Alhos & Poesia
Certa vez, num programa de entrevistas da antiga TV
Tupi, alguém argumentou que a psicografia poderia ser
uma simples manifestação do inconsciente do próprio
médium e fez a seguinte pergunta ao Francisco Cândido
Xavier:
– O que o senhor tem escrito de Augusto dos Anjos, por
exemplo, não seria uma reminiscência de suas leituras?
Prontamente, o Chico contou este interessante caso:
“Em 1931, quando eu ia fazer 21 anos, o Espírito de
Augusto dos Anjos sentia grande dificuldade de escrever
por meu intermédio. Nessa época, eu trabalhava num
armazém que tinha em anexo uma grande plantação de
alhos. Todos os dias, depois das seis da tarde, cabia-me
regar os canteiros e aí os Espíritos vinham conversar
comigo. Eu achava aquelas horas muito agradáveis, porque
me isolava de todo o serviço no armazém para ficar
plenamente à disposição dos Espíritos amigos.
Então, o Augusto dos Anjos começou a ditar uma poesia
que está no Parnaso de Além-Túmulo, o primeiro
livro de nossa mediunidade. A poesia chamava-se Vozes
de Uma Sombra. E ele começou a falar com aquelas
palavras maravilhosas, muito eruditas, que eu – de
regador na mão – custava a compreender. E ele falava com
fluência, que gostava de escrever no campo, que aquela
era a hora em que queria ditar para que assim eu pudesse
compreender melhor quando fosse colocar no papel, pois
às vezes também escrevo como médium ouvinte.
Depois de muitas tentativas, devido à minha grande
dificuldade, ele falou assim comigo: 'Olha, quer saber
de uma coisa? Eu vou ditar o que puder, pois a sua
cabeça não aguenta mesmo!' E a poesia que está no livro
é só o que ele pôde transmitir, mas era mais, muito
mais, era uma beleza. Ele falava em fótons, cores, de
mundos, de galáxias. Quem era eu, que estava regando o
canteiro de alhos, para entender tudo aquilo?”
No livro Parnaso de Além-Túmulo, 56 poetas
brasileiros e portugueses já falecidos expõem, através
da mediunidade de Francisco Xavier, essas poesias
compostas do outro lado da vida. Entre estas, há 34
ditadas pelo Espírito de Augusto dos Anjos. E como você,
provavelmente, ficou curioso em conhecer alguma coisa da
citada “Vozes de Uma Sombra”, aqui está sua primeira
estrofe:
“Donde venho?
Das eras remotíssimas,
Das substâncias elementaríssimas, Emergindo das
cósmicas matérias. Venho dos invisíveis protozoários, Da
confusão dos seres embrionários, Das células primevas,
das bactérias”.
O pensamento expresso nestes versos de Augusto dos Anjos
vem ao encontro da filosofia espiritualista, segunda a
qual “o espírito do homem dorme no mineral; desperta no
vegetal; se agita no animal, onde se dá a
individualização, sempre evoluindo através dos milênios,
sem retrocessos, isto é, sem voltar às fases já
ultrapassadas. A seguir, vem a angelitude. A todas suas
criaturas Deus concede idênticas oportunidades, sem
privilégios.
Pedro Fagundes Azevedo é ex-presidente da Legião
Espírita de Porto Alegre.