Sobre o tempo
As crianças não brincam de brincar. Brincam de verdade.
Mario Quintana
Vejo crianças de quatro anos aprenderem inglês porque os
pais consideram isso importante para o futuro.
Na maioria das cidades, a obsessão pelo enriquecimento
se revela na ânsia dos pais em matricular a criança em
muitas atividades extracurriculares, furtando-lhes tempo
para brincar livremente. O perigo de não prestar atenção
nas necessidades da criança, pois a vontade de ser a mãe
perfeita ou o pai perfeito transforma a educação em um
jogo de ganha ou perde.
A criança precisa relacionar-se com a infância. Depende
da infância para ser criança. Porque o tempo da infância
é um tempo distinto: é o tempo presente – passado
e futuro inexistem. O tédio, no começo da vida,
deve aflorar para incentivar fantasia e invencionices,
pois são as crianças que sabem alegrar-se apenas com o
que é essencial (sem dizê-lo), porque o mundo é um
curioso brinquedo.
Quando se arranca o tempo da criança, ela começa a
perder habilidade de brincar e se torna, no lugar de
criadora, consumidora, supondo que brincadeira é inútil.
Onde já se viu brincar livre em um parque? Ou a família,
no Jardim Botânico, aceitar a criança interagir mais com
a natureza à sua volta?
Isso mesmo: a infância é curta. O que me leva a enunciar
o resumo de minha filosofia da educação, que só me ficou
nítida quando vi um meninozinho brincar de bola queimada
em um dia de sol na praça: pais suficientemente bons são
aqueles que se vão tornando pouco a pouco desnecessários
e trocam, por isso, pressa por presença.
Notinha
Partidários do “pais sem pressa” (“slow parenting”)
consideram que a infância dos filhos precisa adequar-se
aos mandamentos do slow: 1) sem agenda
(crianças de zero a cinco anos não precisam de
atividades estruturadas: devem aprender de forma livre);
2) miniexecutivo (atividades extraescolares podem
ser ótimas quando ajudam a exercitar a mente e o corpo.
São ruins quando são exaustivas ou feitas apenas
pensando no currículo profissional da criança); 3) dê
ouvidos (a opinião da criança deve ser considerada
na hora de escolher uma atividade); 4) menos, menos
(simplifique a agenda dos seus filhos, deixando tempo
livre para brincar); 5) tédio faz bem (deixar que
as crianças fiquem entediadas é uma forma de fazer com
que elas aprendam a ser mais criativas); 6) ócio
familiar (reserve algumas horas na semana para
“fazer nada” em família); e 7) novos amigos (no
parquinho, resista à tentação de brincar com a criança o
tempo todo. Deixe-a brincar com outras pessoas). Cf.
Honoré, Carl. Sob pressão: criança nenhuma merece
superpais. RJ: Afiliada, 2009.
Obs.: Carl Honoré, jornalista britânico, o
primeiro a usar o termo “slow parenting”, afirma que
muitas crianças têm todos os momentos da vida agendados
e monitorados. No futuro, os resultados são menos
autonomia e menos criatividade.