Chico Xavier colocou no papel um alerta sobre os riscos
da vaidade e da ambição. Desta vez, quem assinava o
texto era Maria João de Deus, sua mãe. Chico Xavier
decorou cada palavra. Muitas delas eram golpes secos
contra sua autoestima.
Para
começo de conversa, ele não deveria encarar a própria
mediunidade como uma dádiva, porque, imperfeito como
era, não merecia favores de Deus. Uma metáfora barroca
marcou sua história: "Seja tua mediunidade como harpa
melodiosa; porém, no dia em que receberes os favores do
mundo como se estivesses vendendo os seus acordes, ela
se enferrujará para sempre".
Chico ficou atento às lições e passou a exercitar tanto
o bom humor como a humildade ao longo dos anos. No dia 5
de dezembro de 1934, Humberto de Campos morreu. Três
meses depois, Chico teve um sonho. As cenas eram nítidas
demais. Ele deparou com um grupo de desconhecidos,
embaixo de uma árvore enorme e transparente como
cristal, sob um céu muito azul e brilhante. Não havia
casas em volta. Um dos estranhos se destacou da
multidão, caminhou em sua direção, estendeu a mão e
disse: "Você é o menino do Parnaso? Eu sou
Humberto de Campos".
As
lembranças terminaram aí, mas deixaram o rapaz cismado.
Qual o sentido daquele sonho? Três meses depois, ele
saberia.
Textos assinados por Humberto de Campos cairiam do céu
um após o outro. Em março de 1935, a mão de Chico
colocou no papel as primeiras linhas assinadas pelo
ex-imortal. Sob o título "A Palavra dos Mortos", o
escritor se apresentava como uma testemunha do "trabalho
intenso das coletividades invisíveis pelo progresso
humano". Nem parecia aquele acadêmico capaz de desafiar
os poetas mortos a competir com os vivos de igual para
igual, "reencarnados". Do outro lado, ele tratava de
defender as mensagens dos espíritos como "um consolo aos
tristes e uma esperança aos desafortunados" .
Os
materialistas que se cuidassem. O texto saía a jato da
mão de Chico Xavier. A fé viria mais cedo ou mais tarde,
pelo bem ou pelo mal: "Os homens aprenderão à custa das
suas dores, com todo o fardo de suas misérias e de suas
fraquezas, e as palavras do infinito cairão sobre eles
como a chuva de favores do Alto".
O
artigo virou introdução do livro Palavras do Infinito,
de Chico Xavier, uma coletânea de ensaios assinados por
Humberto de Campos e por outros mortos ilustres. Cinco
dias depois, Chico Xavier cobriria uma página em branco
com novas frases assinadas pelo jornalista invisível.
Era uma carta de despedida endereçada ao rapaz: "Tive
pena quando soube que iam conduzi-lo a um teste. A
curiosidade jornalística é agora levantada em torno de
sua pessoa. Agora que os bisbilhoteiros o procuram,
trago-lhe o meu adeus, sem prometer voltar breve". O
repórter morto saiu de cena e abriu alas para um
jornalista vivo.
Do livro As Vidas de Chico Xavier, de Marcel
Souto Maior.
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