Chico se sentia à vontade na cidade natal que no dia 23
de setembro daquele ano, às 21h, assinou, como
Primeiro-Secretário, a ata de posse da primeira
diretoria do Pedro Leopoldo Futebol Clube. Parecia até
um jovem comum.
Quem sabe um dia entrasse em campo e marcasse um gol?
Quem sabe chegasse a um bar e pedisse uma cerveja bem
gelada ou convidasse uma moça para o cinema? Não. Chico
tinha mais o que fazer.
Nas noites de segunda e sexta-feira, ele colocava O
Evangelho segundo o Espiritismo, de Allan Kardec,
embaixo do braço e ia para o Centro Espírita Luiz
Gonzaga. Seguia à risca uma instrução ditada por
Emmanuel: fidelidade irrestrita a Jesus Cristo e a
Kardec, o codificador da doutrina espírita. O guia do
outro mundo levava tão a sério este mandamento que um
dia chegou a determinar a Chico:
- Se alguma vez eu lhe der algum conselho que não esteja
de acordo com Jesus e Kardec, fique do lado deles e
procure me esquecer.
Chico demorava na cartilha espírita, praticava as lições
de caridade, promovia sessões de desobsessão às
quartas-feiras, mas o centro ficava cada dia mais vazio.
José Hermínio Perácio e a mulher, Carmem, se mudaram
para Belo Horizonte. Precisavam ficar mais perto da
família. José Xavier teve que trabalhar à noite numa
oficina de arreios para pagar uma dívida.
De repente, o rapaz se viu sozinho no barracão. Quando
pensou em sair de fininho, ouviu a voz de Emmanuel:
- Você não pode se afastar.
- Como? Não temos frequentadores.
- E nós? Nós também precisamos ouvir o Evangelho. Além
disso, temos aqui vários "desencarnados" que precisam de
ajuda. Abra a reunião na hora marcada e não encerre a
sessão antes de duas horas de trabalho.
Chico seguiu as instruções. Às 8h em ponto iniciava a
reza de abertura da sessão. Em seguida, abria O
Evangelho segundo o Espiritismo ao acaso e comentava
o capítulo em voz alta. Nessa época, começou a ver
mortos e a ouvir vozes com maior frequência e nitidez.
Os seres invisíveis ocupavam os bancos vazios.
Do livro As Vidas de Chico Xavier, de Marcel
Souto Maior.