos, assim como exigências descabidas e ajudassem a promover, de fato, essas mudanças por meio de cursos ou outras atividades pertinentes.  

 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita