Ética Societária: um compromisso com o
dever
A sociedade do século XXI enfrenta, globalmente
considerada, situações que são comuns a muitos povos, em
muitas nações: produção e comercialização, praticamente
indiscriminada: de armamento nuclear; terrorismo sob
várias e sofisticadas formas, com objetivos diferentes e
sempre destruidores; droga que se alastra e consolida
numa rede de traficantes e toxicodependentes; doenças
cuja cura definitiva dos pacientes e erradicação total
do mal estarão longe; desemprego que atinge todos os
países, com taxas preocupantes em muitos deles;
discriminação sob os mais diversos processos e
maquiavélicas formas, desde logo, na distribuição da
riqueza, inclusive, da que não foi colocada no mundo por
nenhuma pessoa física, grupo ou instituição, que
são os recursos naturais; conflitos locais, regionais e
internacionais, cujas consequências se refletem
mundialmente, com maiores repercussões nos povos mais
desfavorecidos e indefesos; deficientes políticas para a
saúde, educação, economia, trabalho e assistência
social, entre outras.
Elencaram-se, apenas, algumas situações difíceis, sem
objetivos pessimistas, bem pelo contrário, acreditando
que o Homem, com todo o seu potencial, vai conseguir
resolver grande parte dos problemas, no curto e médio
prazos, porque estão em causa valores como a segurança,
a sustentabilidade de alguns sistemas político-sociais,
o bem-estar e felicidade da humanidade, encabeçados pela
superior dignidade da pessoa humana.
A realidade atual deve ser
analisada
com uma
perspectiva de esperança na alteração, para melhor, de
muitas daquelas situações. Seguramente que o ceticismo,
a frustração, o desespero e outros sentimentos
negativistas não só não contribuem para resolver os
problemas como, eventualmente, podem prejudicar a busca
das melhores soluções.
Uma atitude de confiança nas capacidades humanas e no
desenvolvimento de boas práticas constitui algumas das
estratégias possíveis para se erradicarem do indivíduo,
da comunidade e do universo, diversas patologias
preconceituosas, que impedem o homem de se manifestar
pelo seu lado bom, que lhe será inato. O processo que
pode, em grande parte, contribuir para uma sociedade
melhor, no sentido da justiça, da paz e do bem-estar
coletivos, passa, também, e necessariamente, pela
educação e formação éticas.
Na verdade, todo desenvolvimento, progresso, ordem e
bem-estar de um povo passam por um processo de educação
e formação profissionais, pelo trabalho e pela
responsabilidade. De fato, de acordo com normas
constitucionais, vigentes em todos os Estados
Democráticos de Direito, todo cidadão deve trabalhar,
garantindo-lhe o Estado e a comunidade, em situações de
normalidade constitucional, o direito à livre escolha da
profissão e local para a sua realização.
Concorda-se que: «O livre exercício da profissão cai
sob o direito fundamental da livre escolha do gênero e
lugar de trabalho. Se se negasse à pessoa humana, de
modo radical, o livre exercício de uma profissão, isto
equivaleria a uma coação ao trabalho, mesmo quando a
escolha da profissão se pudesse realizar livremente.
Daqui se segue como norma geral: a) Cada qual pode
estabelecer-se onde quiser, isto é, onde julgue
encontrar condições apropriadas e convenientes para o
exercício de sua profissão ou atividade; (…) b) Cada
qual pode exercer a profissão a seu modo» (WELTY,
1966:193-4).
Verifica-se, frequente e persistentemente, uma grande
preocupação das comunidades, das organizações
corporativistas, liberais, e outras, bem como por parte
do indivíduo, particularmente considerado, pela
reivindicação de direitos: muitos destes, legítimos,
legais e justos; outros, que mais se aproximam da
manutenção e/ou atribuição de novos privilégios.
Mas, ainda assim, poucos, muito poucos são aqueles que
reivindicam direitos para os que: já não fazendo parte
do aparelho produtivo, do exercício de uma autoridade,
que estão afastados da vida ativa, por razões diversas,
não têm condições para fazer valer os seus direitos, ou
alguns deles, ao nível dos direitos humanitários à
saúde, ao trabalho, ao conforto e à dignidade.
Nesta situação se colocam milhares de idosos, os
desempregados, os sem-abrigo, os marginais, os
imigrantes e crianças e jovens em risco. Com exceção das
Instituições de Solidariedade Social, Humanitárias, do
Voluntariado e outras de defesa dos mais fracos e
desfavorecidos, que têm demonstrado que é possível haver
mais justiça e solidariedade, muito mais se poderia e
deveria fazer ao nível das grandes organizações
sindicais, patronais, ordens e do próprio Estado, para
promoverem ações que visem acabar com tanta
discriminação.
