Vindoura
Casal de idosos conversa no hall de espera da casa
espírita, enquanto entram, apressados, jovens para um
evento espírita.
“- Meu neto está aí, assistindo à atividade. Já o avisei
de que estou cansado e conto com ele para assumir as
minhas atividades no trabalho assistencial que frequento.”
Diz o outro: “- Minha neta não quis mais saber do
centro. Aborreceu-se e agora está às voltas com o
vestibular. Não sei o que será de nossa casa se essa
geração não assumir as suas responsabilidades frente a
ela?”
E ambos meneiam a cabeça, preocupados com a casa a que
se dedicaram tanto tempo.
Um diálogo comum nas casas espíritas, de público e no
privado, olhando o jovem espírita apenas como a geração
vindoura que assumirá o legado da casa espírita. Há de
se convir, um verdadeiro exercício de futurologia, dado
que daquele grupo que hoje está na Juventude, tantos
caminhos e mudanças virão, e tantos partirão e outros
chegarão.
O jovem espírita, como qualquer jovem vinculado a uma
atividade religiosa, tem as peculiaridades da sua idade,
seus desafios, suas preocupações, dúvidas e
encruzilhadas, e colocar nos ombros deste o fardo
determinista dele assumir a casa é uma situação um tanto
complicada.
Complicada, pois coloca a casa como uma herança imutável
que deve ser assumida, e não como uma construção de cada
geração que por ali passa. Cada época, o grupo que está
ali, encarnado e desencarnado, faz a sua hora e seu
momento, o que não implica que não se deve abrir espaço
para os mais jovens, em atividades que permitam a eles
aos poucos se incluírem nas rotinas da casa, mas que
sejam atividades que provoquem seu protagonismo pelo bem
que isso fará à formação de sua personalidade no campo
da espiritualidade, e não como um teste de sucessores.
Da mesma forma, o jovem, com tantos anseios e desafios,
se vê cobrado nessa visão de “você é o futuro da casa”,
quando na verdade ele está precisando da casa para
acertar o seu futuro, diante dos desafios de uma
personalidade que emerge em um mundo cada dia mais
complexo, no qual ele tem dificuldades de encontrar
referenciais, na chamada pós modernidade, e o
Espiritismo tem o potencial de o ajudar nessa
empreitada.
Em outros tempos do Espiritismo, desprezamos a
peculiaridade do período jovem para o trato das
atividades religiosas. Um tempo que foi, felizmente,
superado. A casa deve ter espaços que atendam às
especificidades das fases infantil e juvenil, por serem
fases específicas da encarnação do Espírito, com
demandas que exigem evangelizadores preparados,
currículos adequados e atividades sintonizadas com esses
grupos.
E no caso do jovem, na sua trajetória de amadurecimento,
essas atividades são fundamentais para a formação dos
seus alicerces doutrinários, é fato, mas a casa deve, em
seus currículos e temas, prezar as questões que orbitam
na vida destes, servindo como local de orientação segura
e de acolhimento desses jovens.
E a inserção do jovem nas atividades não pode ser a
maneira do idoso comerciante que tenta forçar o filho a
assumir o seu negócio, e sim uma forma de exercício do
protagonismo do jovem, para que ele tome gosto da ação
espírita nas palestras, na atividade assistencial, na
questão mediúnica, podendo no futuro ele vir a trabalhar
naquela casa ou em outra, dadas as incertezas de nossos
caminhos, em especial em dias atuais, nos quais questões
profissionais e acadêmicas forçam nossos deslocamentos.
O importante é que aquele período na juventude espírita
deixe nele marcas indeléveis que permitirão a ele, no
futuro, vencer os desafios morais que se imporão. Esse é
o legado interior que a casa deixa no coração do jovem e
que ele levará, na forma de sementes, para as diversas
casas que ele frequentará, para a sua família, para o
seu trabalho, pois a finalidade do Espiritismo é formar
o homem de bem e não o trabalhador da casa espírita de
amanhã, ainda que essas coisas tenham uma relação entre
si.