Clássicos
do Espiritismo

por Angélica Reis

 
Deus na Natureza

Camille Flammarion

(Parte 30)


Continuamos o estudo metódico e sequencial do livro Deus na Natureza, de autoria de Camille Flammarion, escrito na segunda metade do século 19, no ano de 1867.


Questões preliminares


A. A explicação física da origem das espécies reforça a visão materialista do mundo e das coisas?

Não. Segundo Flammarion, a explicação científica da origem das espécies não arrebata o cetro das mãos do Governador do mundo. E quanto a isso, ele reproduziu uma declaração do próprio Darwin a favor do sentimento religioso, tal qual disseram alguns de seus discípulos. Carlos Lyell emitiu os mesmos conceitos, citando uma declaração do geólogo Asa Grei em que este evidencia claramente que a doutrina da variação e da seleção natural não tende a destruir os alicerces da Teologia natural. (Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida. A Origem dos Seres.)

B. No tocante às relações do homem com os animais que o precederam, que dizia Pascal?

Disse Pascal: “É perigoso demonstrar ao homem o quanto ele se iguala aos animais, sem lhe mostrar ao mesmo tempo a sua grandeza. Perigoso, também, mostrar-lhe a sua grandeza, sem lhe fazer sentir sua baixeza. Mais perigoso, ainda, é deixá-lo na ignorância de ambas”. (Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida. A Origem dos Seres.)

C. A resistência à admissão de fatos novos no campo da Ciência é algo frequente em nosso mundo?

Sim. Faz muito tempo que o geólogo Agassiz emitiu este conceito, frequentemente justificado: Todas as vezes que um fato novo se revela no campo da Ciência, logo o averbam de apócrifo; depois, que é contrário à Religião; e, por fim, que há muito era sabido. É que, diz Flammarion, a experiência comprova que a verdade tem geralmente duas espécies de adversários: os cépticos do materialismo, e os cépticos do dogma. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. O Cérebro.)


Texto para leitura


549. Esta explicação física da origem das espécies não arrebata o cetro das mãos do Governador do mundo. Já assinalamos acima a declaração de Darwin a favor do sentimento religioso e parece-nos que, sobre as consequências imediatas de qualquer doutrina, devemos reportar-nos antes à opinião do mestre que à dos discípulos. Carlos Lyell emite os mesmos conceitos, citando a seguinte declaração do geólogo Asa Grei, em que este evidencia claramente que a doutrina da variação e da seleção natural não tende a destruir os alicerces da Teologia natural e que a hipótese da derivação das espécies em nada contraria qualquer dos sãos princípios da História Natural. (Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida. A Origem dos Seres.)

550. Diz ele:

“Podemos imaginar que os acontecimentos e em geral as operações da Natureza ocorrem, simplesmente, em virtude de forças comunicadas desde o início e sem qualquer ulterior intervenção, ou podemos admitir tenha havido, de tempos em tempos, e somente de tempos em tempos, uma intervenção da Divindade. E podemos, enfim, supor ainda que todas as mudanças produzidas resultem da ação metódica e constante, mas, infinitamente variada, da causa inteligente e criadora.

“Os que pretendem, de um modo absoluto, que a origem de um indivíduo, tanto quanto a de uma espécie ou de um gênero, não se possa explicar senão por ato direto de uma causa criadora, podem, sem renunciar à teoria favorita, admitir a teoria da transmutação, que lhe não é incompatível. O conjunto e sucessão dos fenômenos naturais podem não ser mais do que a aplicação material de um plano preconcebido; e se essa sucessão de fatos pode explicar-se pela transmutação, a perpétua adaptação do mundo orgânico a condições novas deixa, mais valioso que nunca, o argumento de um plano e, conseguintemente, de um arquiteto.” (Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida. A Origem dos Seres.)

551. Quanto à pecha de materialismo imputada a todas as modalidades da teoria transformista, já vimos que a teoria da gravitação e grande número de outras descobertas foram averbadas de subversivas da Religião. Mas, onde iríamos parar se houvéssemos de ouvir os lamentos de todos os teologistas sobressaltados? Longe de possuir tendência materialista, esta hipótese da intermissão na Terra, em épocas geológicas sucessivas, primeiramente da vida, depois da sensação, do instinto e da inteligência dos mamíferos superiores convizinhos da racionalidade e, finalmente, da razão perfectível do próprio Homem, parece-nos, ao invés, o desdobramento de um plano grandioso, apresentando-nos o quadro da predominância crescente do espírito sobre a matéria. (Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida. A Origem dos Seres.)

552. Temos sido assaz prolixos no encarar as relações do homem com os animais que o precederam, sem embargo da névoa de mistério que ainda as envolve. É que acreditamos, com Pascal, que essas comparações sempre têm algum valor. “É perigoso – dizia o autor de Pensamento – demonstrar ao homem o quanto ele se iguala aos animais, sem lhe mostrar ao mesmo tempo a sua grandeza. Perigoso, também, mostrar-lhe a sua grandeza, sem lhe fazer sentir sua baixeza. Mais perigoso, ainda, é deixá-lo na ignorância de ambas.” (Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida. A Origem dos Seres.)

553. Ainda que o problema da antiguidade e origem da espécie humana varie para o geólogo, para o arqueólogo e para o etnólogo, nem por isso deixa de averiguar-se que a Humanidade procede de época muito mais remota do que se pudera crer. Ainda que esse mesmo problema se definisse divergente para a Zoologia ou para a Teologia, não é menos provável, tampouco, que os nossos antepassados foram inferiores a nós e que o progresso se manifestou na Humanidade tal como na escala de toda a Criação. (Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida. A Origem dos Seres.)

554. Perguntamos, então, aos espíritos de boa fé: – Em que, a crença na ancianidade do homem, e mesmo na sua origem simiesca, colide com a crença num absoluto? Que a vida tenha surgido na Terra, que se tenha desenvolvido mediante leis orgânicas e que, do vegetal ao homem, a criação antediluviana não tenha formado senão uma unidade, em que pode esta hipótese destruir a ação divina? Aqui, como no que precede, a matéria não obedeceu às suas forças? E a vida dos seres não é uma força especial, regente de átomos, diretora de todos os movimentos? Particularmente, na teoria da seleção natural, não é a força vital que dirige a marcha do mundo? Aqui, como por toda a parte, a matéria não é a escrava e a força a soberana? Mesmo se admitindo a mais alta influência dos meios na transformação dos órgãos, essa transformação não será, sempre, o efeito da vida e vida regida pela inteligência e dotada de uma espécie de obediência ativa à lei intelectual do progresso? (Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida. A Origem dos Seres.)

555. Abordando a tese da apropriação dos órgãos às funções que lhes incumbe executar, bem como da construção homogênea de cada espécie, dos dentes aos pés, segundo o seu papel no cenário do mundo, entramos nos domínios da destinação dos seres e das coisas. (Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida. A Origem dos Seres.)

556. Assim, em resumo, vimos de demonstrar que, seja do ponto de vista da circulação na matéria dos seres vivos, seja no da origem e da perpetuidade da vida, esta se constitui de uma Força única e central para cada ser, que dispõe a matéria organizável segundo um plano, do qual o indivíduo deve ser a expressão física. Nesta segunda, como na primeira parte, temos refutado todos os pontos dos nossos adversários. Eles não mais sustentam a sua hipótese materialista e, com os seus exageros mais temerários, antes auxiliam a nossa tese, pois conceituando a matéria capaz de tudo fazer, mal se precatam que apenas substituem a ideia da força. (Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida. A Origem dos Seres.)

557. Esperamos que esses inconsequentes negadores fiquem agora mais satisfeitos com este capítulo. E antes de passar ao seguinte, pedimos-lhes notar, para edificação de sua vaidadezinha, que os gregos e o próprio Arístoto lhes marchara à frente, visto que para eles as radicais força e vida eram sinônimos. O filósofo de Stagira já houvera sustentado que – “a alma é a causa eficiente e o princípio organizador do corpo vivo”. Não vale a pena fazer tão grande alarde de ciência, para ficar abaixo dos Gregos. (Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida. A Origem dos Seres.)

558. O Cérebro – Há muito tempo que o geólogo Agassiz emitiu este conceito, frequentemente justificado: Todas as vezes que um fato novo se revela no campo da Ciência, logo o averbam de apócrifo; depois, que é contrário à Religião; e, por fim, que há muito era sabido. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. O Cérebro.)

559. Efetivamente, a verdade tem duas espécies de adversários: os cépticos do materialismo, e os cépticos do dogma. Se, com razão, nos admiramos de ver os fisiologistas, adoradores da matéria, ousadamente proclamarem com entonos de autoridade e certeza que o homem, bem como o parque integral da vida planetária, não passam de produtos da matéria cega, com mais razão devemos estranhar ainda existam, em nossos tempos, espíritos cultos, e mesmo célebres, que se deixem ficar completamente fora do movimento das ciências físico-químicas, a ponto de fazerem as objeções mais banais ao que essas ciências apresentam ao idealismo, sem se precatarem das modificações necessárias e derivadas desse movimento em todas as concepções do pensamento humano. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. O Cérebro.)

560. Assim, temos ainda hoje sábios, filósofos, teólogos, metafísicos e pensadores, cujos nomes poderíamos aqui alinhar se houvesse oportunidade, que nos falam de Deus, da Providência, da prece, da alma, da vida futura e presente, das relações da Divindade com o mundo, das causas finais, da marcha dos acontecimentos, da independência do espírito, das fórmulas de culto, das entidades espirituais etc., no mesmo sentido e nos mesmos termos da escolástica do século 16. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. O Cérebro.)

561. Os palradores anquilosados desta espécie são ainda mais curiosos e inexplicáveis do que os precedentes. Em os ouvindo afirmar, em tom magistral, as proposições mais contestáveis; em lhes observando a ignorância das rudes dificuldades que espíritos mais clarividentes tão penosamente venceram; em defrontá-los na sua verve inesgotável e na calma ingênua com que asseguram a inexpugnabilidade das suas pretensas verdades – dir-se-ia estarem eles verdadeiramente adormecidos nesse ano memorável em que Copérnico, já moribundo, recebia o primeiro exemplar do seu De Revolutionibus – para só acordarem hoje, na inconsciência das revoluções operadas. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. O Cérebro.)

562. Sendo numerosos, ai de nós! esses espíritos, e porque ainda lhes gravite em torno um número considerável de partidários, é bom dar a todos uma ideia dos fatos que lhes deveriam interessar, mostrando-lhes não ser a eles que incumbe guardar o depósito crescente do tesouro humano, uma vez que persistem adormecidos no seu triste letargo. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. O Cérebro.)

563. Todos os que descrevem, minudentes, a natureza e as funções da alma; que explicam perfeitamente em que momento e por qual meio ela se incorpora no ventre materno e a porta por onde se escapa com o derradeiro suspiro; que contam como comparece ela perante Deus e recebe, no outro mundo, o prêmio ou castigo temporário ou eterno de seus atos neste mundo; que evidenciam o processo de comunicação com o Criador; que a estimam completamente independente do organismo e regendo a matéria mediante ideias inatas, que traz consigo ao encarnar, e que pode dominar essa matéria como coisa estranha, perseguindo o corpo com o recusar-lhe em jejuns, macerações e abstinências, a satisfação das próprias necessidades; que expõem minuciosamente a história da alma, puro espírito baixado à Terra como a um vale de provações – numa palavra, enfim, todos quantos, em qualquer religião, em qualquer escola, em qualquer país gastam a sua eloquência e o seu tempo a propor soluções que nada resolvem e símbolos que nada significam[i] – esses, repito, devem ser convidados a meditar as observações de ano em ano carreadas pelo progresso das ciências positivas. E, como essas observações constituem precisamente a base das conclusões materialistas, temos o duplo dever de as expor preliminarmente, a fim de julgar depois se as conclusões foram legitimamente concluídas. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. O Cérebro.) (Continua no

próximo número.)


 


[i]  “Preciso confessar – dizia Voltaire com muita franqueza (Dic. Philosophique art. Am) – que, quando examinei o Infalível Arístoto, o doutor evangélico, o divino Platão, concluí não passarem tais epítetos de meros apelidos. Não vi em todos esses filósofos que trataram da alma, mais que cegos cheios de temeridade, e hábeis no esforço de persuadir que tinham vistas aquilinas. E outros curiosos e loucos, que acreditam de oitiva, e também pensam que veem alguma coisa.

 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita