A. Como Broussais, conhecido materialista,
define o eu?
Para Broussais e seus colegas e discípulos, o eu é
o cérebro. O pensamento e todos os fenômenos
inteligentes são excitações da matéria cerebral
ou, para usar a mesma linguagem do Autor,
condensações da mesma matéria. Contudo, quando
solicitado a explicar como isso se dá, Broussais
respondia: “o eu é um fato inexplicável,
não pretendo explicá-lo”. “O eu é um
fenômeno de inervação.” (Deus na Natureza –
Terceira Parte. A Alma. A Personalidade Humana.)
B. A tais ideias, qual a resposta dada pelo
autor desta obra?
Sem dúvida, a afirmação da personalidade do eu prova
a existência da alma, mas não se infere daí que
a constitua. Temos, para nós, que a alma é o ser
pensante, ao passo que o eu é apenas uma
concepção que dá para fenômenos internos o
caráter de fato consciencial. A alma poderia
existir inconsciente da sua personalidade e, de
fato, no mundo animado há um grande número de
almas ainda nessa condição. (Deus na Natureza
– Terceira Parte. A Alma. A Personalidade
Humana.)
C. As mutações sofridas ao longo do tempo pelo
corpo físico afetam a unidade da alma?
Não. A unidade da alma não existe somente a cada
instante, considerada em si mesma, mas persiste
de um a outro instante e fica idêntica em si
mesma, apesar das mudanças que o tempo acarreta
à composição da substância cerebral. (Deus na
Natureza – Terceira Parte. A Alma. A
Personalidade Humana.)
Texto para leitura
654. No parecer de Broussais, com seus colegas
e discípulos, o eu é o cérebro. O
pensamento e todos os fenômenos inteligentes são
excitações da matéria cerebral ou, para usar a
mesma linguagem do Autor, condensações da mesma
matéria[i].
E, seja de que natureza for, toda a percepção
mental está neste caso. Dor, alegria, saudade,
julgamento, comparação, determinação,
entusiasmo, desejo, tudo é condensação. Se
houver fenômenos complexos nesse laboratório do
pensamento, quais uma série de raciocínios
sucessivos partidos de uma impressão inicial,
mesmo do exterior e culminando em ato
voluntário, serão ainda condensação de
condensações. (Deus
na Natureza – Terceira Parte. A Alma. A
Personalidade Humana.)
655. Sentir-se sentir, eis a fórmula e o único
fato consciencial admitido por Broussais. Ora,
qual o órgão que sente no organismo humano?
Incontestavelmente, o cérebro. Logo, ele é o eu e
todas as percepções do pensamento não passam de
excitações da substância cerebral. Coisa que
parece simples, mas desafia um ligeiro reparo. (Deus
na Natureza – Terceira Parte. A Alma. A
Personalidade Humana.)
656. Esses senhores não se precatam de que assim
raciocinando regridem aos arqueus de Van
Helmont, a pretexto de progresso. Não lhes falta
mais que os espíritos animais, dos tempos de
Descartes e Malebranche, para nos vermos
recuados a mais de dois séculos anteriores à
origem da própria Fisiologia. (Deus na
Natureza – Terceira Parte. A Alma. A
Personalidade Humana.)
657. Não temos no âmago da consciência a certeza
da nossa unidade? Percebe-se o pensamento qual
mecanismo composto de várias peças, ou como um
ser simples? Todos os fenômenos ativos de nossa
alma depõem a favor dessa unidade pessoal, visto
como, na sua variedade e multiplicidade, estão
grupados em torno de uma percepção íntima, de um
julgamento e de uma faculdade de generalizações
únicas. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A
Alma. A Personalidade Humana.)
658. Sentimos, em nós mesmos, essa unidade
pessoal, sem a qual pensamentos e atos não mais
se ligariam por qualquer laço e nenhum valor
teriam as nossas determinações. É esse um fato
tão firmemente enraizado na consciência e tão
inatacável, que as contradições aparentes que se
lhe podem opor redundam, em definitivo, a seu
favor. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A
Alma. A Personalidade Humana.)
659. Se, por exemplo, certa faculdade de nossa
alma se engana em suas apreciações, parece poder
concluir-se que há complexidade na maneira
operatória do espírito. Mas, se descermos ao
fundo do fenômeno do erro, tão frequente,
reconheceremos que é sempre o mesmo ser, a mesma
pessoa a enganar-se e a reconhecer a sua
imprevidência, assim como, no homem que erra e
se corrige, é manifesto que a mesma razão que
erra é que corrige. Assim, as mesmas
contradições da natureza humana prestam-se,
tanto quanto o foro íntimo, a afirmar a
personalidade do nosso ser mental.(Deus na
Natureza – Terceira Parte. A Alma. A
Personalidade Humana.)
660. Se bem que a afirmação da personalidade do eu prova
a existência da alma, não se infere daí que a
constitua. Temos, para nós, que a alma é o ser
pensante, ao passo que o eu é apenas uma
concepção que dá para fenômenos internos o
caráter de fato consciencial. A alma poderia
existir inconsciente da sua personalidade e, de
fato, no mundo animado há um grande número de
almas ainda nessa condição. (Deus na Natureza
– Terceira Parte. A Alma. A Personalidade
Humana.)
