Caráter das principais
variedades de Espíritas
Só praticando a lei de amor e de caridade que
um laço fraternal sério pode se estabelecer. -
Allan Kardec
Traçamos em O Livro dos Médiuns, o
caráter das principais variedades de Espíritas.
Cremos de toda utilidade dever lembrá-lo:
podem-se colocar em primeira linha aqueles que
creem, pura e simplesmente, nas manifestações. O
Espiritismo não é para eles senão uma ciência de
observação, uma série de fatos mais ou menos
curiosos; a filosofia e a moral são acessórios,
dos quais pouco se preocupam, ou dos quais não
supõem a importância. Nós os chamamos
Espíritas experimentadores.
Vêm em seguida
aqueles que veem no Espiritismo outra coisa
senão os fatos; compreende-lhe a importância
filosófica; admiram a moral que dele decorre,
mas não a praticam; extasiam-se diante de belas
comunicações, como diante de um eloquente sermão
que se escuta sem aproveitá-lo. Sua influência
sobre seu caráter é insignificante ou nula; não
mudam nada em seus hábitos e não se privariam de
um único gozo: o avarento é sempre sovina, o
orgulhoso sempre cheio de si mesmo, o invejoso e
o ciumento sempre hostis; para eles a caridade
cristã não é senão uma bela máxima, e os bens
deste mundo dominam, em Sua estima sobre os do
futuro: esses são os
espíritas
imperfeitos.
Ao lado daqueles
há outros, mais numerosos do que se crê, que não
se limitam a admirar a moral espírita, mas que a
praticam e lhe aceitam, por si mesmos, todas as
consequências. Convencidos de que a existência
terrestre é uma prova passageira, tratam de
aproveitar seus curtos instantes para caminhar
na senda do progresso, esforçando-se por fazer o
bem e reprimir seus maus pendores; suas relações
são sempre seguras, porque sua convicção os
distancia de todo pensamento do mal. A caridade
é, em todas as coisas, a regra de sua conduta;
esses são os verdadeiros Espíritas, ou
melhor, os
Espíritas
cristãos.
Se se compreendeu bem o que precede,
compreender-se-á também que um grupo
exclusivamente formado de elementos dessa última
classe estaria em melhores condições, porque é
só entre pessoas praticando a lei de amor e de
caridade que um laço fraternal sério pode se
estabelecer. Entre homens para quem a moral não
é senão uma teoria, a união não poderia ser
durável; como não impõem nenhum freio ao seu
orgulho, à sua ambição, à sua vaidade, ao seu
egoísmo, não lhes imporão mais às suas palavras;
quererão preponderar quando deveriam se abaixar;
irritar-se-ão com contradições e não farão
nenhum escrúpulo em semear a perturbação e a
discórdia. Entre verdadeiros Espíritas, ao
contrário, reina um sentimento de confiança e de
benevolência recíproco; sente-se à vontade nesse
meio simpático, ao passo que há constrangimento
e ansiedade num meio misturado.
Isto está na natureza das coisas, e nós não
inventamos nada a esse respeito. Segue-se que,
na formação dos grupos, seria preciso exigir a
perfeição? Isso seria muito simplesmente
absurdo, porque seria querer o impossível, e
que, nessa conta, ninguém poderia pretender dela
fazer parte. Tendo o Espiritismo por objetivo a
melhoria dos homens, não vem procurar aqueles
que são perfeitos, mas aqueles que se esforçam
por se tornar a pôr em prática o ensinamento dos
Espíritos. O verdadeiro Espírita não é aquele
que chegou ao objetivo, mas aquele que quer
seriamente atingi-lo. Quaisquer que
sejam, pois, seus antecedentes, é bom Espírita
desde que reconheça suas imperfeições, e que é
sincero e perseverante em seu desejo de se
emendar. O Espiritismo é para ele uma verdadeira
regeneração, porque rompe com seu passado;
indulgente para com os outros, como gostaria que
fossem para consigo, não sairá de sua boca
nenhuma palavra malevolente nem ofensiva para
ninguém. Aquele que, numa reunião, se afastasse
das conveniências, provaria não só uma falta de
saber viver e de urbanidade, mas uma falta de
caridade; aquele que se magoasse com a
contradição, e pretendesse impor sua pessoa ou
suas ideias, daria prova de orgulho; ora, nem um
nem o outro estariam no caminho do verdadeiro
Espiritismo, quer dizer, do Espiritismo cristão.
Aquele que crê ter uma opinião mais justa que os
outros, fa-la-á bem melhor aceita pela doçura e
pela persuasão; o amargor seria de sua parte mau
cálculo.
