Tu erras... Nós erramos
Não haverá borboletas se a vida não passar por longas e
silenciosas metamorfoses.
Rubem Alves
As ruas estavam cheias de gente e a menina se sentiu
desorientada no meio de casas, barulho, falação. Na hora
de escolher a refeição, pediu água em vez de suco, uma
omelete em vez de sanduíche de queijo, nervosa que
estava. Quando o garçom trouxe tudo e foi dispondo
pratos e copos sobre a mesa, os olhos encheram de
lágrimas, pois naquele instante notou que havia pensado
uma coisa e comunicado outra coisa ao pai, o mediador
entre eles, os filhos, e o garçom, o canal com a cozinha
do restaurante daquela cidade grande e estranha.
A mãe resolveu perguntar:
– Diga-me, não está com fome?
Sinalizou que não.
A mãe insistiu:
– Nem tocou na omelete.
Sentada à mesa, o vestido azul, as mãos no rosto,
começou a chorar. Um choro ruidoso esfarelando a
vergonha, remexendo-a no peito com seus dados de vidro,
o temor de irritar os pais.
– Ah, minha filha! – disse o pai – A gente erra. Quer
uma coisa, faz outra. Ninguém gosta de falhar, mas errar
nos faz aceitar como somos, e sem desistir de melhorar.
O pai conversou com o filho mais novo e o menino aceitou
dividir o sanduíche com a irmã em troca de metade de sua
omelete, resolvendo de modo democrático o dilema da
filha.
– Filha, todo mundo erra! – a mãe repetiu sorrindo.
Sim. Toda criança precisa incorporar, desde cedo, que
desacertos são fontes de aprendizado seguro. É o contato
com o erro que permite ao ser humano validar os
sentimentos negativos, abrindo-se a uma intimidade
segura com seus atributos e suas vulnerabilidades.
A aceitação da imperfeição depende já na infância dos
inúmeros erros vividos em casa, na escola, nos diversos
instantes do dia, tão ricos de invencionices os
começos da vida.
Há crianças que ficam muito ansiosas com seus erros, no
geral tomadas por receios. Nesses casos, elas precisam
ser auxiliadas a entender que as falhas são excelentes
“artífices” das biografias humanas, à medida que embasam
resistência e persistência. A lição de tolerar a
insatisfação decorrente do erro é, portanto, fundamental
na infância.
Dentro de casa, a criança que tem liberdade para errar,
aprende a assumir seus equívocos, crescendo honesta e
flexível consigo mesma e com os demais. Ela terá ainda
mais chance de guardar lembranças positivas dessas
experiências e, com isso, enriquecer seu mundo interior,
dispondo de formas mais racionais e criativas para
enfrentar as situações adversas na vida adulta.
Um abraço, alegre semana!