Algumas reflexões sobre a morte e
o luto
A tendência à banalização da morte e do morrer é uma
triste realidade que pode ser verificada em todos os
meios de comunicação. Nos cinemas, na TV, nos jornais, o
destaque surge para o morrer como espetáculo, num
desfilar de desgraças que não nos fazem refletir sobre o
fato em si.
Além disto, o mundo científico e tecnológico, os avanços
da pós-modernidade, com seu apelo de consumo e poder
(com afrouxamento e fluidez nos laços entre as pessoas),
trouxe grandes avanços para a humanidade, mas, como
consequência, uma dura realidade se revela: não há lugar
para as expressões de sofrimento, dor e morte. Esta
realidade é visível nos grandes centros urbanos, onde os
ritos e espaços que possibilitam a integração e a
reflexão sobre a morte são pouco valorizados.
Como resultado, temos uma “inércia filosófica”. Não nos
permitimos pensar na morte e, com isso, não pensamos em
nosso modo de viver. Ficamos fixados nas atividades do
cotidiano, levando cada dia como se a nossa própria
finitude não fosse a única certeza na vida.
Entrar em contato com a morte nos obriga a encontrar um
sentido para a vida, mas também nos leva a buscar o da
própria morte...
A não aceitação da morte e do morrer acaba por embotar a
elaboração do luto, a aceitação do fato, a reconstrução
dos significados. Passa-se do fato morte para outros
fatos, sem que se reflita sobre ele, desperdiçando,
portanto, valiosas oportunidades de aprendizado.
Evita-se falar sobre ela, como se este silêncio a
mantivesse distante de nós...
A pesquisadora Maria Cristina Mariante Guarnieri, em sua
tese de Mestrado intitulada Morte no Corpo, Vida No
Espírito – O Processo de Luto na Prática Espírita da
Psicografia, afirma que “No Ocidente tem predominado
a ideia de morte como algo absurdo, insensato e como
forma de punição. Fruto da secularização, o
enfrentamento da dor, do sofrimento e da morte tem se
transformado intensamente, caminhando para um
distanciamento e para uma negação a tudo o que se opõe à
felicidade, à realização e à eficiência”.
(GUARNIERI, 2001)
Para nós, Espíritas, o morrer nada mais é que uma
passagem. E esta passagem, este momento, pode ser mais
ou menos difícil, dependendo, sobretudo, do Espírito
desencarnante.
Almas que se dedicaram ao bem, vivendo em harmonia, com
desprendimento e confiança na dinâmica da vida, podem
desprender-se com maior facilidade de seus corpos,
embora saibamos que, enquanto residentes deste planeta
de provas e expiações, o período de perturbação do
Espírito varia, mas é presente na maior parte das
experiências do morrer do corpo e consequente desprender
da alma.
Espíritos especialistas no desencarne nos visitam na
intenção de prestarem auxílio neste difícil processo. O
desligamento dos nossos liames exige técnicas
específicas e harmonia na tarefa.
Porém, o que comumente vemos nos velórios? Grupos de
pessoas com os mais variados comportamentos:
* Choros convulsivos;
* Anedotas, conversas maliciosas, por vezes sobre o
próprio morto, descambando à maledicência;
* Conversas sobre política, economia, moda etc.
Raros se dedicam à formulação de oração de auxílio,
preces dedicadas ao Espírito e aos benfeitores que atuam
neste momento, auxiliando no sagrado processo de
desenlace.
Leituras edificantes e músicas inspiradoras são tão
raras quanto os que mantêm em posição de respeito e
moderação...
Certo é que, se dependesse apenas da emanação positiva
da maior parte dos encarnados no velório, o Espírito se
manteria atado ao corpo, talvez para sempre...
No livro Cartas e Crônicas, Humberto de Campos
nos traz uma interessante carta escrita por um
desencarnado que, para seu azar, morreu no dia de
finados.
Conta ele que, na hora de se despedir dos parentes,
viu-se às voltas com inúmeros desencarnados que se
achegavam ao cemitério, sedentos de cobranças,
picuinhas, lutas de família, reclamando cuidados,
vinganças etc. O pobre coitado tentava em vão se achegar
aos seus. Os que se reuniam em torno do enterro em nada
lhe ajudavam.
Ditou que deveríamos orar fervorosamente para jamais
desencarnarmos em dia de finados, tamanha a bagunça que
se dá nos cemitérios, e que se peça que, de preferência,
seja qual for o dia do desenlace, que chova
torrencialmente, pois quanto menor o número de pessoas
no séquito, melhor!
Isso porque, infelizmente, o padrão mental dos que ali
estão em nada ou quase nada contribui na obtenção de
equilíbrio do Espírito e de seus familiares.
Um terceiro aspecto a se pensar sobre perdas é o fato de
que o luto pode ocorrer não apenas com a morte de alguém
significativo, mas com a perda de algo caro ao coração.
Jesus, no maravilhoso Sermão da Montanha, afirmou-nos
que onde colocamos nosso tesouro, ali estará nosso
coração. Grande verdade e que tem tudo a ver com o luto
daqueles que partem: Se colocamos nosso olhar, nossas
expectativas nos bens materiais, certamente o luto que
experimentaremos com a perda destes bens será de difícil
solução. E já que não sabemos o dia da nossa morte,
importante nos desapegarmos, o quanto antes...
Viver na Terra usando a matéria não significa
escravizar-se, tampouco esbanjar. Equilíbrio nas
relações com os bens é sempre o melhor caminho.
O mesmo vale para com as pessoas...
Certamente levaremos nossos sentimentos para o
além-túmulo, mas precisamos saber que ninguém nos
pertence e não pertencemos a ninguém. Talvez tenhamos de
ficar por longo período distanciados daqueles a quem
amamos, sem, contudo, deixarmos de nutrir por eles o
nosso mais sincero sentimento fraterno.
O Divino Mestre nos alerta para que ajuntemos tesouros
no Céu...
Quando nos dedicamos ao entendimento das coisas do
“outro mundo”, nossa fé se fortalece, a certeza da
bondade Divina nos auxilia a passar pela experiência da
separação transitória mais equilibrados.
Certo é que sentiremos saudades...
Afinal, como certa vez
disse uma criança que estava prestes a partir deste
mundo por conta de uma doença grave,
“saudade é o amor que
fica...”
Mas saberemos aguardar a vontade do Pai, pois teremos a
certeza de que, no devido tempo, todos nos reuniremos
para festejar a vitória do verdadeiro amor.
Referências:
KARDEC, A. O Evangelho segundo o Espiritismo.
Trad. de Guillon Ribeiro da 3. ed. francesa rev., corrig.
e modif. pelo autor em 1866. 124. ed. Rio de Janeiro:
FEB, 2004.
GUARNIERI, M. C. M. Morte no corpo, vida no
Espírito: o processo de luto na prática espírita da
psicografia. [Dissertação] [Periódico na
Internet]. São Paulo: Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo; 2001.
XAVIER, F. C.
Cartas e crônicas. Pelo Espírito Irmão X
[Humberto de Campos]. 8. ed. Rio de Janeiro: FEB, 1991.