Haverá, porventura, alguma falta de sensibilidade para
os valores da solidariedade, da caridade e da
entreajuda; alguma ausência de ética para o dever de
proteger os mais fracos e discriminados. Interiorizar um
conjunto de valores, no domínio da ética social, que
conduzam às boas práticas da convivência humana, digna
entre cidadãos, que deveriam ter todos o mesmo estatuto
de cidadania, poderá ser uma outra estratégia que,
apoiada em diversos recursos humanos e financeiros,
eliminaria esta chaga social que alastra com o aumento
da discriminação e da exclusão social, política,
laboral, cívica, religiosa e outras, mais se aproximando
de uma “globalização da exclusão”, porque remete
milhões de cidadãos, grande parte dos quais já deram,
enquanto novos, o seu melhor à sociedade que agora os
exclui para os guetos da miséria, do esquecimento e do
ostracismo. Não é justo, e quem tem responsabilidades,
neste medonho paradigma da exclusão, deverá responder
por isso e colaborar, ativamente, na construção de uma
nova sociedade da inclusão de todos.
Uma ética societária, que apele para o compromisso do
dever e motive para o cumprimento dos deveres sociais de
solidariedade, de respeito pela dignidade de toda pessoa
humana e recuperação/integração de todos quantos estão
excluídos, constitui, no início deste século XXI, um
imperativo universal.
Assuma-se, inclusivamente, a Ética no seu sentido
pragmático, de boas práticas, porque o importante e
decisivo é que todo cidadão interiorize o conceito do
dever, como uma boa didática ao serviço daqueles que
mais necessitam e já acima identificados.
Uma Ética dos valores religiosos, políticos, sociais,
econômicos profissionais e cívicos. Porque a Ética é a
«Arte de dirigir as ações do homem para a produção da
maior quantidade possível de felicidade em benefício
daqueles cujos interesses estão em jogo…» e na
medida em que «O princípio de utilidade oferece os
critérios pelos quais podemos aprovar ou reprovar as
ações humanas. Isto, porque o que determina a aprovação
ou reprovação de um ato é a forma como ele contribui
para o aumento ou diminuição da felicidade ou do
sofrimento dos indivíduos considerados. (BENTHAM,
1978, in PELUSO, 1991:32 e 34.)
A comunidade em geral e o indivíduo em particular devem
preparar-se para a construção de uma Nova Ordem
Internacional para a Ética e para a Justiça, que
imponha a igualdade no respeito pelas diferenças, sem
discriminações: sejam privilégios, sejam exclusões
negativas, num espírito de solidariedade, cada vez mais
abrangente, aceitando, naturalmente, as diferenças entre
indivíduos e povos, porque ela é natural e caracteriza
cada parte.
A igualdade deve ser estabelecida, precisamente, no que
respeita ao relacionamento interpessoal, no acesso às
oportunidades e aos bens comuns, porque, no restante, é
muito complexo, eventualmente injusto, tratar de forma
igual aquilo que é desigual. O conceito de Justiça, a
partir do respeito pelas diferenças, pode ser um
atributo das democracias modernas.
Logicamente que «As oportunidades devem se estender a
todos os membros da sociedade e essa possibilidade deve
ser garantida pelas instituições. As maiores
expectativas daqueles em melhor situação são justas se,
e somente se, funcionam como parte de um esquema que
melhore as expectativas dos membros menos favorecidos da
sociedade. (…). Nesta perspectiva, o princípio da
diferença deve estar sempre presente porque é um
princípio de justiça» (SILVA, 2002:51-52).
A sociedade entre os vários grupos, quaisquer que sejam
a natureza e os fins, naquilo que favorece o todo, deve
revelar-se em todo o processo social, porque se em cada
etapa se atingir um bem maior para o maior número,
então, no final do percurso: «A uma solidariedade de
ser-em-comum corresponderá uma solidariedade de
ação-em-comum e uma solidariedade de fim-comum: o fim do
Universo ou o bem-comum do Universo» (SILVA,
1966:81).
Bibliografia:
WELTY, E. (1966). Manual de Ética Social III – O
Trabalho e a Propriedade. Trad. José da Silva
Marques, Lisboa: Editorial Áster.
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