A simples lógica demonstra, pois, a quem conhece
as leis do Espiritismo, quais são os melhores
elementos para a composição dos grupos
verdadeiramente sérios, e não hesitamos em dizer
que são aqueles que têm a maior influência sobre
a propagação da Doutrina; pela consideração que
impõem, pelo exemplo que dão de suas
consequências morais, dele provam a gravidade e
impõem silêncio à zombaria, que, quando ela
ataca o bem, é mais do que ridícula, porque é
odiosa; mas o que quereis que pense um crítico
incrédulo quando assiste a experiências cujos
assistentes são os primeiros a fazerem delas um
jogo?! Delas sai um pouco mais incrédulo do que
nelas entrou...
Acabamos de indicar a melhor composição dos
grupos; mas a perfeição não é mais possível nos
conjuntos do que nos indivíduos; indicamos o
objetivo, e dizemos que quanto mais dele se
aproveitar, mais os resultados serão
satisfatórios. Algumas vezes, é-se dominado
pelas circunstâncias, mas é a remover os
obstáculos que é preciso pôr todos os seus
cuidados. Infelizmente, quando um grupo se cria,
é-se pouco rigoroso na escolha, porque se quer,
antes de tudo, formar um núcleo; basta, na maior
parte do tempo, para nele ser admitido, um
simples desejo, ou uma adesão qualquer às ideias
mais gerais do Espiritismo; mais tarde,
percebe-se que foi muito fácil.
Num grupo, há sempre o elemento estável e o
elemento flutuante. O primeiro se compõe de
pessoas assíduas que lhe formam a base; o
segundo, daquelas que nele não são admitidas
senão temporária e acidentalmente. É na
composição do elemento estável que é essencial
pôr uma atenção escrupulosa, e, neste caso,
não é preciso hesitar em sacrificar a quantidade
à qualidade, porque é ele que dá o impulso e
serve de regulador; o elemento flutuante é menos
importante, porque se é sempre livre para
modificá-lo à sua vontade. Não é preciso perder
de vista que as reuniões espíritas, como de
resto todas as reuniões em geral, tiram as
fontes de sua vitalidade na base sobre a qual
estão assentadas; tudo depende, sob este
aspecto, do ponto de partida. Aquele que tem a
intenção de organizar um grupo em boas condições
deve, antes de tudo, se assegurar do concurso de
alguns adeptos sinceros, tomando a Doutrina a
sério, e cujo caráter conciliador e
benevolente lhe seja conhecido. Estando esse
núcleo formado, não fora senão de três ou quatro
pessoas estabelecer-se-ão regras precisas, seja
para as admissões, seja para a correção das
sessões e a ordem dos trabalhos, regras com as
quais os novos que chegam serão obrigados a se
conformarem. Essas regras podem sofrer
modificações segundo as circunstâncias; mas há
algumas delas essenciais.
Sendo a unidade de princípio um dos pontos
importantes, essa unidade não pode existir
naqueles que, não tendo estudado, não podem ter
formado uma opinião.
A primeira condição a impor, se não se quer
estar, a cada instante, distraído por objeções
ou por perguntas ociosas, é, pois, o estudo
preliminar. A segunda é uma profissão de fé
categórica, e uma adesão formal à Doutrina de
O Livro dos Espíritos, e tais outras
condições especiais que se julgarão apropriadas.
Isto é para os membros titulares e dirigentes;
para os ouvintes, que vêm geralmente para
adquirir um acréscimo de conhecimentos e de
convicção, pode-se ser menos rigoroso;
entretanto, como há os que poderiam causar
perturbação com observações deslocadas, é
importante se assegurar de suas disposições; é
preciso, sobretudo e sem exceção, afastar os
curiosos e quem não fosse atraído senão por um
motivo frívolo.
A ordem e a regularidade dos trabalhos são
coisas igualmente essenciais. Consideramos como
eminentemente útil abrir cada sessão pela
leitura de algumas passagens de O
Livro dos Médiuns, e de O Livro
dos Espíritos; por esse meio ter-se-ão
sempre presentes à memória os princípios da
ciência e os meios de evitar os escolhos que se
encontram, a cada passo, na prática. A atenção
se fixará, assim, sobre uma multidão de pontos
que escapam, com frequência, numa leitura
particular, e poderão dar lugar a comentários e
a discussões instrutivas, nas quais os próprios
Espíritos poderão tomar parte.
Não é menos
necessário colecionar e passar a limpo todas as
comunicações obtidas, por ordem de datas, com
indicação do médium que serviu de intermediário.
Esta última menção é útil para o estudo do
gênero de faculdade de cada um. Mas,
frequentemente, ocorre que se perdem de vistas
essas comunicações, que se tornam, assim, letras
mortas; isso desencoraja os Espíritos que as
deram tendo em vista a instrução dos
assistentes. É, pois, essencial fazer uma
coleção especial das mais instrutivas, e fazer
delas, de tempos em tempos, uma nova leitura.
Essas comunicações, frequentemente, são de
interesse geral, e não são dadas pelos Espíritos
para a instrução de alguns somente, e para serem
escondidas nos arquivos. É, pois, útil e
conveniente que sejam levadas ao conhecimento de
todos pela publicidade.