A. Diz Flammarion que grande número dos homens
que mais se distinguiram na Ciência nasceram em
condições sociais adversas. Há exemplos disso?
Sim. Nesta obra ele cita inúmeros exemplos, como
Képler, filho de um taberneiro e caixeiro de
taverna, atormentado sempre com a sua miséria
pecuniária; d’Alembert, enjeitado e encontrado
pela mulher de um vidraceiro nas escadas de uma
igreja, certa noite invernosa; e Laplace, filho
de um pobre campônio de Beaumont, perto de
Honfleur. (Deus na Natureza – Terceira Parte.
A Alma. A Vontade do Homem.)
B. Qual é o segredo que leva uma pessoa a
adquirir o saber e a experiência que, reunidos,
produzem a sabedoria?
Não existe segredo algum. É somente pelo
exercício autônomo de suas faculdades que uma
criatura pode consegui-lo. Franklin dizia que é
tão pueril esperar a posse desses bens sem
esforço e sem trabalho quanto contar com uma
colheita em terreno sem lavrá-lo e semeá-lo.
Dois irmãos, provindos do mesmo casal, podem
receber a mesma educação, ter a mesma liberdade
de ação, viverem juntos, nutrirem-se do mesmo ar
e dos mesmos alimentos e nada impedirá que um se
torne ilustre e outro fique na mediocridade.
(Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. A
Vontade do Homem.)
C. Riqueza e bem-estar são indispensáveis ao
desenvolvimento das altas faculdades humanas?
Claro que não. Se assim fosse, não haveria no
mundo, e de todos os tempos, notabilidades
desabrochadas das mais ínfimas camadas sociais.
Longe de ser um mal, a pobreza, quando provida
de energia e iniciativa pessoal, pode
transformar-se em benefício, de vez que faz
sentir ao homem a necessidade de lutar com o
mundo, onde, a despeito dos que compram o
bem-estar a preços degradantes, também há
confiança, justiça e triunfo para os valorosos e
honestos. (Deus na Natureza – Terceira Parte.
A Alma. A Vontade do Homem.)
Texto para leitura
734. Num belo livro, cujo título exótico não é
bastante claro nem cativante, mas que deveria
andar em mãos de toda a mocidade francesa (Self-Help,
ou Caráter), um homem honrado, que é Samuel
Smiles, reuniu exemplos desses vultos valorosos
que venceram todos os percalços na vida e foram,
por assim dizer, a refutação viva desta singular
teoria, que tende a rebaixar o homem, em vez de
o elevar. É por exemplos tais que a alma se
eleva para a verdade do seu ideal. Julgamos de
nosso dever homenagear aqui esse panteão de
beneméritos exemplares, cujo panegírico deveria
ser espalhado aos quatro ventos. (Deus na
Natureza – Terceira Parte. A Alma. A Vontade do
Homem.)
735. Os fatos a seguir, de ordem geral ou
particular, e as considerações que eles sugerem,
oferecemo-los aos que repetem com Moleschott,
Büchner e seu rancho, que o homem segue seus
pendores e a reflexão nada vale à face das
inclinações e tendências, sejam naturais ou
adquiridas. (Deus na Natureza – Terceira
Parte. A Alma. A Vontade do Homem.)
736. Sábios, literatos, artistas, todos quantos
se votam ao apostolado das mais transcendentes
verdades e todos quantos se enobreceram pelas
virtudes do coração, jamais saíram
privativamente de uma classe ou de uma carreira
da hierarquia social. Ao contrário, saíram
indiferentemente da oficina, como da lavoura, da
cabana, como do palácio. E os mais humildes
atingiram, por vezes, os postos mais
culminantes, vencendo dificuldades aparentemente
insuperáveis. (Deus na Natureza – Terceira
Parte. A Alma. A Vontade do Homem.)
737. Grande número dos que mais se distinguiram
na Ciência nasceram em condições sociais havidas
como incapazes de proporcionar talentos,
particularmente científicos. Em lugar das
combinações químicas do hidrogênio e fósforo, em
vez dos efeitos da eletricidade dos nervos,
apresentamos estes grandes caracteres que, do
fundo das camadas sociais mais obscuras, se
elevaram aos pináculos da Ciência, a saber:
Copérnico, filho de um padeiro polonês; Galileu,
perseguido por amor à verdade; Képler, filho de
um taberneiro e caixeiro de taverna, por sua
vez, atormentado sempre com a sua miséria
pecuniária; d’Alembert, enjeitado e encontrado
pela mulher de um vidraceiro nas escadas de uma
igreja, certa noite invernosa; Newton, filho de
um pequeno proprietário de Granthan; Laplace,
filho de um pobre campônio de Beaumont, perto de
Honfleur; W. Herschell, organista de Halifax;
Arago, devendo toda sua glória à perseverança no
estudo desde jovem; Ampère, pesquisador
solitário; Humphry Davy, criado de um
farmacêutico; Faraday, encadernador; Franklin,
aprendiz de tipógrafo; Diderot, filho de um
cutileiro; Cuvier, Geoffroy Saint-Hilaire e cem
outros. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A
Alma. A Vontade do Homem.)
738. Em que o azoto e o fósforo entravam na
secreção da vontade destes sábios ilustres, e de
que maneira o carbono se comportou para os levar
ao fastígio da projeção intelectual? Mau grado
às circunstâncias desfavoráveis com que houveram
de lutar no início da vida, estes homens
eminentes alcançaram, pelo só exercício de suas
faculdades, uma reputação sólida e duradoura,
qual lhes não granjeariam todos os tesouros da
Terra. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A
Alma. A Vontade do Homem.)
739. De nossa parte, citaremos agora os
cirurgiões John Hunter, Ambrósio Paré e
Dupuytren, nascidos de condições humildes.
Conta-se que Dupuytren, quando no colégio da
Marcha, ocupava com outro colega um quarto que
tinha por todo o mobiliário três cadeiras, mesa
e uma espécie de cama, na qual se alternavam
para o repouso. Tão exíguos eram seus recursos
que, muitas vezes, passavam a pão e água.
Dupuytren começava o trabalho às 4 horas da
manhã e nós sabemos, hoje, que ele foi o maior
cirurgião do seu tempo. (Deus na Natureza –
Terceira Parte. A Alma. A Vontade do Homem.)
740. Fácil nos
seria exarar infinitos exemplos desse quilate.
Em todos os ramos da atividade humana –
Ciências, Belas-Artes, Literatura, Comércio,
Indústria – eles são tão numerosos que chegam a
dificultar a escolha entre tantos homens
notáveis cujo êxito lhes adveio somente do
trabalho e paciente esforço[i].
Basta, por exemplo, lançar um olhar aos domínios
da Geografia e assinalar entre os grandes
descobridores Cristóvão Colombo, filho de um
cardador de Gênova; Cock, caixeiro de uma loja
no Yorkshire, e Livingstone, operário de uma
fiação de tecidos perto de Glaacow. Entre os
papas, Gregório 7º nasceu de um carpinteiro,
Sixto 5º de um pastor e Adriano 6º de um pobre
canoeiro. Na sua juventude, pobríssimo, Adriano,
impossibilitado de comprar uma vela, preparava
as lições ao relento, aproveitando a iluminação
pública. Ninguém lobriga em tudo isto a
influência do oxigênio.
(Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. A
Vontade do Homem.)
741. Não é senão pelo exercício autônomo de suas
faculdades que uma criatura pode adquirir o
saber e a experiência que, reunidos, produzem a
sabedoria. E, qual dizia Franklin, é tão pueril
esperar a posse desses bens sem esforço e sem
trabalho quanto o seria contar com uma colheita
em terreno sem lavra nem semeadura. (Deus na
Natureza – Terceira Parte. A Alma. A Vontade do
Homem.)
742. Dois irmãos, provindos do mesmo casal,
podem receber a mesma educação, ter a mesma
liberdade de ação, viverem juntos, nutrirem-se
do mesmo ar e dos mesmos alimentos e nada
impedirá que um se torne ilustre e outro fique
na mediocridade. A quanta gente se poderiam
endereçar estas palavras do velho bispo de
Lincoln ao irmão, homem indolente, que lhe pedia
fizesse dele um grande homem: – “certo, se a tua
charrua se quebrar posso mandar consertá-la, e
se te morrer um boi posso comprar-te outro; mas
não posso fazer de ti um grande homem, de vez
que lavrador te encontrei e sou obrigado a
deixar-te como tal”. (Deus na Natureza –
Terceira Parte. A Alma. A Vontade do Homem.)
743. Riquezas e bem-estar não são indispensáveis
ao desenvolvimento das altas faculdades humanas,
pois, se assim fora, não haveria no mundo, e de
todos os tempos, notabilidades desabrochadas das
mais ínfimas camadas sociais. A química
alimentar nada tem que ver com a produção
intelectual. (Deus na Natureza – Terceira
Parte. A Alma. A Vontade do Homem.)
744. Longe de ser um mal, a pobreza, quando
provida de energia e iniciativa pessoal, pode
transformar-se em benefício, de vez que faz
sentir ao homem a necessidade de lutar com o
mundo, onde, a despeito dos que compram o
bem-estar a preços degradantes, também há
confiança, justiça e triunfo para os valorosos e
honestos. (Deus na Natureza – Terceira Parte.
A Alma. A Vontade do Homem.)
745. A fortuna há mesmo, muitas vezes,
prejudicado os seus privilegiados. Em
compensação, encontramos exemplos favoráveis à
nossa tese, entre aqueles que, inspirados pela
fé ou ciosos da felicidade do seu próximo,
renunciaram, voluntariamente, aos gozos
mundanos, aos poderes e honras da Terra,
descendo de sua posição culminante para
dedicar-se à beneficência e instrução das
massas. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A
Alma. A Vontade do Homem.)
746. Tocqueville escreveu:
“O mundo é escravo da energia, nem houve fase de
vida na qual pudéssemos conceber repouso; a luta
interior, e mais ainda a exterior, é necessária
e tanto maiormente necessária quanto mais
envelhecemos. Comparo o homem a um viajante que
caminha, sem parar, para uma região cada vez
mais fria e que, quanto mais avança, mais
precisa agitar-se. A grande enfermidade da alma
é o frio e para combater esse mal temível é
preciso, não só manter ativo o espírito pelo
trabalho, mas também pelo contacto dos
semelhantes e dos negócios temporais.” (Deus
na Natureza – Terceira Parte. A Alma. A Vontade
do Homem.)
747. Estas palavras, justificou-as o seu autor
com o exemplo pessoal. Em plena atividade, ei-lo
que perde a vista e, depois, a saúde, mas não
perde nunca o amor à verdade. Ainda quando
combalido a ponto de ser carregado ao colo como
qualquer criança, a sua indômita coragem não o
abandona. Completamente cego e inválido, nem por
isso encerra a sua carreira literária,
justificando-a com estas nobres palavras bem
dignas de serem contrapostas à hipótese
materialista:
“Se, como me praz acreditar, o interesse da
Ciência se inclui em o número dos grandes
interesses nacionais, eu dei ao meu país o que
lhe dá o soldado mutilado no campo de batalha.
Seja qual for o destino dos meus trabalhos,
também espero que este exemplo não fique
perdido. Quereria eu que ele servisse para
combater essa debilidade moral, que é a moléstia
da nova geração; que pudesse reconduzir ao
caminho reto da vida alguma dessas almas
enervadas que se lamentam de lhes faltar a fé,
sem saberem onde buscá-la, e que, procurando por
toda parte, em parte alguma encontram objeto de
culto e devotamento.
Por que dizer, com tanto amargor, que não há ar
para todos os pulmões, emprego para todas as
inteligências? Não temos aí o estudo sério e
calmo? Não haverá nele um refúgio, uma
esperança, uma carreira ao alcance de todos nós?
Com ele, atravessamos os dias aziagos sem lhes
sentir o peso. Com ele construímos o destino,
usamos nobremente a vida. Eis o que faço e
voltaria a fazer ainda, se houvesse de recomeçar
a marcha, a fim de reencontrar-me justo onde me
encontro. Cego e padecente, posso dar um
testemunho que, penso, não será suspeito: o de
haver no mundo algo melhor e mais valioso que os
gozos materiais que a fortuna e até a saúde: – o
devotamento à Ciência.” (Deus na Natureza –
Terceira Parte. A Alma. A Vontade do Homem.)
748. Preferimos sentimentos que tais
à química da inteligência. Estendemo-nos
confiadamente nestes exemplos porque,
acima de tudo, dão testemunho do verdadeiro
caráter do homem superior e da absurdidade dos
materialistas que ousam reduzir esse caráter a
simples função da matéria, a uma disposição
natural do cérebro. Não queremos concluir o
protesto sem falar em Bernardo Palissy, homem
cuja vida vale por um protesto formal à hipótese
dos nossos adversários. (Deus na Natureza –
Terceira Parte. A Alma. A Vontade do Homem.)
749. Lembremos, em primeiro lugar, que Palissy
nasceu em 1510, sendo seu pai um pobre
vidraceiro da Capela Biron. Não pôde, assim,
receber a menor instrução; não teve, qual
confessava ele próprio, “outro livro além do céu
e da terra, que a toda gente é dado ler e
entender”. Aos vinte e oito anos, paupérrimo,
instalou-se numa choupana, em Saintes, como
agrimensor e pintor de vidros. (Deus na
Natureza – Terceira Parte. A Alma. A Vontade do
Homem.)
750. Casado e pai de filhos cuja subsistência se
lhe tornava impossível, concebeu a ideia fixa de
fabricar louça vidrada e imitar Luca della Róbia.
Na impossibilidade de viajar pela Itália para
aprender a técnica, houve de resignar-se a
investigar, tateante, no ambiente acanhado em
que se encontrava. (Deus na Natureza –
Terceira Parte. A Alma. A Vontade do Homem.)
[i] V.
Flammarion – Les Heros du Travail,
discurso Inaugural da Associação
Politécnica do Alto Marne, (1866) e
conferência pronunciada no Asilo
Imperial de Vincenes Compreende-se que
não possamos aqui chamar a atenção para
esses fatos importantes e antepô-los
simplesmente às fantasias materialistas.