661. Dizem outros que é o conjunto do cérebro e
não cada molécula de per si, que pensa. Mas, que
vem a ser o conjunto do cérebro senão a reunião
das moléculas que o compõem? Os que fazem dessa
reunião um ser ideal, uma espécie de sociedade,
de exército, não podem pretender que essa
coletividade pense, sem que o façam todos e cada
qual dos seus membros. Porque, em si, uma
sociedade, um povo, não são entidades reais, mas
conglomerado cuja natureza e cujo valor só se
constituem dos membros, componentes. (Deus na
Natureza – Terceira Parte. A Alma. A
Personalidade Humana.)
662. Suprimi o pensamento aos cérebros do povo
francês e que ficará a esse povo? Imaginai que
as moléculas cerebrais não pensam, e que restará
ao cérebro? E, se elas pensam, então, voltaremos
à imagem extravagante de uma quantidade
indefinida de eus! (Deus na Natureza –
Terceira Parte. A Alma. A Personalidade Humana.)
663. Os materialistas contemporâneos são um
pouco mais fortes. Declararam, como vimos, que a
alma é uma força excretada pelo cérebro, sem se
darem ao trabalho de elucidar qual a parte ou o
elemento do encéfalo que possui essa maravilhosa
faculdade. É uma resultante do conjunto de
movimentos operados sob diversas influências, no
órgão cerebral. Tal a opinião da escola
materialista, e mesmo da panteísta. (Deus na
Natureza – Terceira Parte. A Alma. A
Personalidade Humana.)
664. Esta nova hipótese é tão simplória quanto
as precedentes e só apresenta uma ligeira falha
que é, nem mais nem menos, o ser
incompreensível. Aliás, não se dão eles ao
trabalho de a explicar. (Deus na Natureza –
Terceira Parte. A Alma. A Personalidade Humana.)
665. Em 1827, quando se opunha a simplicidade da
alma à multiplicidade dos elementos cerebrais,
nessa época em que a química do pensamento não
gozava a prerrogativa de ser manipulada nas
retortas de além-Reno, Broussais respondia
lealmente: “o eu é um fato inexplicável,
não pretendo explicá-lo”[ii].
Todavia, às definições supra assinaladas, juntou
ele mais esta: “O eu é um fenômeno de
inervação”. (Deus
na Natureza – Terceira Parte. A Alma. A
Personalidade Humana.)
666. Ainda hoje, ninguém conseguiu provar, nem
explicar, como pode a consciência resultar de
certas combinações operadas num maquinismo
automático. Assim, a unidade da nossa força
pensante não só protesta energicamente, como
destrói, de um golpe, a hipótese da secreção
cerebral. (Deus na Natureza – Terceira Parte.
A Alma. A Personalidade Humana.)
667. Oporemos, agora, à mesma hipótese um
segundo fato, paralelo a este e de tanto valor
que basta, por si só, para arrasar o colossal
exército de argumentos já embotados na defesa da
referida teoria. (Deus na Natureza – Terceira
Parte. A Alma. A Personalidade Humana.)
668. Ei-lo, esse fato, em termos bem claros: A
substância cerebral não se mantém duas semanas
idêntica a si mesma. O cérebro se refunde
completamente num prazo mais ou menos longo.
Vimos já que não só o cérebro, mas todo o
organismo, não passa de uma sucessão de
moléculas em mutabilidade constante. Nada
obstante, a nossa personalidade racional
subsiste. (Deus na Natureza – Terceira Parte.
A Alma. A Personalidade Humana.)
669. Todos temos a certeza de que, desde que nos
entendemos por gente, não mudamos
intrinsecamente, como mudaram nossos cabelos,
nossa pele, nossa fisionomia, nossa estatura. (Deus
na Natureza – Terceira Parte. A Alma. A
Personalidade Humana.)
670. A unidade da alma não existe somente a cada
instante, considerada em si mesma, mas persiste
de um a outro instante e fica idêntica em si
mesma, apesar das mudanças que o tempo acarreta
à composição da substância cerebral. (Deus na
Natureza – Terceira Parte. A Alma. A
Personalidade Humana.)
671. Trata-se, pois, de conciliar a identidade
permanente de nossa personalidade com a
mutabilidade incessante da matéria. Os senhores
materialistas seriam de uma gentileza rara se
consentissem em subir por um instante ao palco,
a fim de resolverem este pequenino problema. (Deus
na Natureza – Terceira Parte. A Alma. A
Personalidade Humana.)
672. A nós, muito nos apraz fornecer-lhes o
enunciado: – demonstrar que o movimento é amigo
do repouso e que o melhor processo de criar no
mundo uma instituição estável e sólida é lançar
a ideia através de um turbilhão de cabeças
frívolas. (Deus na Natureza – Terceira Parte.
A Alma. A Personalidade Humana.)
673. As rigorosas observações feitas e
comparadas, sob diversos pontos de vista,
demonstraram não apenas que o corpo se renova
sucessiva e completamente, molécula a molécula,
mas, também, que essa renovação perpétua é
rapidíssima, bastando trinta dias para que se
tenha um corpo integralmente renovado. (Deus
na Natureza – Terceira Parte. A Alma. A
Personalidade Humana.)
[i] Broussais
– De l’Irritation et de la Folie,
página 214.
[ii] Reponme
aux Critiques, página 17.