O perdão das ofensas e o amor ao
próximo
Diante de uma violência cometida contra nós, seja ela de
caráter físico ou moral, como exercer o perdão àquele
que nos feriu? Essa é uma pergunta que merece profundas
reflexões, e para a qual o Espiritismo oferece elementos
de estudo muito importantes, demonstrando que o “amai os
vossos inimigos”, proclamado por Jesus, não é impossível
de ser colocado em prática, pelo contrário, e que os
benefícios do perdão, mesmo aos inimigos, são inúmeros e
nos fazem bem já aqui na jornada terrena, como na
continuidade da vida após a morte, no mundo espiritual.
Allan Kardec, na questão 887 de O Livro dos Espíritos,
indaga aos Espíritos Superiores: “Disse Jesus também:
Amai os vossos inimigos. Ora, o amor por nossos inimigos
não é contrário às nossas tendências naturais e a
inimizade não provém da ausência de simpatia entre os
Espíritos?”. A essa indagação, recebeu magistral
resposta dos benfeitores espirituais da humanidade: “Sem
dúvida, não se pode ter pelos inimigos um amor terno e
apaixonado; não foi isso que ele quis dizer. Amar os
inimigos é perdoar-lhes e restituir bem por mal. Por
este meio nos tornamos superiores a eles; pela vingança,
colocamo-nos abaixo deles”.
Compreendemos com o Espiritismo que ainda somos
Espíritos imperfeitos, trazendo muitos vícios morais e
pouco desenvolvimento das virtudes, caracterizando assim
o planeta Terra como mundo de expiações e provas, onde o
mal prevalece sobre o bem, portanto, nem sempre fazemos
bom uso do livre-arbítrio, da liberdade que temos em
fazer escolhas. É da lei divina que devemos sempre arcar
com as consequências dos nossos atos, das nossas
escolhas, pois ninguém está destinado para fazer o mal a
alguém, ninguém reencarna para ferir, ofender, matar,
roubar etc. Se assim procedemos é por livre vontade, é
por sucumbirmos à nossa inferioridade moral, pois não
existe arrastamento que seja mais forte do que nossa
força de vontade. E também compreendemos que esse estado
moral individual com repercussões coletivas é
passageiro, pois o bem irá predominar sobre o mal na
medida em que colocarmos em prática outro ensino de
Jesus: “amar o próximo como a si mesmo”. Mas como
alcançarmos esse novo patamar de progresso se ainda nos
comprazemos em odiar, magoar, ferir, ou se dizemos:
“Nunca perdoarei!”?
O perdão das ofensas é um processo, ele não acontece de
um momento para o outro. Primeiro é preciso lembrar que
todos somos filhos de Deus, que não tem limite para nos
perdoar e permitir mais e mais oportunidades de
arrependimento, reconstrução de nós mesmos e
prosseguimento da jornada evolutiva rumo à perfeição.
Segundo, se somos filhos de Deus, isso quer dizer que
somos irmãos, temos os mesmos direitos e o mesmo
destino, então, da mesma maneira que queremos ter nova
oportunidade, os outros também merecem uma nova chance,
uma nova oportunidade. Terceiro, perdoar é um ato
individual no uso do livre-arbítrio que nos preserva dos
males espitituais e orgânicos da mágoa, do
ressentimento, da culpa, do remorso e do desejo de
vingança. Devemos deixar passar o impacto da ofensa e
lembrar que devemos fazer ao outro somente o que
gostaríamos que o outro nos fizesse, como muito bem
ensinou e exemplificou Jesus.
Conta-se que Gandhi, a grande alma humana, foi avisado
que determinada pessoa vinha fazendo discursos
agressivos contra ele. Instado a reagir, Gandhi
limitou-se a responder que nada faria. Os amigos,
inconformados com o que consideravam uma atitude passiva
por parte de Gandhi, indagaram por que ele não iria
reagir, não iria fazer discursos contra-atacando o
opositor. Então o líder hindu, que tantos belos exemplos
nos deu com sua campanha de não violência, explicou que
o opositor tinha todo o direito de pensar livremente e
externar seu pensamento da melhor forma que lhe
conviesse, e que ele, Gandhi, embora não concordando com
o pensamento do outro, faria todos os esforços para
defender seu direito de discursar, e que, em absoluto,
não se sentia ofendido, motivos pelos quais nada faria,
evitando uma polêmica por certo inútil e que poderia
gerar uma inimizade.
Os benfeitores espirituais Simeão e Paulo, no capítulo
10 de O Evangelho segundo o Espiritismo, nos
trazem belos textos reflexivos sobre o perdão das
ofensas, constituindo os itens 14 e 15. Trazemos ao
leitor trecho da mensagem de Paulo, o apóstolo:
“Perdoar aos inimigos é pedir perdão para si mesmo;
perdoar aos amigos, é dar-lhes uma prova de amizade;
perdoar as ofensas é mostrar que se tornou melhor.
Perdoai, pois, meus amigos, a fim de que Deus vos
perdoe, porque, se sois duros, exigentes, inflexíveis,
se tendes rigor mesmo por uma ofensa leve, como quereis
que Deus esqueça que, cada dia, tendes maior necessidade
de indulgência? Oh! ai daquele que diz ‘Eu nunca
perdoarei’, porque pronuncia a sua própria condenação”.
Essas palavras do Espírito Paulo nos fazem refletir
sobre a vida futura que o Espiritismo nos apresenta tão
bem, pois a morte não existe. Não perdoar hoje pode ter
como consequência situações espirituais lamentáveis,
como, por exemplo, o processo obsessivo, motivo pelo
qual Jesus recomendou nos reconciliássemos com nossos
adversários aqui e agora, enquanto caminhamos com eles,
para que depois não acontecesse algo pior.
Quanto ao outtro, aquele que fez o mal a nós, se ele vai
aceitar ou não o nosso perdão, isso já não é conosco. No
exercício do amor devemos perdoar, ele é nosso irmão e
no momento está equivocado quanto à lei divina que nos
rege, mas haverá dia em que fará sua tomada de
consciência, se arrependerá do que semeou e pedirá
perdão a Deus. Nesse momento, que possamos estar aptos a
lhe estender as mãos, dizendo-lhe: Venha, meu irmão, o
passado já não importa, agora é construir no hoje as
bases para um amanhã feliz, e eu o auxiliarei!
Marcus De Mario é do Rio de Janeiro, onde colabora no
Grupo Espírita Seara de Luz e na Rádio Rio de Janeiro, a
emissora da fraternidade. É escritor, palestrante e
consultor.