Lembrando
Leopoldo Machado
Como forma de homenagear a memória de Leopoldo Machado
Barbosa, um dos mais destacados vultos do Movimento
Espírita em nosso país, registramos algumas das
memoráveis ocorrências de sua proveitosa existência,
lembrando que ele nasceu em 30 de setembro de 1891 em
Cepa Forte, interior da Bahia (atualmente Jandaíra) e
desencarnou em Nova Iguaçu (RJ) na noite do dia 22 de
agosto de 1957.
1. Leopoldo recebeu, da parte de sua mãe Anna Izabel
Machado, orientação católica. Escrevendo, porém, na
Revista Internacional de Espiritismo, sob a rubrica
“Memórias de um Espírita Baiano”, deu a perceber que
ainda menino já questionava os dogmas eclesiásticos. No
dia em que fez a primeira comunhão, na saída da igreja
com outras crianças de sua idade vestidas de branco e
bem-comportadas, teria dito o Padre:
- “Não
fosse sacrilégio, bom seria que vocês todos morressem
agora. Purinhos, limpinhos, iriam logo para o céu”.
Pouco depois, Leopoldo passou a atirar pedras contra
umas vacas que pastavam perto da igreja. Vendo aquela
peraltice, o padre o adverte: “Mas você fazendo esta
maldade, menino! Ainda há pouco estava eu desejando o
ingresso de vocês todos no céu...” Ao que retruca o
menino, já arguto: - “Ora, padre, depois eu me confesso
e volto a ficar todo puro, todo limpo e poderei entrar
no céu”.
Mal sabia aquele clérigo que no futuro essa mesma
criança viria a ser um destemido defensor do
Espiritismo!
2. Ainda pequeno, Leopoldo fora acometido de estranha
febre. O médico que o atende sentencia: “Se escapar,
ficará retardado”. Mas como sequela disso ficou-lhe
apenas a leve gagueira. A moderna Foniatria acena,
quanto a isso, para causas genéticas. O fato é que ele,
sempre lúcido, nos legou trinta livros de versos,
contos, biografias e relatos de viagens, estes visando à
unificação dos espíritas, como o sempre lembrado “A
Caravana da Fraternidade” (1952), fruto do histórico
“Pacto Áureo” da Federação Espírita Brasileira.
3. Contava Leopoldo Machado dezoito anos (1909) e
residia em Salvador (BA) quando seu pai, Eulálio de
Souza Barbosa, retorna ao lar do qual estivera ausente
durante anos, por razões políticas. Nasce a 26 de
fevereiro do ano seguinte sua irmã Leopoldina. O pai
manifestou insatisfação, pois desejava que viesse um
menino. Todos os filhos anteriores eram do sexo
masculino.
Leopoldo assumiu, então, diante do pai, a
responsabilidade de cuidar da irmãzinha. A própria
Professora Leopoldina Machado, revelaria anos mais tarde
ao Celso Martins que a conheceu em 1960, dela se fazendo
amigo até o seu desenlace no ano 2000:
- “Leopoldo me foi mais que irmão. Foi meu segundo pai”.
Ele teria dito, naquela ocasião, ao genitor:
- “Pai, se o Senhor não quiser, deixe que eu eduque a
criança. O Senhor andou foragido durante um bom tempo e
nem por isso morremos de fome. Deixe comigo a criação de
minha irmãzinha”.
Leopoldo, de fato, cumpriu sua promessa.
Dele herdou Leopoldina a honradez do caráter, o
dinamismo, a franqueza e a sinceridade, conforme o Celso
Martins pôde de perto comprovar. Habitualmente e às
vezes sem que ninguém soubesse, ela dava auxílios a
muitas anciãs viúvas, carentes.
4. Rapazola, descrente das pregações religiosas, durante
uma quadra de sua vida, Leopoldo Machado chegou a ser
materialista. Mas, casado com Marília Barbosa, em 1917,
graças ao desvelo desta companheira, fez-se adepto do
Espiritismo e mais que isto, tornou-se um de seus
maiores defensores na tribuna, no rádio, no livro, assim
como nas revistas e jornais do Brasil e do Exterior.
Um fato digno de nota:
Seu terceiro livro “Ideias” (1920), um compêndio de
poesias elogiado por renomados escritores, dentre os
quais o poeta Amaral Ornellas, enviado a um crítico
literário da época, autografado, foi-lhe devolvido com
essas ríspidas palavras: “Quando o Senhor tiver
ideias, manda-me um exemplar”. Consta que o
Professor autodidata, marido da Professora formada
Marília Barbosa, a isso respondeu com uma de suas
sonoras gargalhadas. Era o jeito Leopoldo de encarar a
vida.
Uma curiosidade:
No seu livro “Natal dos Cristãos Novos” – que este velho
articulista leu com muito interesse e maior proveito,
Leopoldo Machado estampou um soneto ao qual deu o
sugestivo título “Destino Sereno e Nobre” onde,
deliberadamente, ele não faz aparecer a vogal “a”.
5. Em 1932, o Professor Leopoldo Machado que havia
fundado no dia 1º de fevereiro de 1930, em Nova Iguaçu,
com apoio da esposa Marília Barbosa, de sua irmã
Leopoldina e da cunhada Marília Ferraz de Almeida, o
Gymnázio Leopoldo (nome dado em homenagem ao
Príncipe Belga, seu xará, futuro Rei Leopoldo III, que
visitava o Brasil), deveria proferir palestra na
Instituição Espírita Legionárias de Maria, fundada
por Sarah Morais e outros – um prédio de dois pavimentos
que se localiza na Rua Rio Grande do Sul, 43 – Bairro do
Meier (RJ). Era o aniversário de fundação dessa notável
Instituição que manteve por diversos anos a publicação
semestral da revista “Vozes do Coração”, a qual era
distribuída gratuitamente até para o Exterior. Nesse
dia, ele estava em casa febril. Marília, a esposa, não
permitiu que fosse nem mesmo no carro e sob a
assistência de seu amigo Lindolfo
– um dos fundadores do Centro Espírita Amor e Justiça,
erguido no bucólico bairro de Engenho Pequeno, quase na
Estação Ferroviária de Andrade Araújo.
No seu lugar, para lá seguiu Marília. De volta ao lar,
altas horas da noite, ela – comovida - recebeu do marido
acamado belos sonetos sobre a figura da mulher – mãe,
filha, esposa, amiga, irmã. Com efeito, na poesia foi
também gigante o nosso Leopoldo. Haja vista que entre
outras façanhas literárias compôs um interessante poema
sobre as dez palavras mais lindas de nosso idioma. Entre
estas: Deus, Paz, Luz, Fé, Mãe...
6. No ano de 1936, Leopoldo Machado comparece gripado e
febril ao auditório repleto da S. C. Filhos de Iguaçu.
Havia sido desafiado a debater com o padre holandês
Jacob Huddleston Slater. Este falava bem o nosso idioma
e era exímio orador eclesiástico. No desejo de enquadrar
a prática espírita como criminosa, o padre trouxera
consigo um exemplar do velho Código Civil. O sempre
lembrado letrista da “Canção da Alegria Cristã” propôs
que iniciassem o debate
– já que se tratava de um debate sobre religião
– com a oração do “Pai Nosso”. Presidiu a “Sensacional
Polêmica” (título, aliás, do livro que Leopoldo depois
escreveu) o Coronel reformado do Exército e
farmacêutico, Sebastião Herculano de Mattos. Ao fim do
longo debate, o velho espírita baiano saiu nos braços do
povo que o aplaudiu entusiasticamente.
7. A professora Leopoldina, irmã de Leopoldo Machado,
certa vez disse a este articulista que as únicas brigas
que ele e sua dileta esposa, Marília, tinham eram
irrelevantes. Em dias de intensa chuva, por exemplo,
contrariando-a, ele insistia em sair usando velho e
surrado guarda-chuvas embora tivesse um mais novo em
casa.
Em 25 de dezembro de 1940, com diversos familiares e
amigos espíritas, Marília Barbosa fundou o “Lar de
Jesus”
– orfanato destinado a acolher meninas órfãs carentes
– o qual funciona até hoje na
Rua Professor Leopoldo Machado, 50 - bairro Caonze
(K-11), em Nova Iguaçu (RJ).
Essa iniciativa de Marília Barbosa teria sido inspirada
no trabalho de Ruth Sant’Anna, outra importante seareira
do movimento espírita (autora do livro “Quanto Vale um
Ideal”), a qual havia fundado em 11 de outubro de 1938 a
“Casa de Lázaro” – renomado Educandário Social de
Assistência e Amparo à Criança
– situado na Rua Torres Sobrinho, 57 – no Meier (RJ).
