Clássicos
do Espiritismo

por Angélica Reis

 Deus na Natureza

Camille Flammarion

(Parte 36)


Continuamos o estudo metódico e sequencial do livro Deus na Natureza, de autoria de Camille Flammarion, escrito na segunda metade do século 19, no ano de1867.


Questões preliminares


A. Como Broussais, conhecido materialista, define o eu?

Para Broussais e seus colegas e discípulos, o eu é o cérebro. O pensamento e todos os fenômenos inteligentes são excitações da matéria cerebral ou, para usar a mesma linguagem do Autor, condensações da mesma matéria. Contudo, quando solicitado a explicar como isso se dá, Broussais respondia: “o eu é um fato inexplicável, não pretendo explicá-lo”. “O eu é um fenômeno de inervação.” (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. A Personalidade Humana.)

B. A tais ideias, qual a resposta dada pelo autor desta obra?

Sem dúvida, a afirmação da personalidade do eu prova a existência da alma, mas não se infere daí que a constitua. Temos, para nós, que a alma é o ser pensante, ao passo que o eu é apenas uma concepção que dá para fenômenos internos o caráter de fato consciencial. A alma poderia existir inconsciente da sua personalidade e, de fato, no mundo animado há um grande número de almas ainda nessa condição. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. A Personalidade Humana.)

C. As mutações sofridas ao longo do tempo pelo corpo físico afetam a unidade da alma?

Não. A unidade da alma não existe somente a cada instante, considerada em si mesma, mas persiste de um a outro instante e fica idêntica em si mesma, apesar das mudanças que o tempo acarreta à composição da substância cerebral. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. A Personalidade Humana.)


Texto para leitura


654. No parecer de Broussais, com  seus colegas e discípulos, o eu é o cérebro. O pensamento e todos os fenômenos inteligentes são excitações da matéria cerebral ou, para usar a mesma linguagem do Autor, condensações da mesma matéria[i]. E, seja de que natureza for, toda a percepção mental está neste caso. Dor, alegria, saudade, julgamento, comparação, determinação, entusiasmo, desejo, tudo é condensação. Se houver fenômenos complexos nesse laboratório do pensamento, quais uma série de raciocínios sucessivos partidos de uma impressão inicial, mesmo do exterior e culminando em ato voluntário, serão ainda condensação de condensações. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. A Personalidade Humana.)

655. Sentir-se sentir, eis a fórmula e o único fato consciencial admitido por Broussais. Ora, qual o órgão que sente no organismo humano? Incontestavelmente, o cérebro. Logo, ele é o eu e todas as percepções do pensamento não passam de excitações da substância cerebral. Coisa que parece simples, mas desafia um ligeiro reparo. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. A Personalidade Humana.)

656. Esses senhores não se precatam de que assim raciocinando regridem aos arqueus de Van Helmont, a pretexto de progresso. Não lhes falta mais que os espíritos animais, dos tempos de Descartes e Malebranche, para nos vermos recuados a mais de dois séculos anteriores à origem da própria Fisiologia. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. A Personalidade Humana.)

657. Não temos no âmago da consciência a certeza da nossa unidade? Percebe-se o pensamento qual mecanismo composto de várias peças, ou como um ser simples? Todos os fenômenos ativos de nossa alma depõem a favor dessa unidade pessoal, visto como, na sua variedade e multiplicidade, estão grupados em torno de uma percepção íntima, de um julgamento e de uma faculdade de generalizações únicas. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. A Personalidade Humana.)

658. Sentimos, em nós mesmos, essa unidade pessoal, sem a qual pensamentos e atos não mais se ligariam por qualquer laço e nenhum valor teriam as nossas determinações. É esse um fato tão firmemente enraizado na consciência e tão inatacável, que as contradições aparentes que se lhe podem opor redundam, em definitivo, a seu favor. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. A Personalidade Humana.)

659. Se, por exemplo, certa faculdade de nossa alma se engana em suas apreciações, parece poder concluir-se que há complexidade na maneira operatória do espírito. Mas, se descermos ao fundo do fenômeno do erro, tão frequente, reconheceremos que é sempre o mesmo ser, a mesma pessoa a enganar-se e a reconhecer a sua imprevidência, assim como, no homem que erra e se corrige, é manifesto que a mesma razão que erra é que corrige. Assim, as mesmas contradições da natureza humana prestam-se, tanto quanto o foro íntimo, a afirmar a personalidade do nosso ser mental.(Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. A Personalidade Humana.)

660. Se bem que a afirmação da personalidade do eu prova a existência da alma, não se infere daí que a constitua. Temos, para nós, que a alma é o ser pensante, ao passo que o eu é apenas uma concepção que dá para fenômenos internos o caráter de fato consciencial. A alma poderia existir inconsciente da sua personalidade e, de fato, no mundo animado há um grande número de almas ainda nessa condição. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. A Personalidade Humana.)

661. Dizem outros que é o conjunto do cérebro e não cada molécula de per si, que pensa. Mas, que vem a ser o conjunto do cérebro senão a reunião das moléculas que o compõem? Os que fazem dessa reunião um ser ideal, uma espécie de sociedade, de exército, não podem pretender que essa coletividade pense, sem que o façam todos e cada qual dos seus membros. Porque, em si, uma sociedade, um povo, não são entidades reais, mas conglomerado cuja natureza e cujo valor só se constituem dos membros, componentes. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. A Personalidade Humana.)

662. Suprimi o pensamento aos cérebros do povo francês e que ficará a esse povo? Imaginai que as moléculas cerebrais não pensam, e que restará ao cérebro? E, se elas pensam, então, voltaremos à imagem extravagante de uma quantidade indefinida de eus(Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. A Personalidade Humana.)

663. Os materialistas contemporâneos são um pouco mais fortes. Declararam, como vimos, que a alma é uma força excretada pelo cérebro, sem se darem ao trabalho de elucidar qual a parte ou o elemento do encéfalo que possui essa maravilhosa faculdade. É uma resultante do conjunto de movimentos operados sob diversas influências, no órgão cerebral. Tal a opinião da escola materialista, e mesmo da panteísta. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. A Personalidade Humana.)

664. Esta nova hipótese é tão simplória quanto as precedentes e só apresenta uma ligeira falha que é, nem mais nem menos, o ser incompreensível. Aliás, não se dão eles ao trabalho de a explicar. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. A Personalidade Humana.)

665. Em 1827, quando se opunha a simplicidade da alma à multiplicidade dos elementos cerebrais, nessa época em que a química do pensamento não gozava a prerrogativa de ser manipulada nas retortas de além-Reno, Broussais respondia lealmente: “o eu é um fato inexplicável, não pretendo explicá-lo”[ii]. Todavia, às definições supra assinaladas, juntou ele mais esta: “O eu é um fenômeno de inervação”. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. A Personalidade Humana.)

666. Ainda hoje, ninguém conseguiu provar, nem explicar, como pode a consciência resultar de certas combinações operadas num maquinismo automático. Assim, a unidade da nossa força pensante não só protesta energicamente, como destrói, de um golpe, a hipótese da secreção cerebral. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. A Personalidade Humana.)

667. Oporemos, agora, à mesma hipótese um segundo fato, paralelo a este e de tanto valor que basta, por si só, para arrasar o colossal exército de argumentos já embotados na defesa da referida teoria. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. A Personalidade Humana.)

668. Ei-lo, esse fato, em termos bem claros: A substância cerebral não se mantém duas semanas idêntica a si mesma. O cérebro se refunde completamente num prazo mais ou menos longo. Vimos já que não só o cérebro, mas todo o organismo, não passa de uma sucessão de moléculas em mutabilidade constante. Nada obstante, a nossa personalidade racional subsiste. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. A Personalidade Humana.)

669. Todos temos a certeza de que, desde que nos entendemos por gente, não mudamos intrinsecamente, como mudaram nossos cabelos, nossa pele, nossa fisionomia, nossa estatura. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. A Personalidade Humana.)

670. A unidade da alma não existe somente a cada instante, considerada em si mesma, mas persiste de um a outro instante e fica idêntica em si mesma, apesar das mudanças que o tempo acarreta à composição da substância cerebral. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. A Personalidade Humana.)

671. Trata-se, pois, de conciliar a identidade permanente de nossa personalidade com a mutabilidade incessante da matéria. Os senhores materialistas seriam de uma gentileza rara se consentissem em subir por um instante ao palco, a fim de resolverem este pequenino problema. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. A Personalidade Humana.)

672. A nós, muito nos apraz fornecer-lhes o enunciado: – demonstrar que o movimento é amigo do repouso e que o melhor processo de criar no mundo uma instituição estável e sólida é lançar a ideia através de um turbilhão de cabeças frívolas. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. A Personalidade Humana.)

673. As rigorosas observações feitas e comparadas, sob diversos pontos de vista, demonstraram não apenas que o corpo se renova sucessiva e completamente, molécula a molécula, mas, também, que essa renovação perpétua é rapidíssima, bastando trinta dias para que se tenha um corpo integralmente renovado. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. A Personalidade Humana.)

 


 

[i]  Broussais – De l’Irritation et de la Folie, página 214.

[ii] Reponme aux Critiques, página 17.

 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita