E foi assim que nasceu o
Brasil...
E Deus caminhava pelo sertão agreste, seco, onde
o sol escaldante tudo gretava numa dureza de
seca nunca vista. Foi quando, de repente,
colocando a palma da mão sobre os olhos,
vislumbrou um pedaço de terra verdejante lá
muito ao longe.
Deus apressou o passo. O suor escorria pelo
corpo e sentia as longas barbas e os cabelos
encanecidos gotejando. O bordão, ao qual se
apoiava, calejara a palma da mão divina e
enormes bolhas se formaram.
Quando Deus chegou à mata verdejante, uma sombra
fresca, estuante de vida úmida, O acolheu e
envolveu. O Senhor se sentiu bem melhor. Uma
brisa constante refrescou-O e deu-Lhe um novo
alento. Extasiado, olhou a Sua própria criação.
Tanto havia criado que nem se lembrava bem
daquele lugar. Seus olhos divinos, de um azul
celeste límpido, cristalino, tentaram adivinhar
quantos matizes de verde se espraiavam por
aquela floresta exuberante. Desistiu. O gorjeio
dos pássaros encantava Seus ouvidos e, ao longe,
escutava o murmúrio dolente de águas correndo...
uma cadência suave.
O Senhor estava sedento. O calor era abrasante.
Ouvia, mais além, o rumorejar de ondas e
caminhou mais um pouco até que chegou a uma
praia linda. Orgulhou-se de Sua criação, com um
orgulho beirando o embevecimento – o mesmo com
que um pai ternamente observa um filho amado. A
fita de areia branca estendia-se a perder de
vista e um mar calmo, verde como esmeralda,
espraiava-se lânguido em ondas sucessivas e
mansas.
O Senhor nosso Pai aproximou-se de um coqueiro,
colheu um coco e, com o dedo divino, onipotente,
furou-o e, feito menino pequeno, sorveu,
deliciado, aquela água adocicada e refrescante.
Foi, então, que sentiu fome. Com a mão pescou um
peixe de dentro do mar. Com a quentura do seu
sopro divino, num instante, o peixinho estava
pronto a ser degustado. E Deus mitigou a fome,
saboreando lentamente cada pedacinho, chupando
cada espinha, guloso, lambendo os dedos.
O Pai Divino sentiu um torpor invadi-Lo. Estava
cansado. Caminhara muito, muito. O calor
continuava sufocante, insetos zuniam e o som era
convidativo para uma boa soneca após refeição
tão frugal, mas saborosíssima. Deus
espreguiçou-se, estendeu as mãos para o céu
azul, colheu algumas nuvens e juntou-as,
tecendo-as, interligando-as, formando uma rede.
Estendeu as nuvens e deixou-as esticadas entre
duas árvores de copas frondosas.
Quando o Senhor preparava para se deitar,
escutou a algazarra dos anjinhos que se
aproximavam aflitos, afobados, pois haviam
perdido Deus de vista, quando cabriolavam por
entre as nuvens, brincando de escorrega e de
esconde-esconde e, só agora, através da luz
fulgurante que emanava do corpo divino por entre
as copas das árvores, é que haviam conseguido
localizá-lo. Daí a alegria barulhenta.
Envolveram Deus com mil perguntas e risadas de
alívio por terem encontrado o Pai e, mais ainda,
por Ele não ter bronqueado com eles pela sua
ausência.
– Psiu, meninos – fez Deus levando o indicador
aos lábios – quero dormir um pouco. Vamos parar
com essa barulheira. Não vos cansais nunca? –
advertiu com ternura na voz.
Deus deitou-se na rede de nuvens e os anjinhos,
carinhosamente com desvelo, tiraram suas
sandálias de couro e massagearam-Lhe os pés.
Depois, colocaram-se três de cada lado da rede
e, suave, lentamente, balançavam o Senhor, que
já fechava os olhos numa modorra gostosa.
– Que lugar lindo! Se eu tivesse que viver na
Terra, escolheria esse lugar pra minha
velhice... – e o Senhor falou isto com uma voz
mansa, cantando dolente cada palavra, abrindo as
vogais, rolando-as por entre os lábios,
pronunciando-as claramente em sua sonolência
para que os anjinhos o entendessem logo e não
tivesse que repetir.
Mas o menorzinho deles, moreninho, cabelos
encaracolados, olhos vivos, irreverente, não se
conteve na sua curiosidade:
– Painho, que língua vai falar o povo deste
lugar?
Deus pensou um pouco e com mansidão no coração
falou devagar, bem devagar, como as ondas do
verde mar que, lentamente e em suave cadência,
beijavam a areia dourada pela luz do sol.
– O povo daqui? Pronto! Vai falar português,
visse, minino?
E foi assim que nasceu o Brasil...
|