Inspirou da mesma forma a criação do “Lar de Maria” em
Macaé por iniciativa do Professor Pierre Maciel Ribeiro
e a fundação do “Lar de Maria”, na capital do Pará,
graças aos esforços do Oli de Castro, coautor da música
“Canção da Alegria Cristã” (cuja letra é de Leopoldo
Machado).
8. Em meados de 1949, com meus sete anos incompletos,
conheci o Padre alemão João Müsch. Ele dava aulas de
religião na Escola Municipal Dr. França Carvalho, perto
das ruinas da Igreja de Santo Antônio da Jacutinga,
patrono de Nova Iguaçu. Foi lá que fiz o curso
primário.
Certo dia, o Padre João pediu permissão a Leopoldo
Machado para dar aulas de catequese no seu colégio (Gymnázio
Leopoldo). O líder espírita respondeu que
consentiria uma vez que o clérigo abrisse espaço para o
autor de “Catolicismo x Espiritismo” (1937) dar aulas de
Doutrina Espírita no Colégio das Irmãs.
Como o Padre não aceitasse essa contraproposta jamais
voltou a tocar no assunto.
Vim a saber, através do Léo, (Leopoldo Machado Barbosa
de Barros), sobrinho do nosso biografado, que, apesar
das divergências, o Padre João e Leopoldo Machado eram
amigos e quase todos os domingos almoçavam juntos. Aí
entendi porque melancolicamente dobraram os sinos da
Igreja Católica quando passou diante dela, pela Rua
Marechal Floriano, o grande cortejo fúnebre que conduzia
ao “campo santo” o corpo do inesquecível autor de obras
valiosas, como o “Ide e Pregai!” – série de relatos das
frequentes viagens que Leopoldo fez pela unificação dos
espíritas de nossos vastos brasis.
9. Conta-se que Leopoldo Machado e amigos, durante algum
tempo, divulgaram o Espiritismo através de uma emissora
de rádio do Rio de Janeiro, então sede do Distrito
Federal. Após o programa espírita entrava no ar o de um
pastor evangélico. Num desses dias, aquele seguidor de
Lutero, ao cruzar com Leopoldo nos corredores, em tom de
ironia, lhe fez a seguinte provocação:
_ “Eu me converterei imediatamente ao Espiritismo se o
Senhor fizer aparecer agora aqui o Espírito de minha
falecida mãe”.
O intrépido defensor da Doutrina Espírita respondeu:
- “Meu amigo, eu teria pelo menos três razões para
provar ao Senhor que não basta querermos que um Espírito
se comunique. Vou ser breve. Primeiramente é preciso
saber se ele está em condições de fazê-lo, depois, se
haveria um médium adequado e com o qual ele tivesse
afinidade e, por último, restaria saber se ele, o
Espírito, quer essa comunicação. Se o Senhor não
respeita a sua mãezinha, saiba que ela tem todo o meu
respeito. Saiba, por fim, que o Espiritismo nada teria a
ganhar ou perder com sua adesão. Passe bem!”
10. Certa ocasião, Leopoldo Machado voltava do Orfanato
Lar de Jesus, fundado por Marília Barbosa, no natal de
1940 e localizado no bairro iguaçuano Caonze (K-11).
Um padre se aproxima (não se sabe se o teria
reconhecido) e pede-lhe auxílio financeiro para a
construção de uma igreja naquele bairro. De imediato,
Leopoldo abre a carteira e concede algum dinheiro.
Todavia, assim que o padre se afasta, um dos amigos que
estavam com ele o censura dizendo que aquele religioso
iria depois atacar os espíritas.
O esclarecido autor do livro “Espiritismo e Cientismo”
(editado em Lisboa, Portugal) replica, com altivez:
- “Caso me pedissem auxílio para fundar um cassino, um
bordel ou botequim no bairro, claro que não ajudaria.
Mas, em se tratando de uma casa religiosa, estarei
sempre pronto a apoiar. Trará progresso para a
comunidade. E se ele usar o púlpito para atacar o
Espiritismo, eu serei o primeiro a defendê-lo em nossas
tribunas”.
Sergio de Sersank colaborou na revisão com pequenos
acréscimos e revisão do texto.
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