Do lado de fora, vizinhos e parentes acompanhavam aquele
espetáculo absurdo: o rapaz falava sozinho, gesticulava,
rezava, duas horas seguidas. Uma das irmãs, uma noite,
se pendurou na janela para ouvir o monólogo:
- Tenhamos fé em Jesus, minha irmã.
- Com paciência alcançaremos a paz.
- Sem calma, tudo piora.
A espectadora interrompeu a cena insólita:
- Com quem você está conversando?
- Com dona Chiquinha de Paula.
- Ela já morreu, Chico.
- Você é que pensa. Ela está bem viva.
A família ainda pensava em levar o rapaz a um bom
hospício. O padre Júlio Maria, da cidade mineira de
Manhumirim, estava disposto a providenciar uma
camisa-de-força para o espírita de Pedro Leopoldo. Todo
mês, ele escrevia artigos no jornal local, O Lutador,
e fazia o favor de enviar suas opiniões pelo correio ao
autor do Parnaso de Além-Túmulo.
Em nome de Jesus Cristo, os textos excomungavam o
Espiritismo, reduziam a pó a reencarnação e à piada o
porta-voz dos poetas mortos no Brasil. "Francisco
Cândido Xavier deve ter pele de rinoceronte para
suportar tantos espíritos", escreveu num de seus
manifestos.
Chico ficou engasgado e precisou da ajuda de Emmanuel
para engolir o comentário.
- Se você não tem pele de rinoceronte, precisa ter,
porque, se cultivar uma pele muito frágil, cairá sempre
com qualquer alfinetada.
O padre Júlio Maria espetou Chico Xavier durante treze
anos. Só parou quando morreu. E, nesse dia, Chico ouviu
o vozeirão de seu guia:
- Vamos orar pelo nosso irmão Júlio Maria. Com ele
sempre tivemos um cooperador maravilhoso. Dava-nos
coragem na luta e concitava-nos a trabalhar.
A cada ataque dos céticos, Chico escutava Emmanuel bater
na mesma tecla:
- Não te aflijas com os que te atacam. O martelo que
atormenta o prego com pancadas o faz mais seguro e mais
firme.
O conselheiro invisível esquecia que martelos também
entortam pregos. Chico sentia os golpes e andava pela
cidade arqueado, sob o peso da desconfiança alheia.
Do livro As Vidas de Chico Xavier, de Marcel
Souto Maior.